Uma proposta para evitar a destruição da EBC
- Opinión
Se o governo Temer cumprir a ameaça de apresentar logo um projeto de lei alterando o marcado legal da EBC, estará driblando o STF, que ainda precisa examinar, no mérito, a liminar concedida pelo ministro Dias Toffoli reconduzindo o diretor-presidente Ricardo Melo ao exercício de seu mandato. Suprimido o mandato, o governo poderá nomear quem quiser antes da decisão do Supremo. Será, no mínimo, uma pequena afronta, porém o mais grave não é isso: grave será desmanchar o que foi feito para atender a uma previsão constitucional, a existência de canais públicos, regidos como públicos, ao lado dos canais privados e estatais de radiodifusão.
Pretende o governo, segundo a matéria de hoje da Folha de São Paulo, acabar a TV Brasil, os mais importante canal público já criado no Brasil, e também com os instrumentos mais importante para blindar a EBC de ingerências políticas, o mandato do presidente e o conselho curador, o fiscal da sociedade.
O que o governo planeja, portanto, é recriar a Radiobrás, empresa de comunicação governamental criada no regime militar para fazer comunicação governamental/estatal. Ela foi incorporada pela EBC conforme previu a Lei 11652/2008. É legítima a pretensão de ter um instrumento de comunicação mais robusto a seu serviço. Mas não acabando com a comunicação pública. Isso será retrocesso, uma caranguejada e tanto e será uma marca muito negativa para Temer.
Para dar conta do que fazia a Radiobrás, a EBC criou uma diretoria específica (para operar o NBR, a Voz do Brasil e outros serviços pedidos pelo Planalto). Outras diretorias ficaram responsáveis pela gestão dos canais públicos sob a fiscalização do Conselho. Em sua curta passagem, Laerte Rimoli, numa prova de ignorância sobre as naturezas distintas destes dois canais – NBR e TV Brasil – unificou a produção de seus conteúdos jornalísticos sob um mesmo diretor. Heresia.
Deu para entender que hoje a EBC é uma empresa com dois braços e isso não é bom. Mas foi o possível em 2007, para contornar resistências do Congresso à existência de duas empresas – uma para atender o governo, outra para fazer a comunicação pública constitucionalmente prevista.
Segundo apurou a Folha, o governo quer acabar com a TV Brasil mas pretende manter outras atividades da EBC, como as rádios, a Agência Brasil, a produção de conteúdo (para exibir onde?) e, com certeza, serviços de divulgação governamental, como a TV NBr, a Voz do Brasil e as transmissões de atos oficiais. Mas que natureza terão estas atividades? A Agência Brasil, hoje reconhecidamente pública, pela gestão e pelos conteúdos, viraria uma agência governamental? E as rádios? Tudo isso exige definição e debate.
Se o governo quiser enfrentar com seriedade a questão da EBC, eu tenho uma sugestão bastante óbvia: desmembrar a EBC em duas entidades, uma para desenvolver atividades de governo e outra para fazer a comunicação pública constitucionalmente prevista.
Para as atividades de comunicação de governo, seria criada uma outra entidade, destinando-lhe metade do orçamento, dos funcionários de carreira e do patrimônio da EBC, que possui hoje um grande parque de transmissões e produções, quase todo adquirido em minha gestão (2007-2011). Os cargos comissionados seriam bastante reduzidos e divididos entre as duas instituições. Os dirigentes do braço governamental seriam nomeados pelo presidente da República e demissíveis a seu critério, como quis fazer agora.
A EBC continuaria existindo para explorar a TV Brasil, as rádios e a agência pública de notícias. O dirigente máximo continuaria tendo mandato e o conselhor curador continuaria existindo. Seus membros seriam indicados, em proporções distintas, pelo presidente da República (mandatário maior eleito pelo povo), pelo Congresso, os empregados e a sociedade civil, majoritariamente. A EBC herdaria também metade dos funcionários, do patrimônio e dos cargos comissionados. Além dos canais hoje explorados por ela.
Poderia também ser o inverso, desde que em fórmula seja racional. O governo levaria a EBC para lhe atender mas seria criada uma fundação ou outra entidade jurídica para desenvolver as atividades constitucionais de comunicação publica, com garantias orçamentárias bem menores do que a atuais. Tal entidade continuaria sendo financiada pelo Estado mas a Contribuição à Comunicação Pública, tão cuidadosamente concebida quando aprovamos a lei no Congresso, graças ao empenho do então relator Valter Pinheiro, continuaria sendo cobrada das teles e destinada a esta instituição. A nova lei explicitaria a obrigatoriedade do recolhimento, que hoje as teles burlam, depositando os recursos em juízo à espera do julgamento de ação que a derrubaria e nunca foi julgada.
Será trabalhoso? Será, mas o governo estará, primeiro, livrando-se da marca de destruidor de uma árdua conquista. Não estará descumprindo preceito constitucional. Terá a seu dispor uma estrutura livre das amarras que são necessárias a uma entidade que precisa de independência política. E a comunicação pública, embora com uma estrutura menor, continuará existindo e contando com os instrumentos que diferenciam sua natureza.
Se o governo quiser enfrentar este debate, a sociedade corresponderá. O Congresso aprimorá o que foi feito em 2007/2008. E será melhor para todos.
- Tereza Cruvinel, colunista do 247, é uma das mais respeitadas jornalistas políticas do País
17 de Junho de 2016
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