Da utopia à revolta, da indignação à revolução

16/03/2012
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Este início do século XXI será recordado como uma das épocas mais trágicas e belas da História da Humanidade.
 
Mas as actuais gerações, quando comentam os efeitos da a crise mundial que hoje atinge a quase totalidade dos povos e meditam sobre a onda de barbárie que varre o planeta, são empurradas para conclusões pessimistas. O que captam do tempo histórico em movimento é sobretudo o lado mais sombrio.
 
O homem realizou nas últimas décadas conquistas prodigiosas, inimagináveis em vida dos nossos avós. Já viajou até à Lua, lança sondas a planetas distantes milhões de quilómetros da Terra, sonha com a fundação de cidades terrestres no Espaço, rompe a cada dia as fronteiras do saber, prolongou a esperança de vida.
 
Foi entretanto breve o tempo das ilusões quando em l945 se calaram os canhões após o esmagamento da Alemanha nazi. A esperança de que a Humanidade iria entrar numa era de paz com as guerras banidas para sempre era utópica. Desde então morreram mais de 50 milhões de pessoas em guerras criminosas e em fomes cíclicas.
 
A desigualdade social aumentou, aprofundou-se o fosso entre os países desenvolvidos e os mais pobres. Meio milhar de multibilionários acumulou fortunas colossais, algumas (como as de Carlos Slim e Bill Gates) superiores a metade do PIB português. Gigantescas transnacionais impõem a sua vontade aos governos de Estados da África, da Ásia e da América Latina.
 
A violência assume hoje carácter endémico em amplas regiões do planeta. Um imperialismo colectivo hegemonizado pelos EUA promove agressões para se apossar dos recursos naturais de povos do antigo Terceiro Mundo. Isso aconteceu no Iraque, na Líbia, no Afeganistão.
 
Neste último país os EUA cometem crimes que trazem à memória os das SS hitlerianas.
 
A guerra afegã está perdida. No corpo de oficiais instalou-se uma mentalidade de matizes fascizantes. Mas o Presidente Obama promulga a lei de autorização da Segurança Nacional que permite a prisão de qualquer cidadão suspeito de contactos com «terroristas».
 
E a escalada da violência prossegue. O governo neofascista de Israel tenta arrastar o seu grande aliado para uma agressão ao Irão. Obama hesita. Mas apenas por estar consciente de que o envolvimento numa nova guerra na Ásia antes de Novembro poderia prejudicar decisivamente a sua reeleição.
 
Uma grande parte da humanidade, desinformada, não consegue desmontar os mecanismos da mentira.
 
Portugal
 
A crise, nascida nos EUA, é uma crise do capitalismo. Longe de estar superada, agrava-se porque é estrutural e não cíclica. Alastrou pelo mundo e, como era inevitável, contaminou a União Europeia. As receitas para a enfrentar são aqui diferentes das utilizadas nos Estados Unidos porque o dólar é ainda quase a moeda universal e o Banco Central Europeu não tem a possibilidade de emitir sem controlo biliões de euros numa estratégia financeira de combate à crise. Mas aqui, como do outro lado do Atlântico, o objectivo do poder foi acudir aos responsáveis e evitar a falência da grande banca e de gigantescas transnacionais. A factura dos crimes da Finança é cobrada às vítimas, isto é, aos trabalhadores.
 
País periférico, subdesenvolvido, semi colonizado, Portugal está há muito desgovernado por forças políticas que se submetem docilmente às medidas impostas pelo imperialismo e as aplaudem.
 
As sanguessugas do capital, actuando em nome da Comissão Europeia e do FMI, proclamam que o povo trabalhador deve sacrificar-se, apertar o cinto, cumprir todas as exigências da chamada troika para recuperar a confiança dos «mercados».
 
Um sistema mediático perverso e corrupto entra no jogo. Emite críticas irrelevantes ao funcionamento da engrenagem, simulando urna independência inexistente.
 
O coro dos epígonos, perante o avolumar da indignação dos trabalhadores, teme que ela assuma proporções torrenciais, e repete que felizmente somos um povo de «brandos costumes», diferente do grego, um povo que compreende a necessidade da «austeridade», consciente de que somente dela pode nascer a superação da crise.
 
Incutir um sentimento de fatalismo nas massas é objectivo permanente no massacre mediático. Arrogantes, os sacerdotes do capital proclamam que não há alternativa à sua política.
 
Que fazer?
 
É pelos caminhos da luta que ela pode ser encontrada.
 
É necessário combater com firmeza a alienação que atinge uma grande parcela da população. Combater a ideia falsa de que vivemos uma situação democrática, porque o regime parlamentar foi legitimado pelo voto popular é uma exigência histórica, tal como a desmontagem das campanhas que condenam as greves como anti-patrióticas e as manifestações de protesto como iniciativas românticas.
 
Ajudar milhões de portugueses a compreender como foi possível que 37 anos após uma Revolução tão bela e profunda como a de Abril de 74 o país, de tombo em tombo, voltasse a ser dominado pela classe que o oprimia na época do fascismo tornou-se uma tarefa revolucionária.
 
Como foi possível o refluxo? A relação de forças que permitiu as grandes conquistas revolucionarias durante os governos do general Vasco Gonçalves não se alterou de um dia para o outro.
 
A base social do Partido Socialista não deve ser confundida com a do PSD e do CDS. Mas ajudar a compreender que a direcção do PS, colectivamente, tem actuado conscientemente a serviço da direita é muito importante. Na quase glorificação de Sócrates no Congresso daquele partido, o PS projectou bem a sua imagem. O secretário-geral tinha conduzido o país à beira do abismo com a sua política neoliberal de vassalagem ao capital, mas foi ali aclamado como herói e salvador.
 
Renovaram-lhe a confiança e ele afundou mais o país. Depois ocorreu o esperado. O funcionamento dos mecanismos da ditadura da burguesia de fachada democrática colocou a aliança PSD-CDS de novo no governo.
 
Uma parcela ponderável do povo acreditou que votava por uma mudança. Na realidade, limitou-se a accionar o rodízio da alternância no governo de partidos que competem na tarefa de servirem os interesses do capital do qual são instrumentos submissos.
 
Hoje, cabe perguntar: como pode ter chegado a Primeiro-ministro uma criatura como Passos Coelho? As suas palavras e actos suscitam diariamente torrentes de comentários e interpretações dos analistas de serviço nos media. O homem é um ser de uma indigência mental tão transparente que até intelectuais da direita como Pacheco Pereira reconhecem o óbvio.
 
O povo acompanha, angustiado, as cenas da farsa dramática. Há dois anos que a sua resposta à política que está a destruir o país não pára de crescer. Mas é ainda muito insuficiente. As grandes manifestações de protesto e as greves (a geral e as sectoriais) somente podem abalar o sistema se a luta adquirir um carácter permanente e diversificado, nas fábricas, nos portos, nos transportes, nas escolas, na Administração, em múltiplos locais de trabalho, nas ruas.
 
E evidente que as condições subjectivas não são em Portugal as da Grécia cujos trabalhadores, caluniados, se batem hoje pela Humanidade.
 
Que fazer? - insisto.
 
O esforço do PCP na luta contra o imobilismo e a alienação como contribuição indispensável para o reforço da consciência de classe e o nível ideológico da classe trabalhadora assume hoje - repito - carácter de tarefa revolucionária.
 
A burguesia tudo faz para estimular o pessimismo. O governo e o patronato sabem que a convicção de que não há alternativa para a «austeridade», os favorece. Proclama que a luta de massas somente agravaria a crise.
 
A atitude positiva deve ser a oposta, a optimista, a que fortalece o espírito de luta. Não se combate o desemprego, a pobreza, a supressão de conquistas sociais, cedendo ao medo.
 
A luta do povo português é inseparável da luta de outros povos que mundo afora são, como o nosso, vítimas de politicas similares do imperialismo ou ainda mais cruéis e desumanas.
 
É útil desmascarar a monstruosidade das agressões a países da Ásia e da África e lembrar que nas condições mais adversas, os povos do Iraque, do Afeganistão, da Palestina, da Líbia, entre outros, resistem e se batem contra a barbárie imperialista.
 
É preciso lembrar que a luta dos povos é planetária. A nossa globalização não é a deles. Enquanto a maré desce em algumas zonas da Terra, sobe noutras.
 
É preciso lembrar que o povo cubano, hostilizado pela mais poderosa potência do mundo, alvo de uma guerra não declarada, defende há meio século a sua revolução com coragem espartana.
 
É preciso lembrar que na América Latina os povos da Venezuela bolivariana, da Bolívia e do Equador apontam ao Continente o caminho da luta contra o capitalismo predador com o apoio maciço dos trabalhadores e da massa dos excluídos.
 
É útil lembrar que foram as grandes revoluções que contribuíram decisivamente para o progresso da Humanidade.
 
A burguesia francesa apunhalou em 1792 a Revolução por ela concebida e dirigida. Uma lenda negra foi forjada para a satanizar e lhe colar a imagem de um tempo de horrores e violência. Mas, transcorridos mais de dois séculos, é impossível negar que a Revolução Francesa ficou a assinalar uma viragem maravilhosa na caminhada da Humanidade para o futuro. 
 
É preciso, é útil lembrar que o mesmo ocorreu com a Revolução Russa de Outubro de 1917. O imperialismo festejou como vitória memorável a reimplantação do capitalismo na pátria de Lenine. Mas não há calúnia nem falsificação da História que possa apagar a realidade: as grandes conquistas sociais dos trabalhadores europeus no século XX surgiram como herança indirecta da Revolução Russa, a mais progressista da História. Foi o medo do socialismo e do comunismo que forçou a burguesia na Europa a conformar-se com conquistas como a jornada de 8 horas, as férias pagas, o 13º salário que se tudo faz hoje, desaparecida a URSS, para suprimir.
 
Em Portugal é preciso e possível recusar o pessimismo, que leva a baixar os braços, à inércia, é indispensável reassumir a esperança que empurra para o combate e a vitória.
 
Em 1383 e em 1640, quando o país estava de rastos e tudo parecia afundar-se, o povo português desafiou o impossível aparente e venceu.
 
É preciso recordar que, após quase meio século de fascismo, o povo português foi sujeito de uma grande revolução que na Europa Ocidental realizou conquistas sociais mais profundas do que qualquer outra desde a Comuna de Paris.
 
Vivemos um tempo de pesadelo. No fluxo e refluxo da História, os opressores do povo estão novamente encastelados no poder. Mas é útil lembrar que as sementes de Abril sobreviveram à contra-revolução. E elas voltarão a germinar nos campos e nas cidades, lançadas pelos trabalhadores em marcha pelas grandes alamedas em lutas vitoriosas.
 
Transformar no quotidiano em realidade a palavra de ordem «a luta continua» é, mais do que um dever, uma exigência da História.
 
Vila Nova de Gaia, 15 de Março de 2012
 
 
https://www.alainet.org/es/node/156552
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