O futuro aberto do Brasil

Ganhos e perdas das eleições

24/10/2006
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Termina a mais longa campanha eleitoral da história do Brasil. Podemos situar seu início há um ano e meio atrás, quando a oposição iniciou as denuncias do que passou a ser chamado de “mensalão” – em abril de 2005. Ou pode-se localizar o início nas eleições municipais de outubro de 2004 quando, animada com os resultados obtidos, a oposição elegeu a seu candidato – Severino Cavalcanti, posteriormente cassado por acusações de corrupção – presidente da Câmara de Deputados, derrotando ao governo, que tinha a um petista – Luis Eduardo Greenhalg – como candidato.

A partir dali se foram constituindo os dois blocos políticos que se enfrentaram ao longo de todos esses meses, configurando finalmente a polarização entre direita e esquerda, como ela se apresentou com clareza no segundo turno das eleições presidenciais. O segundo turno possibilitou o enfrentamento entre os dois maiores blocos de forças, os que possuem potencial hegemônico, definidos em torno de suas características diferenciais.

A vitória de Lula representa a expressão eleitoral de que o povo brasileiro considera que a desigualdade social é o problema central do país. A diferenciação significativa entre as intenções de voto dos estratos mais ricos, de maior nível educacional e do sul do Brasil – diferenciado das outras regiões pelo nível de vida mais alto, assim com o nível educacional e por uma composição étnica majoritariamente branca – e os mais pobres, de menor nível educacional e das outras regiões é suficientemente significativo, para não deixar nenhuma dúvida sobre seu peso no resultado final.

Dos mais de 60% de intenções de voto, Lula recebe 74% no nordeste, 56% no norte, 54% no sudeste e 44% no sul. Recebe 64% dos que possuem ensino fundamental, 56% dos que tem ensino médio e 40% dos com ensino superior. Conta com 64% dos que recebem até 2 salários mínimos, 56% do estrato de entre 2 e 5 salários mínimos, 50% dos que recebem entre 5 e 10 e 38% dos de mais de dez salários mínimos. Lula perde apenas neste último estrato, nos de maior escolaridade e na região sul, ganhando em todos os outros. Isto também significa que os votos que obtêm não se restringem ao voto dos pobres, porque ele triunfa na região sudeste, nos de escolaridade média e nos que recebem de 5 a 10 salários mínimos, além de ter expressiva intenção de voto no sul, nos maior rendimento e de maior escolaridade.

O país não está dividido socialmente entre direita e esquerda, mas o caudal de votos do bloco de esquerda é significativamente dos de menor renda e menor escolaridade. Não é a candidatura de Lula que introduziu a desigualdade. Ao contrário, são as políticas do seu governo as que, pela primeira vez na história do Brasil, diminuíram essa desigualdade. Sua candidatura expressa a nível político a vontade de superação da desigualdade, que está inscrita na nossa história e na nossa estrutura social pelas orientações que os sucessivos governos imprimiram ao país.

Os que acreditam que essa configuração expressa a falta de importância atribuída pelos mais pobres às questões éticas, não olham para as fisionomias dos que protagonizam os escândalos morais do país – além dos denunciados, os que ainda proliferam pelo Brasil afora. Não são os pobres, não os trabalhadores, não são os de menor nível de renda e de escolaridade.

Os que acreditam que sejam empresas estatais os espaços privilegiados para a corrupção não consideram que os maiores escândalos de corrupção da história foram protagonizados por grandes corporações privadas norte-americanas – com a Enron em primeiro lugar – e somente não são maiores, pela complacência que os governos e as instancias que deveriam fiscalizá-las tem em relação a elas, protegidas ademais, via de regra, pela grande mídia – com a qual costumam ter relações promíscuas – e pelos segredos de funcionamento das empresas. As empresas estatais são passiveis de controle, de denuncia, de superação pelo voto popular, pelos governos e pelos parlamentares.

Aproxima-se a hora de fazer o balanço dos ganhos e perdas dessa longa e quase interminável campanha. Os ganhos seguramente se situam na expressão socialmente significativa do voto de extração social popular e na polarização mais clara entre direita e esquerda no segundo turno. As perdas, no debilitamento da política e dos partidos e no papel manipulador – embora derrotado esta vez – da grande mídia monopolista privada.

Derrotado o bloco de direita – e seus maiores caciques, particularmente derrotados: Tasso Jereissatti, Jorge Bornhausen, Antonio Carlos Magalhães, Fernando Henrique Cardoso – e a grande mídia. Vitorioso Lula e a esquerda, que se mobilizou no segundo turno para propiciar-lhe a vitória. Resta saber como cada um deles lerá os resultados e atuará em seguida. Tal como a história da América Latina, a história brasileira insiste em manter-se aberta às grandes transformações no novo século.
https://www.alainet.org/es/node/117799
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