A importância da Convenção de Ramsar no combate às mudanças do clima e na defesa da vida

09/02/2015
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APA da Lagoa Verde, em Rio Grande/RS, Brasil (foto: Sandro Miranda)
 
No último dia 02 de fevereiro foi comemorado o Dia Mundial das Zonas Úmidas, em homenagem Convenção das Nações Unidas assinada na cidade iraniana de Ramsar, no mesmo dia, em 1971.  Conforme destacam os “Considerandos” da própria Convenção, a referida norma considerou a importância as funções ecológicas destas áreas “enquanto reguladoras dos regimes de água e enquanto habitats de uma flora e fauna características, especialmente de aves aquáticas”.
 
Compõe o relevante acervo de zonas úmidas os banhados, marismas, campos de dunas, pantanais, manguezais, pântanos, várzeas, estuários, recifes de corais, dentre outras, que sustentam a sobrevivência de milhões de espécies e de comunidades tradicionais.
 
Embora possuam um significativo valor econômico, cultural e científico, as zonas úmidas vêm sofrendo diuturnamente com o crescimento desregrado das cidades, com a poluição, as monoculturas agrícolas, os aterramentos, os desmatamentos e com a introdução de espécies invasoras.
 
Alguns exemplos são gritantes, como o aterramento de manguezais nos centros urbanos brasileiros para o avanço da indústria da construção civil, especialmente em São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Pernambuco, ou para a carcinicultura em escala no Nordeste, situação esta que resultou até na publicação de uma resolução específica, para tratar do tema, do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA.
 
Os manguezais funcionam como bacias de captação das águas estuarinas, absorvem o impacto da impermeabilização do solo urbano, filtram boa parte do carbono e da matéria orgânica encontrada nos rios, lagos e águas marinhas, alimentam aves, são criatórios naturais de peixes, crustáceos e moluscos, e servem de fonte de renda e alimento para milhares de famílias que habitam no entorno das referidas áreas.
 
Situação idêntica pode ser observada nas áreas úmidas de Belém e de Manaus, nos banhados e marismas do pampa sulino e, até mesmo, no Pantanal Mato-grossense. Este último, verdadeiro patrimônio da humanidade, está ameaçado pela expansão agropecuária, da monocultura soja, e da atividade que mais impacta nas mudanças climáticas no Brasil, que é a pecuária extensiva. Os ciclos contínuos de seca e de redução do espaço ocupado pelo Pantanal, cujo território avança sobre o Paraguai e Bolívia, já permitem especulações sobre o futuro desaparecimento das comunidades pantaneiras.
 
Outra situação preocupante é a do “Everglades National Park”, que ocupa 6.105 Km² do Estado da Flórida, nos Estados Unidos, e que está sofrendo com a invasão de pítons reticulados birmaneses e de pítons rochosos africanas. São dois predadores agressivos e gigantescos, ambos com mais de 6 metros de tamanho, e que foram introduzidos numa região onde não possuem nenhum predador natural na cadeia alimentar, o que resulta num imenso desequilíbrio ecológico.
 
Dezenas de espécies da fauna nativa, como cervos de cauda branca e crocodilos com 1,83 metros de comprimento, além de pássaros, foram encontrados no aparelho digestivo de pítons birmaneses nos Everglades, mas o que mais assusta os pesquisadores é a reprodução continua destas espécies introduzidas, que chegam a chocar mais de 100 ovos apenas numa ninhada.
 
Tais condições demonstram a perfeita adaptação dessas espécies ao novo ecossistema, e permitem uma projeção de crescimento sem controle em progressão geométrica. Há também o risco do nascimento de híbridos, o que resultaria num problema ainda maior para os gestores do referido Parque Nacional norte-americano.
 
Além do caso do Everglades, existem outros exemplos de ameaça a zonas úmidas em regiões da África, da América Latina e da Ásia pela introdução de espécies arbóreas exóticas de fácil reprodução, notadamente do pinus, o que resulta no desequilíbrio do consumo de água, prejudicando a capacidade de reprodução dos ecossistemas locais.
 
Em todos os casos, os resultados são fruto do desenvolvimento de atividades econômicas realizadas sem as devidas cautelas, e sem a observância do princípio da precaução. O exemplo do Everglades é extremamente relevante, pois é absolutamente irracional introduzir fazendas com um predador gigantesco, como é o caso do píton reticulada birmanesa, numa região famosa pela intensidade dos furacões, prejudicando o controle de “acidentes ambientais”.
 
A combinação da falta de controle governamental e das condições naturais próprias da Flórida está resultando num verdadeiro desastre ambiental. Mas, de acordo com o U. S. Fish & Wildlife Service, este não é o principal das Zonas Úmidas estadunidenses. De acordo com o referido órgão, a maior causa do desaparecimento das zonas úmidas nos EUA ainda são a silvicultura e a indústria madeireira, que drenaram 42% dos pântanos daquele país, resultando num impacto ambiental negativo gigantesco.
 
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, estima-se que, desde o início do século XX, 64% das zonas úmidas de todo o planeta já desapareceram. Tais índices são bem superiores na Ásia, onde há um elevado crescimento da urbanização e da produção de arroz, alimento que representa 20% do aporte nutricional global, e concentra a sua produção em terrenos inundáveis e alagadiços.
 
Por outro lado, é inegável que as áreas úmidas continentais perdem espaço mais rapidamente do que as costeiras, mas ha uma tendência geral que afeta os dois grupos de ecossistemas.
 
Além da perda de biodiversidade e da falência econômica de comunidades extrativistas e pesqueiras artesanais, com a queda crescente na reprodução de espécies de peixes, crustáceos e moluscos, outro efeito evidente desse processo de degradação das áreas úmidas é observado nas crises hídricas, com o aumento do assoreamento e poluição dos recursos hídricos.
 
Bilhões de pessoas em todo o planeta, inclusive na Ásia e na Europa, dependem dos aquíferos originados em zonas úmidas continentais como fonte de abastecimento de água. A vegetação típica destes complexos ambientais também é responsável pela absorção de fertilizantes, pesticidas, metais pesados e substâncias tóxicas, trabalho este que é desenvolvido tanto pelos manguezais da costa brasileira, como pelos aguapés amazônicos, como pelo poderoso pântano de Nakivubo, em Kampala, Uganda.
 
Estimativas científicas, de acordo com dados obtidos em documentos sobre o tema produzidos pelo Ministério do Meio Ambiente, indicam que o trabalho de Nakivubo substitui uma estação de tratamento de esgoto, cuja manutenção custaria mais de dois milhões de dólares anualmente, num país com elevado índice de pobreza.
 
Mas se as zonas úmidas são fonte de vida, a sua destruição, ao contrário, pode transformá-las em fonte de emissão de gases estufa. As turfeiras, que formam a base do solo de vários destes complexos ambientais, como os banhados dos pampas brasileiros e uruguaios, ocupam 3% da superfície continental e respondem por 30% do estoque de carbono do Planeta. Tais terrenos, quando queimados ou drenados, contribuem com elevada emissão de CO2, correspondendo a 10% do índice anual deste gás lançado na atmosfera pelo consumo de combustíveis fósseis.
 
Assim, se originalmente as zonas úmidas contribuem para o abastecimento de água, para a reprodução de espécies, e para o combate à poluição, a sua destruição cria um movimento em sentido contrário, que contribui para o aquecimento da temperatura da Terra e para as mudanças climáticas.
 
Aliás, numa dialética dramática, ao mesmo tempo em que o aquecimento global e elevação volume dos Oceanos são fatores determinantes no desaparecimento de importantes elementos da biodiversidade como os manguezais e pântanos costeiros, o desaparecimento destas áreas resulta na elevação das emissões de carbono armazenado na turfa e na menor absorção de gases estufa e outros agentes poluentes pela vegetação típica.
 
Não é por acaso, portanto, que muitas espécies de anfíbios, habitantes característicos de zonas úmidas, são figuras com presença constante na lista das ameaçadas de extinção. No mesmo caminho segue outra vítima silenciosa desse processo: os recifes de coral, principal espaço de reprodução e alimentação de milhares de espécies marinhas, e um dos maiores acervos de biodiversidade do Planeta.
 
É por este motivo que a tomada de posição internacional sobre o tema é uma medida cada vez mais urgente. O fato de 2015, ano da COP 12, em Punta del Leste, no Uruguai, em junho deste ano, ser considerado como Ano Internacional de Defesa das Zonas Úmidas representa um passo importante, especialmente na consolidação e retomada do debate formalizado em Ramsar.
 
Defender as zonas úmidas é muito mais do que proteger a vida de milhões de espécies, muitas das quais ainda desconhecidas pela ciência, e a sobrevivência econômica de comunidades tradicionais. Trata-se de uma medida essencial para a proteção de mananciais hídricos e para o combate às mudanças climáticas, dois fatores que se não observados adequadamente podem resultar numa extinção em massa de espécies, inclusive comprometendo o futuro da própria humanidade.
 
  Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, mestre em ciências sociais
 
https://www.alainet.org/es/node/167438
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