Urgente, falta uma ponte entre o apelo e a rua
09/02/2015
- Opinión
Soa angustiante a dissociação entre o gesto e o seu efeito.
Entre o apelo e o desdobramento.
Entre o alerta do abismo e a impotência para deter o comboio.
De novo, no evento dos 35 anos do PT, lideranças do partido, entre elas a do ex-presidente Lula, expuseram diagnósticos corretos sobre a ofensiva conservadora no país, denunciaram o golpe dissimulado, como de hábito, faxina moralizante; conclamaram o partido a sacudir a letargia, ir às ruas, lutar, resistir.
Porém... nada se move.
Entre o apelo e o desdobramento.
Entre o alerta do abismo e a impotência para deter o comboio.
De novo, no evento dos 35 anos do PT, lideranças do partido, entre elas a do ex-presidente Lula, expuseram diagnósticos corretos sobre a ofensiva conservadora no país, denunciaram o golpe dissimulado, como de hábito, faxina moralizante; conclamaram o partido a sacudir a letargia, ir às ruas, lutar, resistir.
Porém... nada se move.
De novo Lula, Rui Falcão, Tarso Genro e outros falarão em novas oportunidades; com já fizeram em ocasiões anteriores repetirão os mesmos diagnósticos corretos de um golpe dissimulado em marcha, e evocarão as ruas..
Porém... nada se move.
Assim sucessivamente.
O anticlímax, para estreitar bastante a abrangência do retrospecto, teve um sinal de alarme na campanha de 2014.
Em diferentes momentos, então, mas sobretudo após a morte traumática do candidato do PSB, Eduardo Campos, em 13 de agosto, a candidatura progressista esteve emparedada pela bateria conservadora, a ponto de muitos darem o jogo como encerrado e perdido.
No final de agosto esse conjunto formava um aluvião anti-Dilma.
Porém, nada se movia.
Nenhuma reação.
Era tão denso o horizonte da derrota que expoentes do colunismo conservador ejaculavam precocemente divagações acerca do ‘pós-lulopetismo’.
A candidata Marina Silva chegou a abrir 10 pontos de vantagem nas enquetes sobre um hipotético 2º turno, no qual o Datafolha dava como certa a sua presença.
Era uma dessas ladeiras de um sonho turbulento em que nada parece deter a aceleração em plano inclinado rumo ao muro de pedra.
Em cinco de setembro, em meio ao clima de colisão com as urnas, uma reunião de avaliação da campanha assistiu à intervenção de um Lula endiabrado.
As reservas instintivas do retirante nordestino que saiu da seca para ocupar a presidência do país por duas vezes mobilizaram-se em seu organismo, à falta de outras formas de mobilização.
Desse arcabouço histórico/metabólico brotou um diagnóstico que sacudiu os brios de um comitê de campanha do PT e da militância, até então atônitos com a aproximação veloz do desastre.
Em duas frases, Lula esquadrejou a areia movediça ao redor, identificou um pedaço de chão firme e instalou uma alavanca para a reação bem sucedida: ‘Nós ficamos economicistas; não nos faltam obras, mas política’, disparou para prescrever o antídoto: ‘Temos que demarcar o campo de classe dessa disputa: é preciso levar a política à propaganda’.
A partir de então a essência radicalmente neoliberal embutida nas candidaturas de Marina Silva e Aécio passou a ser floculada do espumoso caudal dissimulado em ‘renovação’, ‘ética’ e ‘mudança’ .
O extrato obtido foi exposto à luz do sol. A sonolenta publicidade de sabonete do horário eleitoral ganhou uma narrativa pedagógica, determinada a tipificar um a um os riscos e alvos da agenda conservadora.
Na mesma chave narrativa, a Presidenta Dilma passou a dar nomes aos bois em debates, no rádio e na presença diária na TV.
Ponto número 1: Dilma falava diariamente com o país.
Ponto número 2: confrontava projetos.
Ponto número 3: discutia flancos ainda por enfrentar.
Ponto número 3: zelava pelo passado sem abstrair as lacunas enormes do muito que o Brasil ainda deve aos brasileiros.
Ponto número 5: não o fez, mas se tivesse incorporado à discussão os ajustes necessários à reordenação de um novo ciclo baseado no investimento e no controle da inflação, o eleitor provavelmente entenderia –desde que ...
Ponto número 6: ... desde que isso se fizesse acompanhar de salvaguardas, prazos e contrapartidas, ademais da determinação de dar à sociedade meios e estruturas para vigiar e assegurar a travessia segura rumo a um novo estirão de crescimento com justiça social.
O fato é que no breve interregno entre cinco de setembro quando Lula explodiu sua indignação e a vitória final em 26 de outubro, o PT e o governo fizeram o que nunca haviam feito e, incompreensivelmente, não voltaram a fazer ainda.
O quê?
Estabeleceram um canal de conversa indispensável com a população sobre um tema de interesse geral: o Brasil. A vida de sua gente, seus trunfos e desafios –hoje, ontem e amanhã.
Fez-se ali um ensaio de repactuação da confiança mútua, sintonizada no compartilhamento de compromissos e urgências.
Assistiu-se a um ensaio bem sucedido disso que Lula agora sugere que o PT faça.
Um manifesto de uma repactuação política do partido com a nação.
Carta Maior viu naquele jorro de desassombro da campanha de 2014 um ponto de ruptura com o abismo há muito temido.
‘A ficha caiu’, saudou-se.
No final de setembro, quando a vitória já não era mais um sonho de vento , seria a vez da própria candidata Dilma reforçar essa impressão.
Em entrevista a um grupo de blogueiros, ‘sujos, ideológicos, governistas’, como a eles se refere o colunismo isento, a candidata explicitou o divisor que marcaria o seu segundo mandato:
‘Terei um embate (político) mais sistemático; não serei mais tão bem comportada; me levaram para um outro caminho, que não era o que eu queria’, disse então Dilma em testemunho sincero.
Menos de cinco meses depois, onde foi que tudo se perdeu?
Perdeu-se a ponto de retroagir à pasmaceira anterior ao cinco de setembro de Lula, com o radical agravante de que Dilma agora ocupa a presidência da nação, de onde o conservadorismo fala abertamente em retirá-la.
E não só fala: toma providências explícitas para isso.
Uma parte da recaída se deve à inércia traiçoeira de uma fórmula de governo que se esgotou, sem que se tenha colocado nada em seu lugar.
Como não existe vácuo em política, Eduardo Cunha se habilitou em ocupar um pedaço do vazio.
Outros farão o mesmo. Moro é o Eduardo Cunha com crachá da Polícia Federal.
E assim por diante.
Em três mandatos presidenciais sucessivos predominou a determinação petista de restringir o confronto direto com os interesses conservadores na faixa de segurança permitida por uma correlação de forças adversa.
Mas a margem de manobra se esgotou
Em velocidade e intensidade proporcional à contração do PIB e à pressão da crise mundial, definitivamente acampada no Brasil.
O que antes parecia uma contingência administrável, ainda que a um custo político cada vez mais desgastante, acentua os contornos de um esgotamento de ciclo.
O conjunto aguça o desgaste intrínseco à tarefa de administrar o capitalismo ainda sem poder transforma-lo efetivamente.
A esquerda não pode cometer o simplismo de atribuir exclusivamente a Dilma a origem do incêndio, apegando-se ao fato de ela não saber como controla-lo.
A atonia de Brasília funde duas coisas.
Revela a cota da responsabilidade do governo no agravamento da crise.
Ao mesmo tempo reflete a dureza da encruzilhada que o Brasil tem pela frente.
Não fosse assim, por que então nada se move mesmo, depois que Lula, Falcão, Tarso e outros se desdobram em evocações pela resistência?
O buraco negro conservador diuturnamente suga, reprocessa e regurgita o imobilismo progressista intoxicando corações e mentes com a tese desinteressadamente propalada por Serra: ‘Dilma não chegará ao final do mandato’.
O Datafolha é o monitor de controle desse mutirão O relatório deste domingo avisa ao comando central: ‘estamos indo bem’.
Sem dúvida: o vácuo de liderança e de agenda para enfrentar Moro, Gandra e FHC, se alarga.
A letargia organizativa, ideológica e programática desagua na angustiante desconexão entre o apelo e a resposta.
Entre o gesto e o efeito.
Pior que tudo.
A desconexão imobilizante revelou um punhal de aço cravado contra as próprias costas.
O campo progressista não tem canais de comunicação para uma urgente repactuação do futuro com a sociedade.
Hoje, nada se faz sem a mediação tóxica da emissão conservadora.
Quando Lula diz ‘temos que voltar às bases, o PT se tornou um partido de gabinetes’, o que se veicula é a derrisão, não a gravidade da autocrítica abraçada pelo maior líder progressista do país.
Como é possível que um partido formado por franjas de toda a esquerda, quadros de alta qualidade e distintas filiações, tenha cogitado construir um Estado de Bem-estar social tardio, na oitava maior economia do mundo –na era da livre mobilidade dos capitais chantageadores-- sem dispor de canais pluralistas de comunicação?
Ou seja, sem espaço para afrontar o interdito neoliberal de Margareth Tatcher: ‘Não há alternativa’.
Não apenas isso, mas o que virá ‘será doloroso’, sapateava o editorial do Financial Times, antes das eleições, em que apregoava a inevitabilidade de um conjunto de medidas ortodoxas, ‘ganhe quem ganhar a eleição’.
Nua e cruamente, o diário londrino estava dizendo que o ciclo político não comanda mais o ciclo econômico.
A menos que se reorganize para isso, tem clamado Lula e outros.
Sem uma repactuação política desassombrada, sobra a receita crua do ajuste ortodoxo que, de tão postiça, teve que ser terceirizada por Dilma a um centurião de confiança do mercado.
A tese do ‘estelionato eleitoral’ de Dilma abstrai esses pequenos detalhes, ademais da asfixia policial ao redor da Petrobras, ( que arrasta sozinha 13% do PIB), a queda de 50% nas cotações do barril de óleo e a maior seca já vivida no país em 80 anos.
Uma tempestade perfeita estacionou nos céus de Brasília.
Por onde começar?
‘Temos a oportunidade histórica de elaborar um novo Manifesto do PT. Isso exige humildade e coragem’, disse-o bem Lula na última sexta-feira.
Falta agora o principal: correr riscos.
Adicionar ao enunciado a agenda capaz de erguer a ponte entre o apelo e a resposta.
Ou seja, definir aquilo que, efetivamente, ofereça uma razão forte, crível, palpável para a letargia deixar o sofá do descrédito e ir às as ruas, voltar às bases, cobrar, debater e pactuar o passo seguinte do desenvolvimento brasileiro.
Se o PT, a esquerda em geral, os movimento sociais e o campo progressista não se entenderem a tempo de definir uma agenda comum –e não há tanto tempo assim, avisa o Datafolha-- o juiz Moro o fará por eles.
Dando uma razão conservadora suficientemente catártica para acelerar o passo de ganso da marcha regressiva em curso no Brasil.
As graves denúncias de Paulo Henrique Amorim (assista: http://www.conversaafiada.com.br/tv-afiada/2015/02/06/os-dias-e-as-noites-na-guantanamo-do-dr-moro/ ) sobre as condições em que estão sendo extraídas as ‘delações premiadas’ da Lava Jato, bem como o parecer ’Gandra/FHC’ e a invasão da residência do tesoureiro do PT –antes de convoca-lo a depor-- indicam uma determinação muito clara: ir além do estado de direito.
08/02/2015
https://www.alainet.org/es/node/167430?language=es
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