No Brasil, Lugo analisa o golpe e fala sobre os horizontes da política paraguaia

07/08/2012
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Em entrevista concedida à mídia alternativa brasileira nesta quinta-feira (2), em São Paulo, o ex-presidente paraguaio Fernando Lugo falou sobre diversos aspectos do golpe que o depôs, bem como do horizonte político de seu país. A omissão dos meios de comunicação frente à inconstitucionalidade do processo de impeachment “relâmpago” também foi lembrada por ele: “Nas manchetes da grande mídia, parece que nada aconteceu”.
 
Em quase três horas de entrevista, por vezes até em tom de desabafo, Lugo fez uma análise bastante crítica do golpe e avaliou as chances de revertê-lo. “Na política paraguaia, tudo é possivel. O que é hoje, não será mais amanhã”, diz. “Apresentamos dois recursos de inconstitucionalidade na Corte Suprema Federal: um sobre o processo em si e outro sobre a impossibilidade de defesa. Já se passou um mês e o Senado ainda nem sequer delibrou sobre o por que de minha destituição”.
 
Segundo Lugo, quando a Suprema Corte disser que o chamado “juízo político” é nulo, ele volta à presidência no mesmo dia. “Até agora, a Suprema Corte tem rechaçado nossos pedidos, porque o Parlamento ameaçou de submetê-los, também, a um juízo político – o que eu considero chantagem”, afirmou. O retorno ao cargo depende de diversos acordos e pactos políticos e, embora seja possível, a conjuntura é bastante difícil. “Eu acredito muito em Deus e em milagres, mas não neste”, brinca.
 
Os diversos rostos do golpe
 
Ainda sobre o golpe, Lugo avalia que o silêncio da mídia, o narcotráfico e principalmente as multinacionais do agronegócio atuaram como sustentáculos de sua deposição. “O golpe tem diversos rostos ocultos. A classe política paraguaia, às vezes, atua de braços dados com poderes paralelos, pois são eles que financiam as campanhas e os partidos”, dispara. Ele lembra que seu governo diminuiu significativamente o tráfico de drogas no país, além de ter grande articulação com os movimentos sociais. “A direita me acusava de me reunir mais com os sem-terra do que com eles”.
 

Nilton Viana (editor-chefe do Brasil de Fato), Fernando Lugo e

Renata Mielli (Barão de Itararé). Foto: Felipe Bianchi

 
Em relação ao seu governo, Lugo afirma que não tomou nenhuma medida "socialista”. “Aceitamos as regras do jogo. Tínhamos boas relações com os organismos internacionais e apresentávamos indicadores que eles gostam de ver, como crescimento da economia, controle da inflação e multiplicação das reservas internacionais. Mas havia um perigo: a continuidade do processo de mudanças no país. Isso incomodava bastante. Estávamos bem economicamente, mas politicamente tínhamos forte articulação com grupos sociais”, avalia.
 
De acordo com Lugo, “as quatro primeiras medidas econômicas do novo governo nos fazem pensar na ingerência desses poderes na política do país”. Um dos maiores importadores de soja do mundo, o novo governo do Paraguai já declarou o fim dos impostos à exportação. A segunda medida diz respeito ao cultivo de sementes transgênicas no país, sendo que o governo deposto havia implantado um projeto de recuperação de sementes nativas – não só da soja, mas também de milho e algodão, argumenta.
 
Além disso, o governo de Federico Franco anunciou que reconhecerá uma dívida que, segundo Lugo, o Paraguai nunca contraiu: um empréstimo de 80 milhões de dólares feito a um banco suíço durante o período da ditadura de Stroessner, mas que cujo montante nunca chegou. A quarta medida, por fim, consiste na negociação da instalação da empresa Rio Tinto no país. “Como é possível quererem produzir alumínio no Paraguai se a matéria-prima e o mercado estão no Brasil? A resposta é que estão negociando o preço da energia sem reajuste por 30 anos, representando uma perda nos cofres públicos estimada em 14 bilhões de dólares”.
 
O horizonte político
 
Lugo destacou seu papel de articulador da esquerda paraguaia, que “vive seu melhor momento na história”. A Frente Guasú, que reúne 12 partidos políticos e oito movimentos sociais, é a aposta para restaurar a democracia no país. “Há muita pluralidade na Frente, por isso não está nada definido para as eleições de abril do ano que vem”. Com a possibilidade de se candidatar ao Senado, já que não cumpriu cinco anos de mandato, Lugo afirma: “Estamos discutindo o que é mais conveniente, mas se for útil ao reestabelecimento da democracia, sou um soldado”.
 
Ainda que a disputa eleitoral seja bastante difícil, Lugo acredita que, “mais do que nunca”, a próxima eleição verá uma esquerda renovada e uma direita carente de reciclagem. “A sociedade está polarizada. Os candidatos da direita podem ter a propaganda, o financiamento e os meios de comunicação, mas não têm apoio popular, não têm militantes, como a esquerda. Tem apenas clientes políticos e eleitorais”, opina.
 
Para Lugo, a direita paraguaia passa da euforia à depressão rapidamente. “Eles acreditavam que seria muito mais simples executar o golpe, pois achavam que a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) não reagiria e que a comunidade internacional aceitaria”, diz, acrescentando que “quando Franco foi perguntado sobre quantos presidentes ligaram para felicitá-lo, ele respondeu: ‘nenhum’. É um completo isolamento político”.
 
O papel da mídia
 
A questão da comunicação também foi abordada pelo presidente deposto. Segundo ele, a omissão dos grandes meios de comunicação em reconhecer a ruptura da ordem democrática foi um dos sustentáculos do golpe. “Não me surpreende, no entanto, já que estes meios têm objetivos puramente comerciais”, afirma.
 
A TV Pública Paraguay, criada por Fernando Lugo, tem sido alvo de censura e intimidação por parte do novo governo. Há falsas acusações de salários exorbitantes, além de demissões e uma “campanha de desprestígio”. “Franco denunciou que alguns funcionários recebiam 15 mil dólares, quando na verdade eram 15 milhões de guaranis paraguaios (o equivalente a cerca de U$S3,378)”, afirma.
 
O ex-presidente citou os exemplos do Equador e da Argentina no enfrentamento ao monopólio da grande mídia no continente. “Por onde passa a democratização da comunicação? Se não a democratização, ao menos um são equilíbrio nos meios? Os dois países tem respondido muito bem essa questão, com Correa e Cristina”.
 
O governo argentino aprovou a Ley de Medios, que proíbe o monopólio e fomenta a comunicação pública e comunitária, e o governo equatoriano se dedica a aprovar regulamentação, além de ter anunciado que suspenderá o financiamento público a meios privados. “Em países como o Paraguai, os meios sempre foram um estamento de poder, seja em tempos de ditadura ou democracia. É muito difícil romper com essa estrutura”.
 
 
 
 
 
 
https://www.alainet.org/es/node/160112
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