A aposta por Cochabamba
- Opinión
Governo Evo e movimentos sociais vêem com grande otimismo a possibilidade de revogar o mandato do governador local, um dos principais nomes da direita boliviana, e alterar nacionalmente a correlação de forças em seu favor
“Manfred, só faltam 6 dias para você ir embora”, escreve, numa cartolina, uma jovem envergonhada pela letra ruim. O dia 4 de agosto está agitado na praça 14 de Septiembre, a principal da cidade de Cochabamba, na região central da Bolívia.
A poucos metros do cartaz que estava sendo elaborado, um grupo de entre 20 e 30 pessoas ouve um senhor de pele morena, cavanhaque e usando um boné de um time de
Logo ao lado, de chapéu preto e óculos escuros, outro homem moreno mostra uma cópia de um jornal, com a notícia de que os seis governadores da oposição – o líder local, Manfred Reyes Villa, entre eles – possuem uma fortuna, juntos, de 50 milhões de bolivianos (a moeda local, o equivalente a cerca de R$ 12 milhões).
E começa a listar os motivos pelos quais a população deveria votar pela saída das autoridades oposicionistas, no referendo revogatório que será realizado no dia 10. Um senhor de barba o ajuda no “discurso”, fazendo campanha pela ratificação do presidente Evo e pela revogação do mandato de Manfred.
“As políticas desses cavalheiros sempre foram as mesmas. Embolsar o dinheiro do povo e não fazer nada por ele. Além disso, apoiamos as mudanças que está pretendendo fazer o governo, com a finalidade de beneficiar todos os bolivianos, não só nos departamentos, mas com caráter nacional”, esclarece Juan Torrico, que diz não fazer parte de nenhum partido.
Campanha
Desempregado, já que “por ser velho, não querem me dar trabalho”, Juan é um dos tantos que fazem campanha espontânea – que dura o dia todo – a favor de Evo na principal praça da cidade. “Aqui, nos reunimos todos os cidadãos para darmos nossos pareceres em relação ao que acontece no país politicamente. E eu noto que as pessoas estão se conscientizando à medida que os dias passam”, garante.
Outro instrumento de conscientização espontânea, mas mais organizado, é a Red Tinku, uma entidade intercultural que apóia os movimentos populares da Bolívia. Como ferramenta de comunicação popular, a organização instala na praça de Cochabamba, diariamente, painéis informativos sobre a situação política, econômica, social e cultural do país.
Para a campanha de revogação de Manfred, não foi diferente. Além dos painéis, seus integrantes colocaram faixas, cartazes e uma mesa com material de propaganda, de panfletos a livros e DVDs. Durante o dia inteiro, inúmeras pessoas param para ler as notícias selecionadas e observar os itens de campanha à disposição. “Queremos revogá-lo porque ele é a expressão mais negra da direita desta parte do país. E se subalternizou à doutrina direitista do oriente”, explica Edgar Ballón, da Red Tinku.
A saída de Manfred do governo departamental de Cochabamba é uma das principais apostas do governo do Movimiento Al Socialismo (MAS, partido de Evo) para o referendo revogatório, através do qual a população boliviana decidirá se o presidente, o vice-presidente e os governadores regionais permanecem ou não no cargo.
Instrumento de divisão
Embora não faça parte organicamente da chamada meia-lua (oposição formada pelas autoridades e comitês cívicos de Santa Cruz, Tarija, Beni e Pando, que impulsionam suas autonomias), Manfred, desde que assumiu, em 2006, vem sendo um de seus mais ferrenhos aliados, e é um dos principais nomes da direita a nível nacional.
“[Queremos sua revogação] por ele apoiar a independência de Santa Cruz. Nosso departamento votou pelo “não” à autonomia, e isso tem que ser respeitado. Nenhuma pessoa pode atribuir-se a representação de toda uma região”, protesta Juan.
Em 2006, foi realizado um referendo oficial sobre as autonomias. O “não” ganhou nacionalmente, mas o “sim” triunfou na meia-lua. No entanto, desde que tomou posse, Manfred vem afirmando que iniciará o processo autonômico também em Cochabamba.
“Foi um claro desacato ao mandato do povo cochabambino [como é chamada a população local]. Ele se alinhou com a meia-lua, especialmente com o comitê cívico pró-Santa Cruz, e começou a pregar a autonomia”, lembra o advogado e ativista Edilberto Vargas, assessor jurídico da direção departamental do MAS.
Na opinião dele, a nova forma de atuar do império estadunidense é a de agir de maneira mais sutil para desestabilizar os países não-alinhados a suas políticas, como o fomento à desagregação nacional. Manfred seria “um dos instrumentos dessa divisão e também da negação da participação de outros setores da população nos benefícios do país”.
Segundo o ativista do MAS, caso o governador de Cochabamba seja revogado, a correlação de forças nacionalmente poderá tornar-se mais favorável ao governo Evo, já que Manfred representa a oligarquia boliviana.
Racismo
Carmen Peredo, assessora da Federação Departamental Cochabambina de Irrigadores (Fedecor, na sigla em espanhol), uma das entidades participantes da Guerra da Água, em 2000, concorda. Para ela, a partir do dia 11, o governo Evo e seus apoiadores irão trabalhar mais fortalecidos no processo de transformações, inclusive com maior legitimidade para impulsionar o referendo sobre o novo texto constitucional, aprovado no fim de 2007. E a queda de Manfred seria fundamental para isso.
“Um dos representantes da embaixada estadunidense para se candidatar a presidente é precisamente Manfred Reyes Villa. Agora, a direita não terá candidato, porque estão divididos. Há um problema de liderança, porque Costas [Rubén Costas, governador de Santa Cruz] tampouco significa um novo líder para o ocidente. Pode ter alguma aceitação na meia-lua, mas não no resto do país”, diz.
Carmen, assim como Edilberto, Juan e Edgar, estão seguros de que Manfred cairá. Mesmo assim, os que desejam revogá-lo precisam enfrentar um importante desafio: convencer a população da zona urbana do departamento. Ao contrário do campo, onde o rechaço ao governador e o apoio a Evo é praticamente unânime, na cidade a situação está mais polarizada.
“Esse é um problema racial, sem dúvida. Nos impuseram uma espécie de paradigma, segundo o qual os únicos ´pensantes` são os que somos um pouco mais branquinhos, os que falamos mais refinadamente o espanhol. Por isso, Mandred representa um referente dessa imagem”, opina o integrante da Red Tinku.
- Igor Ojeda é Correspondente do Brasil de Fato em Cochabamba (Bolívia)
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