FMI reforça a campanha de Alckmin
23/04/2006
- Opinión
Numa ingerência descabida, o Fundo Monetário Internacional acaba de divulgar um relatório exortando o governo Lula a “resistir às pressões para afrouxar a atual disciplina fiscal e a manter o superávit primário” elevado para pagar os juros da sua dívida pública. Mesmo o Brasil tendo quitado o empréstimo do FMI e descartado o austero monitoramento desta agência mundial do capital financeiro, o prepotente organismo ainda se julga com autoridade para agredir a soberania nacional e impor sua receita ortodoxa à economia. Segundo a servil mídia brasileira, o FMI estaria descontente com as tímidas mudanças já sinalizadas pelo novo ministro da Fazenda, Guido Mantega, e preocupado com a “gastança pública em um ano eleitoral”.
No documento “Perspectivas para a economia mundial”, o Fundo critica as contratações de servidores no governo Lula, o chamado “inchaço do setor público”, e o aumento dos gastos com programas sociais. Ele ainda condena a trajetória de queda do superávit, que já atingiu 5% do PIB, mas que hoje se aproxima dos 4,25% fixados como meta máxima pelo governo. No alto da sua arrogância, o FMI também “recomenda” uma nova rodada de reformas – com ênfase para a trabalhista e a previdenciária – para tornar o “ambiente de negócios” mais favorável aos investimentos. “A questão central agora é realizar reformas para tornar o Brasil mais competitivo”, aconselha o desastrado organismo, responsável pela falência de várias nações.
Apesar da crescente rejeição às suas orientações econômicas neoliberais, o FMI mantém o seu receituário destrutivo e a sua postura agressiva de ingerência nos assuntos internos dos países-membros. Em recente entrevista, o número dois na hierarquia deste bastião da ortodoxia, o indiano Raghuram Raja fez questão de afirmar que “o principal da receita do FMI funcionou perfeitamente” e de elogiar o chamado Consenso de Washington. Aplicado caninamente pelo ex-presidente FHC, este tal consenso contraiu gastos sociais com a imposição do superávit fiscal, conteve o crescimento com a política monetária de juros elevados e desregulamentou totalmente a economia transformando o Brasil num paraíso da especulação financeira – além de privatizar as estatais, desnacionalizar a produção e reduzir drasticamente o papel do Estado.
O FMI parece ter saudades dos tempos de FHC! Para este biombo da ditadura financeira, o governo Lula estaria colocando em risco a sacrossanta “estabilidade do mercado” ao sinalizar com um afrouxamento da sua política monetária. “Os juros elevados servem claramente para manter a inflação sob controle”, chiou Rajan, economista-chefe do órgão na entrevista citada. Já a ampliação dos investimentos públicos, com a contratação de servidores e maiores gastos sociais, também desafiaria os rígidos dogmas do tal Consenso Washington. Para o FMI, em conluio com a raivosa direita brasileira e a sua mídia venal, o governo Lula amedrontaria o “deus mercado” ao retomar as contratações no serviço público. Um verdadeiro absurdo!
Segundo o economista Marcio Pochmann, o Brasil tem um número reduzido de servidores se comparado a qualquer país “civilizado” do mundo. “Em 1980, tínhamos 12% da população ocupada trabalhando no setor público; hoje temos 8%. Mesmo nos EUA, que não são um modelo de estado social, a proporção de funcionários em relação à população ocupada é de 16,8%. Na Europa, a média é de 25%”. O desmonte do Estado, agravado por FHC, reduziu drasticamente o dispêndio com os servidores – hoje ele beira 30% da Receita Corrente Líquida. Até a draconiana Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) fixa um limite de 50% da RCL para os salários no setor público – o que comprova que há espaço para novas contratações.
Ingerência eleitoreira
Na prática, o recente relatório do FMI tem um nítido viés político – e até mesmo eleitoreiro! Ele aparece exatamente no momento em que a oposição liberal-conservadora, chefiada por Geraldo Alckmin, ataca os investimentos públicos do governo. Nas últimas semanas, a mídia burguesa, numa campanha orquestrada, espinafrou as 37,5 mil contratações de servidores efetuadas pela atual administração. Ela também tentou estigmatizar os programas sociais do governo, taxando-os de ineficientes e assistencialistas. Tudo indica que a direita já escolheu um alvo para a batalha eleitoral: os servidores públicos. É a reedição do “caçador de marajás” de Collor e do ataque de FHC aos “vagabundos”. E o FMI faz coro com esta tática abjeta!
Além do seu nítido caráter eleitoreiro, esta nova ofensiva da direita brasileira, respaldada pelo FMI, ainda visa enquadrar o novo ministro da Fazenda. Toda a quinta-coluna neoliberal do ex-ministro Palocci foi despejada para o desespero do “deus mercado”. E apesar de enviar insistentes recados de bom-mocismo, Mantega tem adotado posições que indicam uma cautelosa alteração nos rumos da economia. Entre outras iniciativas, ele abortou o plano do seu antecessor de maior abertura comercial, barrou as medidas de corte dos gastos públicos, rejeitou a ampliação do tempo de validade do superávit, descartou uma nova reforma da previdência e orientou o Conselho Monetário Nacional a afrouxar a Taxa de Juros de Longo Prazo.
Como observa o professor Décio Munhoz, do Departamento de Economia da Universidade de Brasília, “o ex-ministro Palocci fez uma aliança preferencial com o sistema financeiro. Já o novo ministro ou não tem essa dependência ou tem mesmo um pensamento diferente”. Esta mudança de orientação ficou patente na própria reação de Guido Mantega à ingerência indevida do FMI. Sempre comedido, ele foi incisivo na sua resposta: “O superávit é de 4,25% do PIB, mas tem gente que gostaria que ele fosse ainda maior. Eles são os ortodoxos. São os que não gostam dos programas sociais do governo. Eles não dizem isso claramente, mas vivem criticando os aumentos dos gastos sociais. Então é bom que se diga: eu não sou ortodoxo”.
Se esta postura mais independente realmente se confirmar, a oposição liberal-conservadora, sempre servil aos propósitos entreguistas e rentistas do FMI, terá motivos para ficar furiosa. Além de se distanciar ainda mais do seu desejo de revanche eleitoral – já que os programas sociais e o reforço do papel do Estado têm forte simpatia da população mais carente –, ela poderá ver um segundo mandado do governo Lula realizar a almejada superação do neoliberalismo para um novo projeto nacional de desenvolvimento. Na prática, ao se intrometer abertamente nos assuntos internos e ao fazer coro com os discursos da direita brasileira, o FMI ajuda a revelar o que realmente está em jogo na sucessão presidencial de outubro próximo.
- Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi).
https://www.alainet.org/es/node/114957
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