“Nosso norte é o sul”
20/06/2012
- Opinión
É o lema da Telesur, proposta venezuelana de uma televisão dirigida aos países latino-americanos de língua espanhola. De fato, enquanto as emissoras de televisão convencionais privilegiam o olhar das agências de notícias norte-americanas e o interesse dos senhores do mundo, a Telesur olha o mundo a partir do sul e da vida de nossos povos. Com essa mesma proposta, já nos anos 70, o pensador francês Roger Garaudy escreveu “O Ocidente é um acidente”, livro no qual ele propunha olhar o mundo e a história a partir das civilizações do Oriente e das culturas do Sul. Isso soa estranho para quem se habituou a celebrar o Natal em pleno verão com neve feita de algodão e a festejar ano novo no 1º de janeiro, em regiões nas quais o solstício do inverno acontece em junho. Não se trata só de uma mudança de visão cultural. Hoje, isso significa também uma transformação social e política: olhar o mundo a partir dos empobrecidos, reler a história não do ponto de vista oficial dos vencedores, mas da resistência das vítimas e elas são os povos indígenas, as comunidades afro-descendentes e os movimentos populares. Nessa linha, a cada ano, na noite de 24 de junho, na fortaleza de Sacsayahuamán, a dois quilômetros de Cuzco (Peru), os índios celebram o Inti Raymi, em quétchua, “festa do sol”. Em outros lugares da cordilheira, o ano novo andino é festejado durante essa semana. No Brasil, não se fala de ano novo em junho, mas em várias regiões do país, os festejos juninos são os mais importantes de todo o ano e, com suas fogueiras e danças, se constituem como uma espécie de recriação do mundo.
Nesses dias, as atenções de toda humanidade convergem para o Rio de Janeiro. Ali acontece a conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável (Rio 92+ 20) e a Cúpula dos Povos, evento que reúne as organizações civis e os movimentos populares em defesa do planeta Terra e da sustentabilidade. A conferência da ONU deveria anunciar ao mundo um novo acordo em defesa da sustentabilidade planetária. Entretanto, há meses, todos sabem que isso não vai acontecer. Apesar de estarem presentes no Rio mais de cem chefes de Estado, as soluções propostas serão vagas e frágeis. Infelizmente, cada vez mais os governos dependem das grandes corporações econômicas. Essas se opõem a qualquer tipo de acordo que contrarie seus interesses de lucros sem limites. A crise econômica que assola a Europa e os Estados Unidos deveria provocar a busca de alternativas diferentes ao atual modelo de desenvolvimento social e econômico. Entretanto, a elite dessa sociedade não aceita pensar outro caminho econômico, nem outro modo de lidar com a natureza. Por isso, os governantes dos países ricos não vêm à conferência da ONU e os funcionários por eles enviados não têm autoridade para engajar seus países em um novo pacto mundial de defesa da Terra, da água e do clima.
A esperança da humanidade se alimenta do encontro da sociedade civil internacional na chamada “Cúpula dos povos”. Nesse ciclo de diálogo, uma referência fundamental é justamente o bom viver indígena, (sumak kwasay ou sumak kamana), conceito que significa a plenitude da vida que todo ser humano busca na convivência uns com os outros e na comunhão com a natureza.
Quem crê em Deus sabe que o seu projeto é vida plena para todos. É essa vitória da vida sobre o desamor e a injustiça eco-social que buscamos como nova bússola. No lugar de apontar sempre para o norte, como fazem as bússolas convencionais, a esperança de uma nova comunhão com a terra, a água e todos os seres vivos nos orienta para o sul como horizonte de autonomia de nossos povos e se realiza a partir do projeto de integração de todo continente latino-americano.
Marcelo Barros é monge beneditino.
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