América Latina pende à esquerda?

21/12/2005
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Opinión
-A +A
A histórica vitória do líder camponês Evo Morales nas eleições da Bolívia, em 18 de dezembro, confirma a tendência de uma viragem política à esquerda na América Latina. Após um longo período de hegemonia neoliberal, com a folgada reeleição de direitistas alinhados aos EUA – como FHC, Menem e Fujimori –, o pêndulo hoje pende para as forças oriundas das lutas sociais comprometidas com soberania e a integração regional. A insatisfação social, presente nas guerrilhas da Colômbia e Chiapas, nos levantes insurrecionais que depuseram onze presidentes em cinco anos e nos crescentes protestos de rua, desemboca na vitória de candidatos mais esquerda do espectro político – como Chávez, Lula, Kirchner, Tabaré e, agora, Morales. A “esquerdização” da América Latina já inquieta o imperialismo e seus servos locais. FHC e a diplomata ianque Carla Hills, integrantes de um grupo de consultoria dos EUA, já alertaram o presidente George W. Bush sobre os perigos para a “democracia na continente”. Roberto Teixeira, ex-presidente do Conselho de Empresários da América Latina, insiste em enquadrar os novos governos no espartilho neoliberal. “Nossa região corre risco de que se acentue um movimento pendular para a esquerda – esquerda que, no entanto, quando no poder tem demonstrado moderação e bom senso. A globalização impôs regras de conduta em políticas macroeconômicas que não dão margem a experiências exóticas ou demagógicas”, aconselha. O temor imperial deve crescer ainda mais. Além da Bolívia e do Chile, onde também o candidato ligado aos EUA foi derrotado no primeiro turno, outras 11 eleições presidenciais ocorrerão na América Latina em 2006. Em várias delas, postulantes de esquerda e centro-esquerda despontam como favoritos. No Peru, o militar nacionalista Ollanta Humala já surpreende com 22% das intenções de voto para o pleito de abril. No México, López Obrador, ex-prefeito da capital e líder da centro-esquerda, mantém folgada vantagem para a eleição de junho. Hugo Chávez, por sua vez, consolidou sua força bolivariana para a reeleição em junho. Na Nicarágua, o líder sandinista Daniel Ortega poderá retornar à presidência. Por fim, para encerrar este ciclo eleitoral, haverá a decisiva sucessão no Brasil. Segundo recente artigo da BBC britânica, esta é a que gera maior expectativa em Wall Street. Dois especuladores entrevistados não esconderam as preferências do capital financeiro. Paulo Leme, do Banco Goldman & Sachs, avaliou que “o PSDB tem chance de ganhar a eleição. O presidente Lula continua a ser um candidato formidável, mas acredito na alternância de poder e acho que isso é positivo”. Já Lise Schineller, diretora a agência de risco Standard & Poor’s, revelou que “em conversas com investidores, percebe-se a preferência por Alckmin”. A sucessão no Brasil é estratégica para o futuro das esquerdas na América Latina. Não é para menos que Chávez, em recente discurso em Pernambuco, fez questão de dizer: “Se fosse brasileiro, votaria em Lula”. REGIÃO EM CHAMAS Mas o que explica a recente viragem política à esquerda na América Latina? Ela tem consistência e pode, de fato, redesenhar o mapa político desta sofrida região? No esforço para decifrar este fenômeno, alguns livros têm sido publicados sobre o tema. Um dos mais recentes, “Continente em chamas – globalização e território na América Latina”, organizado por Maria Laura Silveira (Editora Civilização Brasileira), reúne oito artigos que abordam as diversas transformações econômicas, políticas e sociais e ajudam a entender as turbulências e as mutações em curso no continente. Os autores, todos vinculados à área da geografia, procuram pesquisar os impactos da globalização neoliberal neste vasto e diferenciado espaço territorial. Ao estudar as experiências recentes do México, Venezuela, Colômbia, Uruguai, Chile, Argentina e Brasil, eles abordam a rica diversidade destes países, mas apontam as convergências que integram a região. “Na globalização, a América Latina mostra, mais uma vez, que não é homogênea, que as possibilidades e as mazelas da história do presente atingem-na diferenciadamente, que a lei que permite a mais-valia se faz a partir do uso específico de cada território nacional e que cada sociedade dá valor próprio às coisas, aos homens, às ações. Mas o período atual revela, também, que há um denominador comum no continente: a desvalorização do trabalho, fundamento da pobreza”, explica a organizadora do livro. No estudo de cada nação, ficam evidentes os efeitos destrutivos e regressivos do neoliberalismo na região. Sob a hegemonia do capital financeiro, este modelo devastou os Estados nacionais, reduziu investimentos nas áreas sociais, desnacionalizou as economias e saqueou suas riquezas, atacou os direitos trabalhistas e gerou mais desemprego, violência e miséria. “Prometendo tirar a América Latina do marasmo, o ideário do Consenso de Washington foi aplicado nos seus rígidos princípios de estabilidade macroeconômica, abertura da economia, redução do papel do Estado e ajuste estrutural. Apresentada como conseqüência inevitável e indesejável do caminho da recuperação dos países, a pobreza foi, na verdade, uma produção deste receituário e, portanto, uma opção política do norte ao sul do continente”, conclui Maria Laura. O apanhado de cada país é rico em informações. Daniel Hiernaux-Nicolas mostra os estragos causados no México pela “abertura brutal e repentina” da economia. Delfina Fighera prova como a riqueza do petróleo serviu à oligarquia, agravou os índices de pobreza e projetou a forte liderança de Hugo Chávez. Gustavo Montañez analisa o peso do narcotráfico, da explosão de violência e das guerrilhas na Colômbia. Álvaro Gallero aborda a espantosa regressão do “civilizado” Uruguai. Luis Riffo desmistifica a badalada inserção do Chile na globalização neoliberal. Maria Laura relata a destruição imposta pela ditadura financeira na Argentina. Mônica Arroyo estuda o aumento da vulnerabilidade e da dependência da economia no Brasil. Por fim, Lia Osório trata do sistema de Estados e dos limites internacionais da atual globalização. O livro é bastante plural, inclusive com certas abordagens de viés liberal. Mas as análises e informações contidas nele ajudam a entender as recentes turbulências políticas e sociais no continente e a explicar a tendência em curso de fortalecimento da esquerda da América Latina. A devastação neoliberal, imposta pela ditadura financeira, resultou na explosão de insatisfação e revolta na região. O desejo de mudanças, de superação do neoliberalismo, tem levado os “excluídos” a votarem em militares rebeldes, em operários sindicalistas e em líderes camponeses. A frustração desta esperança, entretanto, pode reverter a alentadora guinada à esquerda da América Latina em luta por soberania, integração, democracia e justiça social. - Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “Encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, junho de 2005).
https://www.alainet.org/es/node/113928
Suscribirse a America Latina en Movimiento - RSS