Obama contra a mediocridade
31/08/2008
- Opinión
O discurso de Barack Obama na Convenção do Partido Democrata, em 28 de agosto, traz novos elementos simbólicos para o cenário político. È claro que não se pode prever que o conteúdo de sua fala irá se traduzir em mudanças concretas, mesmo que chegue à Casa Branca. Também não podemos esquecer o poder econômico que controla os processos eleitorais capitalistas. Porém, a análise deste discurso pode contribuir com nossas reflexões sobre o papel de lideranças políticas na conscientização da sociedade.
Pela primeira vez desde o período da Guerra Fria, um candidato à presidência dos Estados Unidos (seja democrata ou republicano) não utiliza como arma central de campanha a ideologia do inimigo externo. Essa simbologia é extremamente significativa, pois foi utilizada para justificar a política externa de guerra que o país tem exercido durante muitas décadas.
Podemos citar a ocupação da Coréia, que marca a política do período pós-guerra em 1945, passando pelo apoio à sucessão de golpes militares na América Latina, iniciada em 1954 na Guatemala, a invasão da Baia dos Porcos em Cuba (1961), a Guerra no Vietnam (1964 a 1973), o golpe militar na Indonésia (1965), a invasão de Granada (1983), o bombardeio na Síria (1986), a invasão do Panamá (1989), a ocupação do Haiti (1994), a guerra na Somália (1994), a Guerra do Golfo (1991), até as invasões mais recentes do Afeganistão (2001) e Iraque (2003), só para citar alguns exemplos. Esta lista é na verdade bem maior e se traduz e milhões de pessoas mortas e feridas.
Portanto, é significativo que Barack Obama repita a frase de Martin Luther King, “Não podemos caminhar sozinhos”, e afirme que a segurança interna do país depende de uma transformação nas relações exteriores. Só o tempo dirá se essa frase vai se traduzir concretamente, pois há obstáculos objetivos, como a própria dependência econômica da indústria da guerra, além da ideologia conservadora que permanece no discurso do próprio Obama, principalmente quando o tema é a “segurança” de Israel.
Mas há outro ponto central no programa de governo apresentado durante seu primeiro discurso oficial como candidato. Obama propõe que os Estados Unidos deixem de depender do petróleo do Oriente Médio em um período de dez anos. Seria possível interpretar essa mensagem como uma mudança na estratégia militar do país, já que as intervenções dos Estados Unidos na região têm como principal objetivo o controle do petróleo.
Obama propõe que os Estados Unidos tornem-se auto-suficientes em produção de energia e promete investimentos em fontes alternativas, como solar, eólica e agrocombustíveis de segunda geração. Na mídia comercial brasileira, os comentários expressaram opiniões a partir da lógica de um modelo econômico baseado na exportação de commodities e produtos primários. De acordo com os interesses do agronegócio brasileiro, a eleição de um republicano nos Estados Unidos favoreceria a política voltada para o mercado externo.
Outras propostas apresentadas por Obama são garantir seguridade social (saúde e previdência) e educação (desde o ensino infantil até a universidade) para toda a população, aumentar os impostos de grandes empresas e diminuir os impostos dos trabalhadores. Simbolicamente, ele resgata a idéia do “sonho americano”, mas de uma forma diferente. Na concepção liberal, essa ideologia serve para estimular o individualismo e a mentalidade do “self-made man”, onde o que vale é a força de vontade pessoal, pois o sistema econômico é perfeito e não há desigualdade. Portanto, se você está desempregado, doente ou sem-teto, o problema é seu.
Em sua fala, Obama reconhece e, mais do que isso, enfatiza as desigualdades econômicas existentes no país e propõe um outro tipo de “sonho americano”, onde o Estado é responsável por prover condições de vida com dignidade. Lembrando sua infância em Chicago, Obama cita como “heróis” os operários desempregados. Ele defende também o pagamento igualitário de salários e oportunidades eqüitativas de trabalho para homens e mulheres. Ao terminar o discurso, Obama diz que essa eleição não é sobre ele, mas sobre a sociedade estadunidense.
Independente das condições objetivas, ou como se costuma dizer no Brasil, da “correlação de forças”, há uma mudança na pauta dessa campanha eleitoral. E essa talvez seja a principal contribuição de uma liderança política: transformar o discurso oficial em um processo de politização da opinião pública. Esse é um elemento essencial para aqueles que pretendem mudar a correlação de forças e não apenas sucumbir diante das estruturas de poder existentes.
As análises históricas e atuais da atuação do Partido Democrata nos Estados Unidos não trazem grandes perspectivas de mudanças. Porém, nesses tempos de eleições municipais e alianças para a próxima corrida presidencial no Brasil, o discurso de Barack Obama soa como uma brisa, pois foge da mediocridade e nos lembra que necessitamos de mais inteligência e utopia na política.
- Maria Luisa Mendonça é jornalista e coordenadora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
Pela primeira vez desde o período da Guerra Fria, um candidato à presidência dos Estados Unidos (seja democrata ou republicano) não utiliza como arma central de campanha a ideologia do inimigo externo. Essa simbologia é extremamente significativa, pois foi utilizada para justificar a política externa de guerra que o país tem exercido durante muitas décadas.
Podemos citar a ocupação da Coréia, que marca a política do período pós-guerra em 1945, passando pelo apoio à sucessão de golpes militares na América Latina, iniciada em 1954 na Guatemala, a invasão da Baia dos Porcos em Cuba (1961), a Guerra no Vietnam (1964 a 1973), o golpe militar na Indonésia (1965), a invasão de Granada (1983), o bombardeio na Síria (1986), a invasão do Panamá (1989), a ocupação do Haiti (1994), a guerra na Somália (1994), a Guerra do Golfo (1991), até as invasões mais recentes do Afeganistão (2001) e Iraque (2003), só para citar alguns exemplos. Esta lista é na verdade bem maior e se traduz e milhões de pessoas mortas e feridas.
Portanto, é significativo que Barack Obama repita a frase de Martin Luther King, “Não podemos caminhar sozinhos”, e afirme que a segurança interna do país depende de uma transformação nas relações exteriores. Só o tempo dirá se essa frase vai se traduzir concretamente, pois há obstáculos objetivos, como a própria dependência econômica da indústria da guerra, além da ideologia conservadora que permanece no discurso do próprio Obama, principalmente quando o tema é a “segurança” de Israel.
Mas há outro ponto central no programa de governo apresentado durante seu primeiro discurso oficial como candidato. Obama propõe que os Estados Unidos deixem de depender do petróleo do Oriente Médio em um período de dez anos. Seria possível interpretar essa mensagem como uma mudança na estratégia militar do país, já que as intervenções dos Estados Unidos na região têm como principal objetivo o controle do petróleo.
Obama propõe que os Estados Unidos tornem-se auto-suficientes em produção de energia e promete investimentos em fontes alternativas, como solar, eólica e agrocombustíveis de segunda geração. Na mídia comercial brasileira, os comentários expressaram opiniões a partir da lógica de um modelo econômico baseado na exportação de commodities e produtos primários. De acordo com os interesses do agronegócio brasileiro, a eleição de um republicano nos Estados Unidos favoreceria a política voltada para o mercado externo.
Outras propostas apresentadas por Obama são garantir seguridade social (saúde e previdência) e educação (desde o ensino infantil até a universidade) para toda a população, aumentar os impostos de grandes empresas e diminuir os impostos dos trabalhadores. Simbolicamente, ele resgata a idéia do “sonho americano”, mas de uma forma diferente. Na concepção liberal, essa ideologia serve para estimular o individualismo e a mentalidade do “self-made man”, onde o que vale é a força de vontade pessoal, pois o sistema econômico é perfeito e não há desigualdade. Portanto, se você está desempregado, doente ou sem-teto, o problema é seu.
Em sua fala, Obama reconhece e, mais do que isso, enfatiza as desigualdades econômicas existentes no país e propõe um outro tipo de “sonho americano”, onde o Estado é responsável por prover condições de vida com dignidade. Lembrando sua infância em Chicago, Obama cita como “heróis” os operários desempregados. Ele defende também o pagamento igualitário de salários e oportunidades eqüitativas de trabalho para homens e mulheres. Ao terminar o discurso, Obama diz que essa eleição não é sobre ele, mas sobre a sociedade estadunidense.
Independente das condições objetivas, ou como se costuma dizer no Brasil, da “correlação de forças”, há uma mudança na pauta dessa campanha eleitoral. E essa talvez seja a principal contribuição de uma liderança política: transformar o discurso oficial em um processo de politização da opinião pública. Esse é um elemento essencial para aqueles que pretendem mudar a correlação de forças e não apenas sucumbir diante das estruturas de poder existentes.
As análises históricas e atuais da atuação do Partido Democrata nos Estados Unidos não trazem grandes perspectivas de mudanças. Porém, nesses tempos de eleições municipais e alianças para a próxima corrida presidencial no Brasil, o discurso de Barack Obama soa como uma brisa, pois foge da mediocridade e nos lembra que necessitamos de mais inteligência e utopia na política.
- Maria Luisa Mendonça é jornalista e coordenadora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
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