“Pacote cambial” fragiliza o Brasil

27/07/2006
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O Ministério da Fazenda anunciou nesta quarta-feira, dia 26, um pacote de medidas para desoneração das exportações. A principal permite às empresas manter fora do país 30% das receitas obtidas com as vendas externas. O governo ainda abriu mão da cobrança da CPMF sobre este dinheiro. O próprio ministro Guido Mantega estimou que a renúncia fiscal será de cerca de R$ 200 milhões ao ano, considerando o volume de exportações previsto para 2006 – de US$ 132 bilhões. As únicas ressalvas à aplicação destas medidas é que as empresas terão que declarar o valor deixado no exterior à Receita Federal e não poderão depositar os dólares em paraísos fiscais – ambas de eficácia duvidosa diante da falta de transparência do capital. Além da flexibilização da cobertura cambial, o governo simplificará os contratos de câmbio, que poderão ser fechados em operações simultâneas de compra e venda de dólares. Segundo o banqueiro Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, “isto gerará ganhos de custos muito importantes não só para as exportadoras, mas também para os agentes de câmbio”. O “pacote de bondades” para o capital, anunciado ontem, ainda permite o registro dos capitais estrangeiros que já estão contabilizados nas empresas, mas não são registrados como essa rubrica no Banco Central – o que facilitará a remessa de lucros ao exterior. Já prevendo as críticas, o ministro procurou se desculpar: “Eu queria destacar que essa modernização não implica em perda de controle sobre o sistema cambial. A qualquer momento o CMN [Conselho Monetário Nacional] se reúne e suprime essa ‘não cobertura’ cambial”, justificou. Até pouco tempo atrás, o ministro era contrário a esta flexibilização, mas sofria forte pressão dos exportadores e de banqueiros, e mesmo de outros membros do governo – como o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luis Fernando Furlan. Pelo jeito, ele não agüentou o tranco e cedeu! O que não significa que a pressão cessará. Mesmo elogiando o pacote, os banqueiros, os coronéis do agronegócios e o ministro Furlan exigem mais. O setor exportador da poderosa Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) ainda insiste no seu projeto original de permitir o depósito integral no exterior. Já o ministro Furlan, dono da Sadia, uma das maiores exportadoras brasileiras, pressiona para que a “não cobertura cambial” seja ampliada de 30 para 50%. “Se pudesse deixar todo o dinheiro lá fora, seria melhor”, afirma, descaradamente, o analista Fábio Meneghin, da consultoria Agroconsult. Já os bancos enxergam na medida mais um importante passo no processo de completa desregulamentação financeira, iniciada por FHC e não interrompida pelo governo Lula. A reação não podia ser diferente. Aplausos, mais pressão e críticas. Afinal, o capital sempre quer mais e, por seu espírito de classe, não se ilude com as “bondades” do governo. Como reclamou o presidente Lula na inauguração do seu comitê eleitoral em Brasília, apesar de auferirem lucros recordes durante o seu primeiro mandato, as classes dominantes nunca estão satisfeitas. “Banqueiro não tinha porque estar contra o governo, porque os bancos ganharam muito dinheiro... Então, não tinham porque estar com tanta raiva e preconceito”, chiou o presidente um dia antes do anúncio de novas medidas de cedência ao capital. Parece que o governo insiste em agradar o deus-mercado, mesmo que este viva o apunhalando sem piedade! Vulnerabilidade externa O pacote de “desoneração das exportações”, que na prática significa uma maior flexibilização financeira, já estava no forno desde os tempos do ministro Antonio Palocci. Com a sua queda, ele sofreu críticas do novo ocupante do cargo, Guido Mantega. Economistas avessos aos dogmas neoliberais denunciaram que esta medida iria diminuir o acesso aos dólares gerados pelo comércio exterior e, como efeito, dificultaria a elevação das reservas brasileiras. Alertaram também que ela atrapalharia o governo no caso de uma crise da economia mundial que o obrigasse a providenciar dólares com urgência para honrar os compromissos. Mas o governo agora parece que está convencido de que superou toda e qualquer vulnerabilidade externa. É verdade que hoje o país se encontra numa situação econômica mais favorável do que a herdada do triste e desastroso reinado de FHC. Em 2002, por exemplo, o Brasil precisava de 32 meses de exportações para quitar sua dívida externa. No ano passado, bastavam 11 meses. No mesmo período, o peso da dívida sobre o Produto Interno Bruto (PIB) caiu de 35,9% para 12,8%. Em 2005, as reservas em dólares do país eram suficientes para pagar mais da metade da dívida externa, enquanto no último ano de FHC pagavam apenas 10%. Em 13 de julho, os cofres do Banco Central abrigaram mais dólares do que o volume da dívida – os débitos somaram US$ 63,4 bilhões e as reservas atingiram US$ 63,7 bilhões. Um feito inédito! Essa melhora, porém, não permite ufanismos como os alardeados pelo presidente Lula no lançamento da sua candidatura à reeleição. Na ocasião, ele afirmou que “o país agora tem uma economia sólida, capaz de garantir o crescimento de forma sustentada e com força para resistir aos solavancos externos. Acabou-se o tempo em que um leve resfriado nos mercados globalizados significava uma grave pneumonia no Brasil”. O princípio de histeria do mercado financeiro no mês de maio, decorrente dos desequilíbrios da economia dos EUA, não permite estes arroubos. O medo de novas fugas de capitais fez com que, em apenas 11 dias, o dólar subisse 11%. Entre maio e junho, o Brasil perdeu US$ 567 milhões devido à ação especulativa com títulos públicos. O episódio evidenciou que o Brasil ainda é frágil diante da especulação financeira. Esta vulnerabilidade decorre do criminoso processo de desregulamentação financeira iniciado por Collor de Mello, agravado nos oitos anos de FHC e radicalizado por Lula – que preferiu não comprar brigar com o capital especulativo. Como cita André Barrocal, da Agência Carta Maior, “no ano passado, o Conselho Monetário Nacional decidiu facilitar as remessas de recursos para o exterior e dar mais prazo para que os exportadores tragam os dólares do exterior. Este ano, o Ministério da Fazenda isentou de imposto de renda o estrangeiro que compra título público. Agora, o governo autoriza exportadores a manter dólares no exterior para pagar dívida que têm lá. Estas medidas fragilizam o país no enfrentamento do mercado”. O que a curta experiência do governo Lula demonstra é que não adianta todo o esforço – desastroso para a nação e prejudicial aos trabalhadores – para agradar o deus-mercado. Além de preservar a vulnerabilidade externa e amarrar o crescimento interno da econômica, esta cedência não seduz o capital nem abranda sua “raiva e preconceito”. No debate em curso sobre o novo projeto de desenvolvimento nacional, que supere as amarras neoliberais, é urgente a reflexão aberta sobre novas medidas de regulamentação financeira e de controle do desvairado fluxo de capitais especulativos. Sem isto, o Brasil permanecerá vulnerável aos humores da economia mundial e às pressões dos especuladores brasileiros. - Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PcdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, segunda edição).
https://www.alainet.org/es/node/116331
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