Bento XVI e a utopia Brasil

03/05/2007
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Dentro de pouco estará no Brasil o Papa Bento XVI. Todos estão ansiosos pela mensagem que nos irá trazer. Sabemos que todo o ponto de vista é a vista de um ponto, mesmo por mais oficial que este seja. Ele permite a visão de certas realidades mas também encobre outras, pela própria natureza do ponto de vista.

Normalmente predomina no Vaticano o ponto de vista institucional. Neste ganha centralidade o poder sagrado, a disciplina e a ordem, necessárias a um organismo mundial como é a Igreja Católica romana. E junto vem a obediência e a vontade de adesão cordial. Mas vigora também o lado da comunidade cristã e a vida concreta dos fiéis. Aqui se crê no dinamismo intrínseco dos processos orgânicos nos quais surgem desafios que demandam respostas por parte da fé. Estas pressupõem liberdade e criatividade para sejam adequadas e também contemporâneas. Trata-se, portanto, de de um processo que vai além da lógica da disciplina e da ordem. Poderá Bento XVI assumir os dois pontos de vista e produzir um discurso de sabedoria?

Isso não é impossível porque o extraordinário na Igreja Católica é que ela se entende edificada sobre duas pilastras, a de Pedro e a da Paulo. Pedro representa a instituição, o poder das chaves, a ordem a disciplina numa palavra, a continuidade. Paulo significa a criatividade e a coragem para o novo, numa palavra, a ruptura. A base petrina e paulina são igualmente importantes. Sabedoria é orquestrar estas duas energias de tal forma que o novo possa acontecer sem ameaçar a continuidade, ao contrário enriquecendo-a. Há momentos em que deve prevalecer a continuidade, há outros em que deve vigorar a novidade. Qual destas perspectivas irá Bento XVI privilegiar em sua vida ao Brasil?

Na minha avaliação, estamos urgentemente precisando da dimensão paulina, do carisma inovador para fazer frente aos graves problemas internos e extermos que a Igreja Católica enfrenta. Internos, a emigração crescente de católicos para outras igrejas de caráter popular e carismático, derivada possivelmente da própria estrutura centralizada da Igreja. Temos 125 milhões de católicos que demandariam pelo menos 100 mil padres e existem apenas 18 mil, muitos deles estrangeiros. Cria-se necessariamente um vácuo que é preencidos por outras igrejas. Externos, é a profunda desigualdade que estigmatiza nossa sociedade. Como a fé articulada com a justiça ajuda nas transformações necessárias? Oxalá o Papa estimule esta linha de atuação.

Se das muitas palavras que o Papa nos disser, reforçar esta que nos vem de um mestre, marxista e ateu ético Oscar Niemeyer, o criador de Brasília, estaríamos mais que atendidos:" o fundamental é reconhecer que a vida é injusta e só de mãos dadas, como irmãos e irmãs, podemos vivê-la melhor". Estas palavras resumem a mensagem de amor de Jesus. Fazemos nossas as palavras de outro mestre também marxista e ateu ético, Darcy Ribeiro, nosso maior antropólogo, por ocasião da vinda de João Paulo II ao Brasil:"Venha a nós, Pastor das Gentes, para juntos construirmos o singelo paraiso em que todos comam todo dia, morem decentemente, estudem o primário completo, sejam tratados nas dores maiores, tenham um emprego permanente, por humilde que seja e não morram no desamparo na velhice. Ouça, Santo Padre, o clamor do povo que o aclama. Bendiga, esta católica cristandade neolatina de ultramar, vestida das carnes morenas de negros e de índios. É o Povo de Deus que só pede a utopia: o singelo paraiso terrenal do Espírito Santo".

- Leonardo Boff é Teólogo.
https://www.alainet.org/es/node/120902
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