Quem acredita na força dos grandes bancos?

19/02/2016
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Nas primeiras seis semanas de 2016, as Bolsas do mundo tiveram o pior desempenho de um início de ano de todos os tempos: nem na Grande Depressão foi tão ruim. Evaporaram-se 6 trilhões de dólares em valor de mercado, mais que o dobro de toda a riqueza nacional do Brasil. Por quê? 

 

Nos mais benignos dos casos, as bolsas caem simplesmente por terem subido demais. Isso pode ter acontecido, como mostra a alta da Alphabet (holding controladora do Google), cujo valor de mercado chegou, em 2 de fevereiro, a 535 bilhões de dólares.

 

Por mais que a relação entre lucro e produção no capitalismo seja muito indireta, é difícil aceitar que o valor do buscador seja comparável à riqueza nacional de um país como o Chile ou a União dos Emirados Árabes, mesmo se a empresa possui também o YouTube e o sistema Android.

 

Há sinais, porém, de que desta vez pode ser um prenúncio de que a fragilidade estrutural do sistema financeiro revelada em 2008 voltou a se manifestar, com o risco de mais um impacto devastador na economia real. O sintoma mais notável foi em 8 de fevereiro, quando Simon Adamson, analista de Nova York, pôs em dúvida a capacidade do Deutsche Bank de pagar uma parcela de 392 milhões de dólares, devida em abril, de sua dívida de 2 bilhões em obrigações conversíveis (CoCo, contingent convertible bonds).

 

O banco, por meio do copresidente-executivo John Cryan, assegurou com visível ansiedade sua capacidade de fazer frente ao vencimento e o próprio ministro da Fazenda, Wolfgang Schäuble, garantiu “não ter receios” sobre a instituição. E mesmo assim o mercado duvidou.

 

Além de ser o quarto banco do continente e o maior da Alemanha, hoje a nação financeiramente mais poderosa da Europa, trata-se do maior operador de câmbio do mundo.

 

Foi um dos protagonistas do escândalo do subprime, ao empurrar a investidores títulos dos quais seus executivos zombavam em memorandos internos e sabiam estarem destinados a virar pó, como também do escândalo da manipulação da taxa Libor de 2006 a 2012, pelo qual pagou uma multa de 2,5 bilhões de dólares em 2015.

 

Escondeu 12 bilhões de dólares em perdas com a crise de 2008 para evitar a intervenção do governo alemão, mas beneficiou-se de 11,8 bilhões do resgate da seguradora AIG e da aceitação pelo Fed de 290 bilhões em garantias hipotecárias duvidosas para recursos de curto prazo.

 

Tudo isso foi insuficiente para garantir sua solidez aos olhos do mercado financeiro. Suas ações valiam 32 euros em agosto e sofreram a partir de outubro, quando o banco anunciou um inesperado prejuízo de 7 bilhões de dólares no terceiro trimestre (ante uma expectativa de lucro de 1,1 bilhão), devido à venda de investimentos deficitários, aumento de requisitos de capital e processos judiciais.

 

Em 30 de dezembro, haviam caído para 22,69 euros e, na sexta-feira 5, para 15,20. Na segunda-feira, despencaram 9,5% e continuaram em queda no dia seguinte, fechando em 13,20, a cotação mais baixa de sua história. Barclays, BNP Paribas e Unicredit caíram 5% no mesmo dia e os bancos gregos, cerca de 30%.

 

O tropeço do Deutsche Bank arrastou consigo grande parte do sistema bancário internacional. O índice FX7, dos bancos da Zona do Euro, estava em 226 em julho de 2015 e 183 em 31 de dezembro, caiu para 133 em 9 de fevereiro, uma queda de 27% em menos de seis semanas. Pior do que na crise de 2008, quando a queda em período comparável foi de 17%.

 

Os mais afetados são, previsivelmente, as combalidas instituições gregas, que tiveram quedas de 54% a 68% Mas os bancos italianos, com contabilidade e créditos de qualidade particularmente duvidosa entre os dos maiores países desenvolvidos, também foram duramente atingidos. Desde o início do ano, as ações do Unicredit, maior banco italiano, caíram 41%. Arrastada pelo setor financeiro, a Bolsa de Milão teve um dos piores desempenhos na Europa, uma queda de 25% desde o início do ano.

 

Fora da Zona do Euro, desabou para 13 francos a ação do Credit Suisse, segundo banco suíço, que valia 21,69 francos no fim do ano passado e fora impactada na quinta-feira 4 pela publicação de um prejuízo de 5,8 bilhões no quarto trimestre. A ação do britânico Standard Chartered, quinto maior de seu país, valia mais de 10 libras em meados do ano passado, 5,63 no fim de dezembro e caiu para 4,03. Também os grandes bancos dos EUA e do Japão tiveram quedas acentuadas e puxaram para baixo o desempenho de todo o mercado de ações.

 

No fim de 2015, ações de bancos foram recomendadas aos investidores pela expectativa de alta dos juros, da inflação e do crescimento nos países ricos. Mas outros fatores prevaleceram. Fala-se da desaceleração da China e da queda do preço do petróleo e de minérios. De fato, os grandes bancos europeus têm mais de 100 bilhões de euros emprestados a empresas de petróleo e energia. Deutsche Bank, Credit Suisse, UBS e Standard Chartered estão entre os maiores credores do setor e isso os faz vulneráveis a suas eventuais inadimplências. Problemas análogos podem vir de financiamentos a projetos de mineração, ou de empreendimentos voltados para o mercado chinês.

 

O grande nó continua a ser, porém, a própria banca europeia. Prejuízos como os do Deutsche Bank e do Credit Suisse são o reconhecimento contábil de erros e fraquezas insuspeitadas, anteriores ao colapso do petróleo, em duas das maiores e aparentemente mais sólidas instituições financeiras europeias. Como estarão as demais? 

 

O relatório de novembro da Autoridade Bancária Europeia afirma que os bancos da União Europeia admitiam então deter 1 trilhão de euros em créditos podres, o que representa cinco anos de seus lucros, 6% de suas carteiras totais e 10% dos recursos emprestados ao setor não financeiro. Enquanto nos EUA esse índice é de apenas 3%, na Europa era de 4% para os grandes bancos, 9% para os médios e 18% para os pequenos.Chegava a 16% em Portugal, 17% na Itália, 19% na Hungria, 22% na Irlanda, 28% na Eslovênia e 50% em Chipre. Só na Itália, são mais de 300 bilhões de euros em financiamentos a credores duvidosos. Esse relatório, vale notar, não incluiu a Grécia, com uma dívida pública impagável de 350 bilhões de euros e bancos semifalidos com ativos da mesma ordem de grandeza.

 

A leve recuperação do PIB da Zona do Euro a partir do fim de 2013 e a injeção de 1,1 trilhão de euros pela flexibilização quantitativa do Banco Central Europeu iniciada em março de 2015 não bastaram para reanimar o setor bancário. O continente continua endividado demais pelas sequelas da crise de 2008 e sufocado pela austeridade imposta para pagar o socorro a seus financistas irresponsáveis. Ao contrário do que se esperava, a inflação continua próxima de zero na média europeia e negativa em vários países.

 

Nesse clima de alto desemprego, cortes de salários, aposentadorias e gastos sociais, devedores despejados de suas casas e aversão ao risco, aumentar a oferta de dinheiro tem pouco efeito sobre o investimento ou o consumo. O dinheiro tende a ser entesourado ou aplicado em títulos de dívida dos EUA ou de nações tidas como “seguras”. Consequentemente, não há espaço para aumentar o volume dos empréstimos e os spreads bancários estão comprimidos. 

 

Somam-se a isso os juros nominais negativos impostos pelo BCE aos depósitos em caixa, anomalia histórica que deixou de ser apenas europeia no fim de janeiro, quando também o Japão, com um problema de endividamento e estagnação ainda mais crônico, aplicou a mesma medida. Além disso, dez dos 19 países da Zona do Euro, mais Dinamarca, Japão e Suíça, oferecem taxas nominais negativas por seus títulos de dívida pública, que representam nada menos que 29% do total mundial e somam 7 trilhões de dólares. Outros seis países do mundo, inclusive EUA, Reino Unido, Canadá e Portugal, pagam de zero a 1% ao ano. 

 

Por mais que essa política desagrade aos bancos, é improvável que seja mudada no médio prazo, pois isso poderia ser catastrófico para os demais setores. Embora os EUA pareçam estar em condições de suportar uma lenta e cautelosa alta dos juros reais como a anunciada pela presidenta do Fed, Janet Yellen, em seu depoimento ao Congresso da quarta-feira 10, seria suicida fazer o mesmo em economias deflacionárias como a Europa e o Japão de hoje. 

 

As economias da Zona do Euro e do Japão dependem de empréstimos bancários bem mais que as de EUA e Reino Unido, onde as empresas têm mais possibilidades de se financiar com emissões de ações. Uma economia anêmica, cuja vitalidade foi sugada para resgatar seu sistema financeiro, o encontra apático e incapaz de ajudar em sua recuperação.

 

No caso de uma nova rodada de falências e corridas bancárias, provavelmente não será possível repetir a fórmula de 2008 e impor ainda mais endividamento e austeridade. Será preciso encontrar novas fórmulas políticas e sociais, em um momento no qual o descrédito nas instituições neoliberais está em alta e as heterodoxias de ultradireita e esquerda estão em alta. Talvez os investidores devessem estar ainda mais preocupados com o futuro dos bancos do que já estão. 

 

* Reportagem publicada originalmente na edição 888 de CartaCapital, com o título "Toda solidez se desfaz no ar"

 

19/02/2016

http://www.cartacapital.com.br/revista/888/toda-solidez-se-desfaz-no-ar

 

https://www.alainet.org/es/node/175522

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