João Pedro Stédile:
A classe trabalhadora começa a se mover!
02/05/2007
- Opinión
Já não era sem tempo. O discurso de um dos mais importantes líderes do MST, que antes era de espera estratégica, agora mudou. Fazendo um balanço do “abril vermelho” deste ano de 2007, João Pedro Stédile diz que o governo de Luis Inácio faz falsa propaganda, permite a ofensiva do agro-negócio e promove uma maior concentração da propriedade no país, fazendo com que a idéia da reforma agrária fique cada dia mais distante. Por conta disso, não foi à toa que o MST empreendeu uma jornada de ocupações, visando lembrar ao presidente que os camponeses sem-terra brasileiros estão vivos e alertas. Durante todo o mês de abril, praticamente em todos os estados da federação houve luta. “O balanço que fazemos do governo é negativo. Ele fez aliança com o agro-negócio e é por isso que o tom das críticas tende a aumentar”, diz Stédile.
Segundo dados do MST, existem no Brasil mais de quatro milhões de famílias sem-terra, o que mostra como a distribuição justa da terra ainda é uma quimera, com o campo sendo mantido dentro da lógica do latifúndio, da monocultura e da super-exploração do trabalho. Apurando mais olhar pode-se perceber um Brasil quase feudal, vivendo paralelamente ao mundo dito high-tech das grandes metrópoles. Organizadas e em luta junto com o Movimento dos Sem-Terra existem hoje 105 mil famílias assentadas e 197 mil famílias vivendo em acampamentos precários, feitos de taquara e lona preta, amargando fome, frio e doenças. Segundo Stédile, nos últimos quatro anos do governo de Luis Inácio, 65% das famílias assentadas foram levadas para projetos de colonização na Amazônia, e um outro número significativo foi assentado em lotes que já estavam sob a guarda do governo. Isso mostra que a estrutura do latifúndio não sofreu qualquer arranhão. Permanece impávida. “A rigor, apenas 70 mil famílias novas foram assentadas em áreas desapropriadas. Então, os tais números que o governo mostra não dizem toda a verdade”.
Enquanto, sob os barracos, os camponeses brasileiros amargam misérias, o agro-negócio vai ampliando suas fronteiras e concentrando cada vez mais a terra na mão de poucos. Para complicar, esses poucos ainda levam nomes estrangeiros. Milhares de hectares estão sendo comprados por empresas multinacionais, atraídas pela política de Luis Inácio, que tem incentivado a implantação das fábricas de celulose e, agora, a plantação de cana, por conta do etanol. Stédile conta que recentemente mais de 100 mil hectares de terra foram comprados, no Rio Grande do Sul, por uma empresa finlandesa. A área fica numa região de fronteira, o que por si só já seria ilegal. A saída encontrada foi o uso de um “laranja”, ou seja, um dono brasileiro que aparece apenas como fachada. No Paraná, a Sigenta, junto com a Monsanto, também tem comprado quilômetros de terra. A Cargil ataca em São Paulo, comprando centenas de hectares. A Votorantin, de Antônio Hermínio e seus parceiros estrangeiros, também investe em terra. No Ceará, na Bahia, em Goiás, extensões imensas de terra estão mudando de mãos, e tudo isso sem que o estado tenha controle. “Quando menos esperarmos, teremos toda a terra fora das mãos dos brasileiros”. E é por isso que o MST está exigindo que o Incra faça um levantamento destas compras para que se possa ter um dado seguro sobre a entrega da terra para mãos estrangeiras.
Perguntado sobre o porquê da mudança de tom no trato com o governo, João Pedro fez questão de frisar que o MST é um movimento social e como tal, autônomo diante de qualquer governo. “Quando o presidente ou um governador faz alguma coisa boa, nós aplaudimos. Mas quando faz coisa errada a gente dá pau. Não vê o Requião, no Paraná? Quando proibiu os transgênicos nós apoiamos. Quando jogou a polícia contra os sem-terra a gente denunciou. Agora, vendo o Lula se aliar com o agronegócio, a crítica tem de ser feita”.
A apatia do movimento dos trabalhadores
João Pedro Stédile avalia que a luta de classe caminha em ondas. Ora está em cima, ora embaixo. Ele acredita que, no Brasil, o ano de 1989 - da primeira disputa de Lula à presidência - foi o ápice da luta dos trabalhadores. Naqueles dias estavam em jogo dois projetos muito claros: o da classe dominante e o dos trabalhadores. “Naquela eleição, a classe trabalhadora foi derrotada e desde então a luta vem decaindo. O neoliberalismo se afirmou, vingou uma crise ideológica, o movimento operário se desorganizou. Agora, quero crer que vai começar um processo de ascenso. Mas isso não depende só da vontade das pessoas. Depende da conjuntura, de vários fatores na sociedade que possam promover a ofensiva contra o capital”. Para Stédile, o movimento sindical brasileiro está derrotado, precisa encontrar outras vias de luta. “Creio que está vindo aí uma nova geração, mais esperta, que vai conseguir encontrar um caminho”.
O processo de luta popular em outros países da América Latina pode ser um elemento de viragem. Na Venezuela, Bolívia e Equador, outros são os atores sociais que provocaram a mudança. Sistemas tradicionais como os sindicatos e partidos políticos faliram, a população encontrou outras formas de organização. “A mudança só pode acontecer com luta de massa. Em 1984 nós tínhamos dois milhões de pessoas na Avenida Paulista gritando por diretas já. Na última vitória de Lula, apenas oito mil foram à Brasília. Isso mostra que as pessoas já estão acordando”.
A esquerda brasileira que andava dispersa e perdida está, outra vez, encontrando pontos de unidade. Uma prova disso foi o encontro acontecido em São Paulo, no dia 25 de março, quando a Conlutas, a Intersindical, a Coordenação dos Movimentos Populares e a Assembléia Popular conseguiram se juntar e definir algumas lutas unificadas, saindo da lógica da luta isolada ou da disputa para ver quem é mais revolucionário no cenário nacional. “A boa notícia é que esses movimentos conseguiram estabelecer um dia de paralisação nacional, que vai ser o próximo 23 de maio, com o lema: nenhum direito a menos. A partir daí, a coisa vai mudar”.
O biocombustível e a terra
No que diz respeito a luta específica dos sem-terra, Stédile acredita que um elemento de fortalecimento vai ser a batalha contra essa nova aliança que está sendo forjada entre as grandes empresas de petróleo, automóveis e sementes, que são as maiores do mundo e controlam a vida de bilhões de seres. Ironizando a postura do presidente Luis Inácio durante a visita de Bush ao Brasil, o dirigente do MST afirmou que Lula só serviu para aparecer na foto. “O que estava em questão ali era o encontro com os grandes capitalistas e os fazendeiros locais. O Bush prometeu dinheiro, aumento de lucros e os donos da terra dão o etanol. O governo não tem nada a ver com isso. É acordo entre Bush e o capital”.
Segundo Stédile a política de incentivo ao biocombustível, ao plantio desenfreado da cana de açúcar, a manutenção da lógica consumista dos países ricos, só vai acelerar o conflito dos trabalhadores do campo com o modelo do agronegócio instalado no Brasil. “O governo prevê aumentar a área de plantio de cana, passando de 4,5 milhões de hectares para 6,5 milhões. É quase o dobro. Se o etanol começar a dar lucro, os fazendeiros vão querer potencializar esse lucro e, pela lógica, aumentam os preços de todos os produtos, principalmente da comida. Quem vai pagar por isso somos nós. E, com certeza, teremos mais conflitos sociais”.
O dirigente do MST conta que o volume de dinheiro que está sendo investido no plantio da cana tem sido astronômico. “Só um grupo estrangeiro já trouxe dois bilhões de dólares para investir. O BNDS (Banco Nacional de Desenvolvimento) já autorizou empréstimos para as usinas de açúcar que somam seis vezes mais do que saiu para a reforma agrária. Isso não vai acabar bem”.
Stédile alertou ainda para os efeitos que a política do etanol pode trazer ao ambiente. Lembrou que o equilíbrio da natureza vai sofrer alterações significativas, pois onde tem monocultura a chuva acontece com menos freqüência. “Uma prova disso é Ribeirão Preto, no estado de São Paulo. Lá, a temperatura sofreu aumento de um grau e as chuvas diminuíram significativamente. Tudo por causa da cana”. Cabe a cada um imaginar o que pode acontecer com o Brasil se o país vier a tornar-se um grande canavial, unicamente para garantir a continuidade do padrão de consumo dos estadunidenses. Para Stédile, o que está em jogo não é unicamente o sonho dos milhões de sem-terra que buscam encontrar seu espaço para plantar e alimentar a vida de todos. O risco está sob a cabeça de cada brasileiro. Daí a necessidade da união das lutas. Campo e cidade. Operários, camponeses, informais, trabalhadores públicos, enfim, os que apenas têm sua força de trabalho, todos juntos, enfrentando o mesmo inimigo: o capitalismo e sua voracidade.
- Elaine Tavares – jornalista no Ola/UFSC. O OLA é um projeto de observação e análise das lutas populares na América Latina. www.ola.cse.ufsc.br
Segundo dados do MST, existem no Brasil mais de quatro milhões de famílias sem-terra, o que mostra como a distribuição justa da terra ainda é uma quimera, com o campo sendo mantido dentro da lógica do latifúndio, da monocultura e da super-exploração do trabalho. Apurando mais olhar pode-se perceber um Brasil quase feudal, vivendo paralelamente ao mundo dito high-tech das grandes metrópoles. Organizadas e em luta junto com o Movimento dos Sem-Terra existem hoje 105 mil famílias assentadas e 197 mil famílias vivendo em acampamentos precários, feitos de taquara e lona preta, amargando fome, frio e doenças. Segundo Stédile, nos últimos quatro anos do governo de Luis Inácio, 65% das famílias assentadas foram levadas para projetos de colonização na Amazônia, e um outro número significativo foi assentado em lotes que já estavam sob a guarda do governo. Isso mostra que a estrutura do latifúndio não sofreu qualquer arranhão. Permanece impávida. “A rigor, apenas 70 mil famílias novas foram assentadas em áreas desapropriadas. Então, os tais números que o governo mostra não dizem toda a verdade”.
Enquanto, sob os barracos, os camponeses brasileiros amargam misérias, o agro-negócio vai ampliando suas fronteiras e concentrando cada vez mais a terra na mão de poucos. Para complicar, esses poucos ainda levam nomes estrangeiros. Milhares de hectares estão sendo comprados por empresas multinacionais, atraídas pela política de Luis Inácio, que tem incentivado a implantação das fábricas de celulose e, agora, a plantação de cana, por conta do etanol. Stédile conta que recentemente mais de 100 mil hectares de terra foram comprados, no Rio Grande do Sul, por uma empresa finlandesa. A área fica numa região de fronteira, o que por si só já seria ilegal. A saída encontrada foi o uso de um “laranja”, ou seja, um dono brasileiro que aparece apenas como fachada. No Paraná, a Sigenta, junto com a Monsanto, também tem comprado quilômetros de terra. A Cargil ataca em São Paulo, comprando centenas de hectares. A Votorantin, de Antônio Hermínio e seus parceiros estrangeiros, também investe em terra. No Ceará, na Bahia, em Goiás, extensões imensas de terra estão mudando de mãos, e tudo isso sem que o estado tenha controle. “Quando menos esperarmos, teremos toda a terra fora das mãos dos brasileiros”. E é por isso que o MST está exigindo que o Incra faça um levantamento destas compras para que se possa ter um dado seguro sobre a entrega da terra para mãos estrangeiras.
Perguntado sobre o porquê da mudança de tom no trato com o governo, João Pedro fez questão de frisar que o MST é um movimento social e como tal, autônomo diante de qualquer governo. “Quando o presidente ou um governador faz alguma coisa boa, nós aplaudimos. Mas quando faz coisa errada a gente dá pau. Não vê o Requião, no Paraná? Quando proibiu os transgênicos nós apoiamos. Quando jogou a polícia contra os sem-terra a gente denunciou. Agora, vendo o Lula se aliar com o agronegócio, a crítica tem de ser feita”.
A apatia do movimento dos trabalhadores
João Pedro Stédile avalia que a luta de classe caminha em ondas. Ora está em cima, ora embaixo. Ele acredita que, no Brasil, o ano de 1989 - da primeira disputa de Lula à presidência - foi o ápice da luta dos trabalhadores. Naqueles dias estavam em jogo dois projetos muito claros: o da classe dominante e o dos trabalhadores. “Naquela eleição, a classe trabalhadora foi derrotada e desde então a luta vem decaindo. O neoliberalismo se afirmou, vingou uma crise ideológica, o movimento operário se desorganizou. Agora, quero crer que vai começar um processo de ascenso. Mas isso não depende só da vontade das pessoas. Depende da conjuntura, de vários fatores na sociedade que possam promover a ofensiva contra o capital”. Para Stédile, o movimento sindical brasileiro está derrotado, precisa encontrar outras vias de luta. “Creio que está vindo aí uma nova geração, mais esperta, que vai conseguir encontrar um caminho”.
O processo de luta popular em outros países da América Latina pode ser um elemento de viragem. Na Venezuela, Bolívia e Equador, outros são os atores sociais que provocaram a mudança. Sistemas tradicionais como os sindicatos e partidos políticos faliram, a população encontrou outras formas de organização. “A mudança só pode acontecer com luta de massa. Em 1984 nós tínhamos dois milhões de pessoas na Avenida Paulista gritando por diretas já. Na última vitória de Lula, apenas oito mil foram à Brasília. Isso mostra que as pessoas já estão acordando”.
A esquerda brasileira que andava dispersa e perdida está, outra vez, encontrando pontos de unidade. Uma prova disso foi o encontro acontecido em São Paulo, no dia 25 de março, quando a Conlutas, a Intersindical, a Coordenação dos Movimentos Populares e a Assembléia Popular conseguiram se juntar e definir algumas lutas unificadas, saindo da lógica da luta isolada ou da disputa para ver quem é mais revolucionário no cenário nacional. “A boa notícia é que esses movimentos conseguiram estabelecer um dia de paralisação nacional, que vai ser o próximo 23 de maio, com o lema: nenhum direito a menos. A partir daí, a coisa vai mudar”.
O biocombustível e a terra
No que diz respeito a luta específica dos sem-terra, Stédile acredita que um elemento de fortalecimento vai ser a batalha contra essa nova aliança que está sendo forjada entre as grandes empresas de petróleo, automóveis e sementes, que são as maiores do mundo e controlam a vida de bilhões de seres. Ironizando a postura do presidente Luis Inácio durante a visita de Bush ao Brasil, o dirigente do MST afirmou que Lula só serviu para aparecer na foto. “O que estava em questão ali era o encontro com os grandes capitalistas e os fazendeiros locais. O Bush prometeu dinheiro, aumento de lucros e os donos da terra dão o etanol. O governo não tem nada a ver com isso. É acordo entre Bush e o capital”.
Segundo Stédile a política de incentivo ao biocombustível, ao plantio desenfreado da cana de açúcar, a manutenção da lógica consumista dos países ricos, só vai acelerar o conflito dos trabalhadores do campo com o modelo do agronegócio instalado no Brasil. “O governo prevê aumentar a área de plantio de cana, passando de 4,5 milhões de hectares para 6,5 milhões. É quase o dobro. Se o etanol começar a dar lucro, os fazendeiros vão querer potencializar esse lucro e, pela lógica, aumentam os preços de todos os produtos, principalmente da comida. Quem vai pagar por isso somos nós. E, com certeza, teremos mais conflitos sociais”.
O dirigente do MST conta que o volume de dinheiro que está sendo investido no plantio da cana tem sido astronômico. “Só um grupo estrangeiro já trouxe dois bilhões de dólares para investir. O BNDS (Banco Nacional de Desenvolvimento) já autorizou empréstimos para as usinas de açúcar que somam seis vezes mais do que saiu para a reforma agrária. Isso não vai acabar bem”.
Stédile alertou ainda para os efeitos que a política do etanol pode trazer ao ambiente. Lembrou que o equilíbrio da natureza vai sofrer alterações significativas, pois onde tem monocultura a chuva acontece com menos freqüência. “Uma prova disso é Ribeirão Preto, no estado de São Paulo. Lá, a temperatura sofreu aumento de um grau e as chuvas diminuíram significativamente. Tudo por causa da cana”. Cabe a cada um imaginar o que pode acontecer com o Brasil se o país vier a tornar-se um grande canavial, unicamente para garantir a continuidade do padrão de consumo dos estadunidenses. Para Stédile, o que está em jogo não é unicamente o sonho dos milhões de sem-terra que buscam encontrar seu espaço para plantar e alimentar a vida de todos. O risco está sob a cabeça de cada brasileiro. Daí a necessidade da união das lutas. Campo e cidade. Operários, camponeses, informais, trabalhadores públicos, enfim, os que apenas têm sua força de trabalho, todos juntos, enfrentando o mesmo inimigo: o capitalismo e sua voracidade.
- Elaine Tavares – jornalista no Ola/UFSC. O OLA é um projeto de observação e análise das lutas populares na América Latina. www.ola.cse.ufsc.br
https://www.alainet.org/es/node/120891
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