O pastor que nos ensina a sonhar
18/01/2006
- Opinión
Nesta semana, a humanidade inteira recorda o nascimento de um homem que marcou o século XX com o seu testemunho libertário. Nos Estados Unidos, 15 de janeiro é feriado nacional, porque, neste dia, em Atlanta, na Georgia (1929), nasceu Martin Luther King, negro que se formou em Teologia e se tornou pastor batista. Na sociedade norte-americana, racista e discriminatória, ele dizia claramente: “Eu tenho um sonho: o sonho de ver meus filhos julgados por sua personalidade, não pela cor de sua pele.” Na Igreja Batista do sul dos EUA, o reverendo Luther King reuniu multidões na sua campanha pela igualdade racial e humana. Mobilizou a sua Igreja e saiu às ruas, gritando: “Quem aceita passivamente o mal, no fundo, está misturado com ele. Quem convive com a injustiça sem nada fazer para detê-la, está cooperando com ela. Quando o oprimido aceita a opressão contribui para que ela se prolongue”.
Cada domingo, suas pregações, em Memphis, reuniam multidões que não cabiam no recinto do templo. Muitos de seus companheiros e familiares estranhavam o conteúdo de seus discursos. Nos anos 50, não era comum ministros cristãos falarem como Luther King: “Sonho que, um dia, todo o povo se ponha de pé e viva o verdadeiro significado de sua fé. Sonho que se leve a sério, até o último ponto, a verdade de que todos os seres humanos são iguais... Sonho que, um dia, este país, abrasado pela opressão e injustiça social, se transforme em oásis de liberdade e justiça” Em 1955, os coletivos de Montgomery, no Alabama, obrigavam os negros a sentar nos últimos bancos do ônibus e a se levantar cada vez que entrava um branco. O pastor Luther-King fez os negros descobrirem que eles eram a maioria pobre que usava o ônibus. Ele pediu aos negros e a seus aliados que fizessem greve contra quaisquer empresas racistas. Toda a população negra deixou de usar os ônibus. Caminhava a pé, tomava transportes alternativos, mas não tomava ônibus. O boicote contra empresas racistas durou 381 dias, até que as empresas cederam e reconheceram direitos iguais para todos os passageiros.
O pastor recebeu apoio de comunidades religiosas e organizações civis e começou a organizar um grande movimento de desobediência civil contra o racismo. Era uma ação pacífica, sem qualquer violência. O movimento pela igualdade de direitos de todos os cidadãos se tornou nacional e divulgava denúncias dos numerosos crimes racistas. Ajudava as pessoas a crescer na consciência da sua dignidade humana e de seus direitos.
Em 1960, o pastor Martin Luther King e seu movimento conseguem que o Congresso norte-americano aprove a lei que dá aos negros direito de acesso aos lugares públicos, igual a qualquer outro cidadão. Em 1963, o pastor lidera a grande “Marcha dos Viajantes da Liberdade” até Washington. Muitos artistas e escritores brancos apóiam a ação dos mais de 250 mil participantes que se vão juntando pelo caminho. A polícia promete forte repressão. Muitos aliados tentam impedi-lo de fazer isso. Ele estaria arriscando a vida de muita gente. Ele se responsabiliza pessoalmente para que nenhum participante da marcha revide a provocações racistas e violentas. Entretanto, o país todo para diante desta marcha pacífica e dela resulta a Lei dos Direitos Civis (1964) e a Lei dos direitos de Voto (1965) que garantem aos negros, ao menos no plano legal, direitos iguais para todos nas escolas, nas Igrejas e nas ruas.
A sociedade racista fez tudo para impedir a ação do pastor Luther King. Inúmeras vezes, ele foi preso, agredido e ameaçado de morte. As paredes de sua casa e da Igreja ficam cobertas por símbolos da Klu Klux Klan e insultos ao “negro sujo que quer mudar as leis deste país branco”. Políticos pagam policiais para investigar a sua vida íntima e descobrirem qualquer escândalo. Contratam um sósia que, filmado à noite e quase de costas parece o pastor. Distribuem fotos desse sósia, em uma cama, com uma prostituta. Ao ver todos os jornais estamparem o escândalo, o sósia se arrepende e confessa espontaneamente ter sido pago para fazer aquilo. Os adversários ameaçam a vida dos filhos pequenos e da esposa do pastor, se este não parar todas as atividades. Ele responde: “Adoro os meus filhos e minha esposa. Mas, as suas vidas e a minha estão nas mãos de Deus”. Em 1968, o pastor King recebe o Prêmio Nobel da Paz e o reconhecimento da humanidade. No mesmo ano, em meio a um discurso, é assassinado. Sua luta continua e ganha novos adeptos. Até hoje, não se venceu a desumanidade do racismo e da discriminação social, mas, ao menos, o racismo é ilegal e condenado pela maioria das Igrejas e religiões.
A estrutura social e econômica do mundo continua etnocêntrica e desumana. A existência de um imenso muro e de um aparato rigorosíssimo de vigilância para separar os Estados Unidos do México revelam mais do que a organização da fronteira, uma política de exclusão social e de novas formas de racismo. Os governos ricos do mundo vêem os pobres, latino-americanos e africanos, como novos párias deste mundo reservado, exclusivamente, a minorias abastadas.
Há religiosos que ensinam uma doutrina. Outros vendem a fé como produto comercial. Muitos chegam quase a pedir: “entreguem suas inteligências à hierarquia de uma Igreja e ela pensa por vocês e diz como vocês devem ver as coisas e agir”. Martin-Luther King foi um pastor livre e libertador como Dom Hélder Câmara, no Brasil e o Mahatma Gandhi na Índia. Sua primeira ação maravilhosa foi ajudar as pessoas a sonharem e mais ainda a acreditarem na possibilidade do sonho se tornar realidade.
Neste Brasil de 2006, é urgente retomarmos a profecia do pastor Martin Luther King. Ainda hoje, ressoam as suas palavras: “Cedo ou tarde, os povos de todo o mundo terão de descobrir uma forma de convivência pacífica. O ser humano nasceu na barbárie: matar o próximo era normal. Depois, ele foi dotado de consciência. A violência contra outro ser humano deve converter-se em algo tão abominável como devorar a sua carne. A ação não-violenta dos marginalizados pode converter-se em solução para toda a humanidade”.
- Marcelo Barros, monge beneditino e escritor, tem 29 livros publicados, dos quais o romance indigenista "A Noite do maracá"
https://www.alainet.org/es/node/114147
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