Denunciam “violação” do acordo de Itaipu por parte do Brasil

21/05/2009
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Uma divergência entre Brasil e Paraguai na gestão de Itaipu evidencia a disparidade da relação entre as duas nações no controle da binacional e pode ser usada pelo país governado por Fernando Lugo para denunciar em tribunais internacionais um possível desrespeito ao tratado que rege a parceria de construção e gestão da hidrelétrica.

A negociação de ações da Eletrobrás, representante brasileira na empresa binacional, na Bolsa de Nova York, é um fato considerado grave por integrantes da chancelaria paraguaia, além de mostrar a relação que o Brasil mantém com o Paraguai quando o assunto é a soberania energética dos dois países.

Em 2006, a Eletrobrás informou ao conselho da Itaipu Binacional que passaria a negociar suas ações junto à Bolsa de Nova York. Nesse mesmo ano, solicitou registro junto à Securities and Exchange Commission (SEC, a comissão de valores mobiliários dos Estados Unidos). A obtenção do registro, em setembro de 2008, foi comemorada com um anúncio da empresa no jornal de economia Financial Times, ilustrado com uma foto da Usina de Itaipu, “a maior do mundo em geração de energia”. Segundo a diretoria brasileira de Itaipu, no mesmo anúncio, em página interna, há uma menção ao fato da hidrelétrica ser um empreendimento binacional. A mesma referência é feita na apresentação oficial da empresa enviada à bolsa de valores.

Tribunais internacionais

Como a Itaipu é binacional – tendo como representantes dos Estados a Eletrobrás e a ANDE (Administração Nacional de Energia, empresa pública paraguaia) –, os conselheiros paraguaios precisam aprovar balanços financeiros e orçamentos, que são encaminhados à Bolsa de Nova York. As empresas com ações negociadas na bolsa nova-iorquina precisam se adequar à Lei Sarbanes-Oxley, que exige, entre outras coisas, a transparência na divulgação do desempenho. Desde a posse de Fernando Lugo, porém, os conselheiros do país vizinho vêm aprovando os relatórios com ressalvas, modificando a relação que existia no governo anterior. Agora, o Paraguai reserva-se o direito de tomar medidas judiciais caso decida contestar a ação da Eletrobrás.

Segundo uma fonte do governo paraguaio ouvida pelo Brasil de Fato, o fato é considerado grave e pode ser usado como um trunfo na mesa de negociações caso o governo brasileiro insista na sua postura de não reconhecer a soberania paraguaia sobre a energia produzida em Itaipu. A avaliação dessa fonte é de que seria grande o desgaste para o Brasil se o assunto fosse parar em tribunais internacionais.

Para ela, o fato mostra a relação contraditória e assimétrica que o país hoje governado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva mantém com o Paraguai no manejo de Itaipu. A Eletrobrás não poderia estar apresentando, na bolsa de valores, um patrimônio que o Brasil compartilha com o Paraguai, mesmo que informe se tratar de um empreendimento binacional.

Violação do Tratado

A medida é considerada uma afronta à soberania paraguaia, que não seria aceita pelo governo brasileiro se ocorresse o inverso. Ao mesmo tempo, o Brasil exige transparência do outro lado, enquanto os negociadores do Paraguai não conseguem obter acesso aos documentos da dívida contraída pelo país quando da construção da usina. A decisão da venda das ações em Nova York  é considerada uma imposição ao governo paraguaio. Admitir essa negociação, diz a fonte ouvida pela reportagem, é como afirmar que Itaipu não pertence mais ao Paraguai.

O integrante do governo Lugo sustenta estar ocorrendo uma violação do Tratado de Itaipu, na medida em que o ato de negociar ações na bolsa, envolvendo o patrimônio da binacional, não é autorizado pelo acordo, sempre invocado pelo Brasil quando os paraguaios reivindicam a livre disponibilidade de energia.

Por outro lado, o patrimônio paraguaio sobre Itaipu poderia estar em risco: o país poderia ser responsabilizado por eventuais problemas ocorridos no jogo da bolsa, já que, na avaliação da fonte, os acionistas da empresa brasileira se tornariam credores do Estado paraguaio. Sem participar dos benefícios na negociação, o Paraguai entraria só com os riscos, uma vez que sua parte em Itaipu estaria servindo para valorizar as ações da Eletrobrás.

Avaliação

O presidente Fernando Lugo já foi informado da situação, porém, seu governo não tem nenhuma posição oficial a respeito. No limite, o Executivo do país poderia denunciar o Tratado de Itaipu, reivindicando sua revisão com base na Convenção de Viena, que regulamenta os tratados internacionais, e que em seu artigo 62 afirma que uma das partes pode se retirar de um acordo caso ocorra uma “mudança fundamental de circunstâncias”.

O engenheiro Ricardo Canese, integrante da equipe de negociação do governo paraguaio, confirma que o assunto está sendo analisado. “Estamos avaliando uma decisão que tomou o governo anterior. Se a conclusão for negativa, se implicar riscos, não vamos aceitar. Estamos numa etapa de estudo e avaliação”, afirma.

Canese lembra o fato de a Eletrobrás, que representa o Estado brasileiro em Itaipu, ter sido parcialmente privatizada. De acordo com a ata da assembléia de acionistas da Eletrobrás de agosto do ano passado, são investidores da empresa os fundos de investimento do Citibank, do HSBC, da Votorantim, além da BNDES Participações S.A e da Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (PREVI).

“Não quero emitir um juízo categórico, mas o governo paraguaio está preocupado, porque Itaipu tem que se adequar às normas da bolsa. Por quê? Nós não estamos negociando na bolsa, e sim a Eletrobrás. Por que tem que implicar Itaipu? Até que ponto a Eletrobrás é dona de Itaipu? O dono é o Estado brasileiro, e não Eletrobrás, que tem sócios privados”, afirma Canese.

- Daniel Casso é correspondente deBrasil de Fato  em Assunção (Paraguai)

http://www3.brasildefato.com.br/v01/agencia/internacional/paraguaios-denunciam-201cviolacao201d-do-acordo-de-itaipu-por-parte-do-brasil

https://www.alainet.org/es/node/133876
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