Escopeta não é chocalho
- Opinión
“Pode-se perguntar por que um estado mais forte desejaria atacar um mais fraco, mas certamente esse não é o ponto. O fato decisivo é que, no nível interestatal, a unidade maior pode atacar os grupos mais fracos. Como não há quem possa impedir esses ataques, os grupos humanos mais fracos vivem em contínuo e inevitável estado de insegurança”Norbert Elias, Envolvimento e Alienação, Editora Bertrand, Rio de Janeiro, 1990, p: 214
A reativação da IV Frota Naval dos Estados Unidos, na zona do Atlântico Sul, provocará uma mudança radical e permanente, nas relações militares dos EUA, com a América Latina. Foi por isto que surpreenderam tanto, as primeiras explicações americanas, a respeito da reativação da sua Frota - criada em 1943, e desmantelada em 1950 – que teria sido uma simples decisão “administrativa”, tomada com objetivos “pacíficos, humanitários e ecológicos”.
A mentira não é um pecado grave no campo das relações internacionais. Pelo contrário, mentir ou dizer meias-verdades, com competência, foi sempre uma arte e uma virtude essencial da diplomacia, entre as nações. Portanto, não foi isto que chamou atenção, na declaração das autoridades americanas, foi o seu desrespeito pela inteligência dos interlocutores, e o seu deboche com relação à impotência dos governos afetados pela sua decisão.
Com respeito à proteção do comércio marítimo, todos os especialistas sabem que só tem capacidade de proteger o “livre fluxo do comércio mundial”, quem também tem a capacidade de interrompê-lo. Ou seja, quem tem poder para proteger, também tem o poder de excluir concorrentes, se for o caso, quando se acirra a competição entre os estados e os capitais privados, como está acontecendo, neste início do século XXI. Depois de quase uma década de crescimento contínuo e acelerado, a economia mundial enfrenta neste momento, uma disparada dos preços, da especulação e da escassez de algumas commodities fundamentais, como é o caso do petróleo, dos alimentos e dos minerais estratégicos.
Esta história, entretanto, traz uma lição importante para o futuro da América Latina, e do Brasil em particular. Faz um século, mais ou menos, o almirante e geopolítico Alfred Mahan, se notabilizou pela sua defesa militante, da idéia que os EUA jamais seriam uma “grande potência”, apoiando-se apenas no seu desenvolvimento econômico. Para ter estatuto internacional, precisariam de uma esquadra naval capaz de projetar o poder americano ao redor do mundo, como havia feito a Inglaterra, no século XIX[1]. O almirante Mahan exerceu grande influencia pessoal, sobre o presidente Theodore Roosevelt, logo no início do século XX, e depois se transformou no maior símbolo do poder naval americano, de todos os tempos.
Com razão, porque menos de meio século depois da sua morte, os EUA já eram o maior poder naval da história da humanidade, controlando todos os mares e oceanos do mundo, com suas sete Frotas Navais. Neste momento, os Eua acabam de reativar a sua IV Frota, mas poderão criar muitas outras, se quiserem, sem ferir o Direito Internacional, sem precisar utilizar as águas soberanas de outros estados, e sem precisar dar explicações a ninguém. Obedecendo apenas aos seus cálculos estratégicos e ao seu poder de construir e distribuir navios militares ao redor do mundo, como havia proposto Alfred Mahan.
Segundo o sociólogo alemão Norbert Elias, a dura verdade é que, “se algum estado for mais forte ou se acreditar mais forte que seus vizinhos, sempre haverá a possibilidade de que tente obter vantagens, o que pode ocorrer de diversas formas, hostilizando-os, fazendo exigências ou invadindo-os e anexando-os [..] e só existe uma possibilidade de um estado com maior potencial de violência ser impedido de explorar ao máximo sua porção de poder relativo: ele só pode ser reprimido por outro estado equivalentemente forte ou por um grupo de estados que consigam controlar as rivalidades entre si em grau suficiente para favorecer seu potencial combinado de poder”[2]
Del mismo autor
- O fracasso dos militares 02/02/2022
- O dilema de Taiwan, no berço da nova ‘ordem mundial’ 04/08/2021
- As estranhas derrotas de uma potência que não para de se expandir e acumular poder 16/07/2021
- Sete potências e um destino: conviver com o sucesso da civilização chinesa 25/06/2021
- As sanções norte-americanas à Rússia 29/04/2021
- A “flutuação pandêmica” do preço do petróleo 13/04/2021
- O fim do capitão ficou mais próximo 01/04/2021
- O futuro imediato do mundo, a partir de Biden 08/03/2021
- A confissão do general, o governo dos militares, e a derrota do chanceler 17/02/2021
- Transição energética e ecológica 13/11/2020
Clasificado en
Clasificado en:
Guerra y Paz
- Prabir Purkayastha 08/04/2022
- Prabir Purkayastha 08/04/2022
- Adolfo Pérez Esquivel 06/04/2022
- Adolfo Pérez Esquivel 05/04/2022
- Vijay Prashad 04/04/2022