Serra, <I>Folha</I> e a reforma agrária
- Opinión
Primeiro foi o governador de São Paulo, José Serra, que “teorizou” sobre a inviabilidade econômica da reforma agrária, talvez incomodado com as novas ocupações de terras no Pontal do Paranapanema. Num encontro com a juventude do PSDB, no último final de semana, o tucano-mor afirmou que é “impossível” realizar uma reforma agrária “bem feita”, devido aos custos “caríssimos”. Ele se baseou num estudo feito no governo FHC, que estimou o gasto desta reforma em US$ 35 mil por família, incluindo desapropriação das terras, créditos rurais e infra-estrutura para os assentados. Revelando que a sua fiel adesão aos dogmas ortodoxos é antiga, ele confessou que chegou a essa conclusão nos anos 70, durante o seu exílio no Chile.
No mesmo tom, como mero repetidor das “teorias” tucanas, o editorial da Folha de S.Paulo condenou a reforma agrária. Amparado numa pesquisa do Ministério de Desenvolvimento Agrário, afirmou que “o gasto médio para o assentamento de uma família é de R$ 31 mil” – menos da metade do valor alardeado, com ares de verdade, por José Serra. Mesmo assim, o jornal da famiglia Frias questionou: “À diferença de um programa de renda mínima, a reforma agrária se pretende uma política emancipadora. É preciso saber se os empregos gerados se sustentam ao longo do tempo e se produzem um nível mínimo de renda sem o concurso do poder público. Caso contrário, a reforma agrária se torna uma doação contínua de dinheiro do Estado e deveria ser substituída por ações como o Bolsa Família, mais baratas e eficientes”.
As declarações de José Serra e o editorial de Folha, assim como as reportagens sempre agressivas da TV Globo, revelam que a elite burguesa não gosta nem de ouvir falar numa profunda reforma agrária. Como é um afronta a concentração fundiária, em que 1% dos proprietários detém 56% das terras agricultáveis, ela agora resolveu usar o argumento “econômico” para negar a urgência desta reforma. Ela nunca criticou os milhões do Proer dados por FHC aos banqueiros, ou os milhões do BNDES usados para bancar poderosas corporações ou mesmo os empréstimos do governo aos “donos da mídia”. Quando o dinheiro público é para os ricos, é investimento; quando é para os trabalhadores, é “gastança”. A tese “economicista” serve apenas para esconder a injustiça social e para ocultar o caráter eminentemente político deste tema.
Como denuncia Soraia Soriano, da coordenação nacional do MST, “o governador diz que não é possível fazer a reforma agrária, no entanto, ele continua direcionando recursos para o campo, mas apenas para o grande produtor rural. O governo inclusive está legalizando terras griladas por fazendeiros no Pontal do Paranapanema. Segundo dados do próprio governo, cerca de 400 mil hectares são comprovadamente de terras devolutas na região, invadidas irregularmente por grandes latifundiários”. Para ela, as pretensas razões econômicas contrárias à reforma agrária servem somente para encobrir a perversa distribuição de terras no país. “O problema é político, de justiça social, é não exclusivamente econômico”, opina.
Apesar da lentidão da reforma agrária, que tem gerado duras críticas dos movimentos sociais do campo, o governo Lula aparentemente ainda não se dobrou às teses “economicistas”. O próprio ministro Guilherme Cassel fez questão de frisar à Folha que “tenho certeza que a reforma agrária vale a pena, pela ocupação do espaço, pela geração de emprego e renda e pela comparação com outras atividades”. O estudo do seu ministério já provou que cada família assentada representa a geração de 4,7 novos empregos, sendo três deles diretos – o que não foi destacado na citada manchete. Indicou ainda que cada R$ 1 milhão investido pelo governo na reforma agrária reverte-se em 136 empregos diretos, 31 indiretos e outros 46 induzidos (efeito-renda), o que é superior aos resultados alcançados nos setores de transporte, comércio e calçados.
A própria “razão econômica” defendida pelos latifundiários, por José Serra e pela mídia é desmontada por outro dado revelador do estudo do MDA: o assentamento de trabalhadores rurais gera mais empregos do que o agronegócio, garante a alimentação da população e é fator indispensável para o desenvolvimento do país. “O sub-setor familiar gera 213 postos de trabalho e o patronal, 84. Ou seja, o primeiro é capaz de criar 2,5 vezes mais ocupações que o segundo... O principal elemento que os diferencia é o emprego direto de cada um deles (136 postos frente a 22). Segundo o mais recente Censo Agropecuário, a agropecuária familiar é responsável por 78% do pessoal ocupado na agricultura”, afirma o documento.
Em síntese, a reforma agrária continua sendo uma exigência política, social e, inclusive, econômica. Os problemas no campo brasileiro não serão resolvidos com programas como o Bolsa Família, assim como deseja a elite burguesa. “A política assistencial é para conter uma situação conflituosa. 200 mil famílias acampadas é uma situação de conflito, que precisa de políticas assistenciais. Mas não resolve as questões estruturantes”, argumenta Sérgio Leite. “Justamente para que as famílias não precisem ficar 27 anos no Bolsa Família é fundamental a reforma agrária”, acrescenta Vicente Marques, assessor especial do MDA.
- Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).
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