Serra corta verba e 'enquadra' universidades

06/02/2007
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Em São Paulo, José Serra corta investimento no ensino superior e “enquadra” administrativamente direção das universidades; docentes, alunos e trabalhadores preparam mobilização contra o pacote classificado de “autoritário”

Em apenas um mês de gestão, o governo de José Serra (PSDB) já atacou o ensino público superior paulista em duas frentes. No primeiro dia de mandato, decretou a criação da Secretaria de Ensino Superior que, na prática, deve funcionar como uma “super-reitoria”. Logo depois, o tucano anunciou que os repasses de verbas para as três universidades públicas – USP, Unesp e Unicamp – serão cortados em 15%.

Ouvidas pelo Brasil de Fato,  entidades representativas da comunidade acadêmica apontam que o pacote de Serra coloca em xeque a autonomia universitária, a qualidade do ensino e o seu caráter público.

O Fórum das Seis – entidade que compreende as associações de professores e sindicatos de trabalhadores das três universidades – realizou em 1º de fevereiro uma assembléia e redigiu um documento que classifica o pacote de Serra como um das “mais violentas e autoritárias intervenções do governo do Estado na autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial das universidades estaduais paulistas.”

O Fórum deliberou um calendário de mobilizações, em conjunto com os estudantes. Nas primeiras semanas de aula, as entidades irão realizar atividades para esclarecer os calouros acerca da nova conjuntura imposta pelo governo. “Vamos explicar que, quando eles fizeram o vestibular, a universidade era uma coisa; agora que estão matriculados a situação já é outra”, comenta Aníbal Ribeiro, diretor do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp). “O ataque do governo foi grande e nossa reação vai ser maior ainda”, promete.

Na análise do presidente da Associação dos Docentes da USP (Adusp), César Minto, as medidas de Serra corroboram um projeto de universidade formulado pelo PSDB, sustentado no discurso de que é “muito oneroso” um ensino público de qualidade, baseado no tripé ensino, pesquisa e extensão.

Dentro dessa lógica, o Estado daria um aval para uma maior captação de recursos externos, ou seja, investimento privado. Esse processo, na visão dos órgãos representativos da comunidade acadêmica, compromete o caráter público da universidade.

A justificativa

O governo do Estado, por sua vez, argumenta que o pacote de medidas visa romper o “isolamento” das instituições de ensino: “as universidades não são ilhas isoladas, devem estar abertas à sociedade, buscar o entrosamento e o governo é um instrumento importante para isso”, justificou o secretário estadual da Casa Civil, Aloysio Nunes Ferreira, em entrevista à Folha de S. Paulo.

Nessa linha, para “enquadrar” as universidades, os tucanos atuaram em duas vias: uma política, outra financeira. Primeiro, vincularam à recém-criada Secretaria de Ensino Superior, comandada por José Aristodemo Pinotti (PFL), o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp), a principal instância deliberativa acerca das questões universitárias.

Na outra ponta, o governo do Estado asfixiou o orçamento do ensino superior. No apagar das luzes de sua gestão, o ex-governador Cláudio Lembo (PFL) derrubou  aumentos de verbas para as universidades negociados com o Palácio dos Bandeirantes e a Assembléia Legislativa de São Paulo.  Lembou afirmou que tomou a medida após conversar com José Serra (A pedido de Serra, Lembo reduziu verba da educação).

O acréscimo dos investimentos foi uma conquista do Fórum das Seis que, após uma intensa mobilização, conseguiu que o governo paulista aceitasse investir 10,43% do que arrecada com o ICMS no ensino superior. O percentual antigo – e que agora voltará a prevalecer – é de 9,57% da arrecadação com esse imposto.

Mais restrições

O corte de verbas não ficou nisso. Serra anunciou ainda que vai reter 15% da verba da universidade pública. Em janeiro, o tucano não repassou R$ 21,5 milhões do orçamento da USP e da Unesp. Para a tesoureira Adusp, Lighia Matsushigue, o contingenciamento é um “acinte”. “Estávamos pedindo mais verbas, justamente, porque os  9,57% não são suficientes para financiar uma educação de qualidade”, afirma Lighia.

 Na visão dela, a autonomia universitária torna-se fictícia quando não há autonomia de gerenciamento financeiro. “Em função da escassez de verba, a USP da Zona Leste, por exemplo, não tem laboratórios de pesquisa, nem sala para os professores. Sem um suporte financeiro do estado, a universidade fica voltada aos interesses de mercado. Só haverá estudos relacionados ao que dá retorno financeiro, como já acontece em algumas unidades da USP”, diz a tesoureira, que prevê dificuldades para as instituições fecharem suas contas, inclusive para custear os gastos com pessoal.

Para Aníbal Ribeiro, do Sintusp, a intenção do governo é realizar mais “ajustes”. “Sabemos que haverá enxugamento no quadro de funcionários e precarização do ensino. Questões materiais, como, por exemplo, os equipamentos dos Hospitais Universitários, também serão afetadas”, reitera.

Fonte: Brasil de Fato
http://www.brasildefato.com.br

https://www.alainet.org/es/node/119126
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