Duas viagens, dois caminhos

14/08/2007
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Durante a primeira semana de agosto, a América Latina foi testemunha de duas importantes viagens de presidentes com propósitos diametralmente opostos, protagonizados por Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez.

Muitos observadores e analistas preferem esconder o feito de que duas das principais figuras do continente tomaram rumos que põem em evidência as dificuldades da integração regional. Lula visitou cinco países: México, Honduras, Nicarágua, Panamá e Jamaica, com o objetivo de promover os agrocombustíveis. Chávez visitou, no mesmo período, Argentina, Uruguai, Equador e Bolívia, para assinar acordos que impulsionam a integração.

A viagem de Lula poderia se chamar o “segundo tour do etanol”. O primeiro, lembremos, foi realizado por George W. Bush no começo de março deste ano, quando chegou a acordos de longo prazo com Lula para promover os agrocombustíveis. Agora, o presidente do Brasil viajou para contribuir para que empresários de seu país instalem plantas de etanol de cana-de-açúcar nos países centro-americanos. No México, primeira etapa de sua viagem, Lula incentivou um acordo entre a estatal Pemex e a transnacional Petrobras para a procura e exploração de petróleo em águas do Golfo do México. O acordo é interessante para a Petrobras, uma vez que a empresa é líder mundial em extração de petróleo em águas profundas, tecnologia que a empresa mexicana não possui.

A esquerda mexicana reagiu de forma dura. Andrés Manuel López Obrador, vítima de uma fraude eleitoral nas eleições de 2006 que beneficiou o atual presidente Felipe Calderón, advertiu que de pode usar a Petrobras como “ponta-de-lança” para privatizar a Pemex, um objetivo muito apreciado pelas transnacionais. “Respeito-o muito, mas o movimento que represento, uma oposição real, verdadeira, não aceita que se entregue a riqueza petroleira mexicana a estrangeiros, sob nenhuma modalidade”, disse Obrador, sobre as gestões de Lula, segundo o jornal La Jornada de 6 de agosto. O líder mexicano disse que a Petrobras procurará petróleo no Caribe e, em troca, ficaria com uma parte dos hidrocarbonetos encontrados, o que implica nenhum risco, já que se sabe onde estão as jazidas. Depois da Petrobras, argumenta, chegariam as demais transnacionais.

Sobre os agrocombustíveis, Lula disse que conta com o apoio do México “na campanha para estabelecer um mercado mundial de combustíveis mais limpos, baratos e renováveis. Temos a oportunidade de democratizar o acesso a novas fontes de energia, multiplicando a geração de empregos e diversificando a matriz energética”. É evidente que o presidente do Brasil não se interou dos argumentos esgrimidos nos últimos meses por Fidel Castro, entre muitos outros, contra essas energias. Na Nicarágua, Lula ofereceu apoio a Daniel Ortega para que o país se converta no pioneiro dos agrocombustíveis na região. “É completamente inadmissível e um crime produzir etanol a partir do cultivo de milho”, respondeu o nicaragüense.

Na Jamaica, Lula inaugurou uma planta de desidratação de etanol, de propriedade de investidores jamaicanos e brasileiros; e, em Honduras e no Panamá, assinou acordos para o desenvolvimento dos combustíveis a partir de cana-de-açúcar. O diário Folha de S. Paulo, no dia 5 de agosto, lembrou os motivos de fundo do Brasil para expandir o etanol nessa região. “O interesse é usar a América Central como plataforma de exportação de etanol para os EUA; esses países têm acordo de livre-comércio com os americanos e não têm limites para a exportação de etanol”. Brasil aporta a tecnologia e os capitais, os centro-americanos põem o trabalho semi-escravo nos canaviais, e, assim, a potência emergente consegue abrir um mercado protegido, ao qual tem enormes dificuldades de acesso. A forma de pensar de Lula é transparente: “Juntos, podemos constituir uma potência econômica mundial”, disse ao presidente direitista Felipe Calderón, no México.

A viagem de Chávez foi muito diferente. Na Argentina, assinou um acordo com Nestor Kirchner para a compra de 500 milhões de dólares em bônus argentinos e se comprometeu a comprar uma quantidade similar em alguns meses. Esse acordo é vital, já que, depois da crise de 2001, a Argentina não tem acesso a créditos internacionais. Além disso, assinou um acordo para a construção de uma planta regasificadora de gás líqüido venezuelano em Bahía Blanca, uma vez que a Argentina sofre uma série crise energética. No Uruguai, assinou um Tratado de Segurança Energética com Tabaré Vázquez, segundo o qual as estatais Ancap e PDVSA trabalharão para duplicar a capacidade de produção da refinaria uruguaia e se criará uma empresa mista para extrair petróleo da Faixa do Orinoco, considerada a primeira reserva mundial. Com isso, Uruguai assegura energia para si a longo-prazo.

Dessa vez, Vázquez e Kirchner coincidiram. “Que outro governo do mundo fez outra oferta de tal magnitude e grandeza”, disse o uruguaio. “Os argentinos deveríamos, e devemos, agradecê-lo, porque sempre que precisamos, ele nos ajudou”, disse um ministro muito próximo a Kirchner.

Já no Equador, Chávez subscreveu um investimento de 5 bilhões de dólares com Rafael Correa para a construção de uma refinaria na província de Manabí, para processar 300 mil barris de petróleo ao dia, o que será a maior refinaria da costa do Pacífico. Na Bolívia. Chávez e Evo Morales chegaram a um acordo destinado à criação da empresa petroleira binacional Petroandina (entre YPFB e PDVSA), que terá como primeiro projeto investir 600 milhões de dólares em exploração na Bolívia. Com o nascimento da YPFB-Petroandina, a Bolívia recuperou seu direito de explorar seus hidrocarbonetos.

As dificuldades para que a Venezuela ingresse no Mercosul estiveram presentes na viagem. Até agora, os parlamentos da Argentina e Uruguai ratificaram a adesão do país de Chávez ao bloco. Paraguai e Brasil estão demorando a fazê-lo. Sabe-se que o parlamento de Brasília não quer aprovar o ingresso, pois possui uma maioria de centro-direita, ainda que o governo possa fazer valer suas alianças. Em Buenos Aires, Chávez disse, em uma reunião restrita, relatada pelo Página 12, no dia 8 de agosto, que os atritos entre Venezuela e Brasil não se devem a “uma disputa de lideranças”, e sim a “uma confrontação de modelos energéticos”. Uns trabalham pela integração sobra a base de compartilhar petróleo e gás e, assim, assegurar a autonomia energética; enquanto outros lutam por uma integração com base nos agrocombustíveis, impulsionando a mesma política que a do império. (Tradução Brasil de Fato: http://www.brasildefato.com.br/)
https://www.alainet.org/es/node/122679
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