O pressuposto ético de quem presidirá a Câmara dos Deputados

13/07/2016
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 o pressuposto
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O país está acompanhando, bastante apreensivo por sinal, a eleição de quem presidirá a Câmara dos Deputados após a renúncia de Eduardo Cunha. Independentemente do cálculo político do ex-presidente – nova manobra para salvar ou não o seu mandato de deputado – as razões de ordem moral para sua decisão devem ter pesado, mesmo contra a sua vontade, tal era e é o volume de razões para a sua destituição.

 

Considerado o número de parlamentares atualmente sob investigação policial ou denúncia criminal já ajuizada, toda a preocupação de quem elegeu a Câmara dos deputados em sua atual composição tem como origem não repetir o erro da sua escolha anterior, capaz de outorgar mandato para uma Casa Legislativa envolta em tantos escândalos morais.

 

O povo eleitor tem o direito, portanto, de questionar os postulantes à presidência da Câmara sobre sua conduta ética e, mesmo no pouco que possa influir no voto de cada deputado/a, fazer-lhe conhecer sua aprovação ou reprovação àquele ou àquela que estiver pleiteando ser eleito presidente/a da Câmara, de acordo com a seu comportamento ético.

 

Se o Código de Ética e decoro parlamentar da Câmara dos deputados não tiver sido esquecido ou revogado de fato (!), pela maioria de quem a integra, por casuísmos regimentais dos quais abusou Eduardo Cunha, as suas disposições podem servir de inspiração para cada deputada/o saber se a/o futura/o presidenta/e da Câmara está, ou não, credenciado eticamente para o exercício de uma autoridade dotada de moral irrepreensível.

 

Basta alguns artigos deste Código serem comparados com os crimes dos quais alguns deputados estão sendo indiciados ou denunciados. Suas eleitoras e eleitores ficarão admiradas/os de constatar com qual legitimidade estão ainda exercendo o mandato que lhes foi conferido. Entre os deveres fundamentais de cada deputada/o, por exemplo, previstos no artigo 3º do Código Ético, dois se encontram na ordem do dia de toda a noticia relacionada com infrações graves da ética parlamentar.

 

O primeiro, no inciso IV – exercer o mandato com dignidade e respeito à coisa pública e à vontade popular, agindo com boa-fé, zelo e probidade. O segundo, no inciso VIII – prestar contas do mandato à sociedade, disponibilizando as informações necessárias ao seu acompanhamento e fiscalização.

 

Entre os atos incompatíveis com o decoro parlamentar, os de maior gravidade, no momento atual vivido pela Câmara, são sem dúvida os previstos nos incisos I e II do artigo 4º do Código, ambos refletindo o que a própria Constituição Federal determina em seus artigos 54 e 55:

 

I – abusar das prerrogativas constitucionais asseguradas aos membros do Congresso Nacional (Constituição Federal, art. 55, § 1o); II – perceber, a qualquer título, em proveito próprio ou de outrem, no exercício da atividade parlamentar, vantagens indevidas (Constituição Federal, art. 55, §1o);

 

Nossas/os leitoras/es conseguem identificar alguma ação concreta da/o deputada/o que elegeu na qual fins transcendentes como esses do artigo 3º do Código de ética, funções sociais precípuas do seu mandato, como respeito à coisa pública e à vontade popular, boa fé, zelo e probidade, tenham sido testemunhados de fato desde a sua posse até hoje? A conveniência pessoal, de grupo, partidária ou ideológica não pesou mais do que o bem comum nos seus projetos de lei, discursos e campanhas? Sua atividade parlamentar mostrou completa independência relativamente aos interesses do poder econômico que financiou sua eleição? Voltou a/o deputada/o, com a frequência com que fazia em campanha, às suas “bases”, prestando contas do seu mandato e admitindo fiscalização do que está fazendo em defesa dos direitos adquiridos ou por adquirir de quantas pessoas recebeu votos? Deputadas e deputados eleitas/os por nós não abusaram das suas prerrogativas nem perceberam vantagens indevidas, infringindo assim os mandamentos do decoro parlamentar prevenidos no artigo 4º do Código de Ética?

 

Questões como essas vão exigir respostas diferentes daquelas dos discursos fáceis da ética tradicional, reduzidos a uma simples relação interindividual. Modernamente, as responsabilidades cobradas da ética são muito mais amplas, como Manfredo de Oliveira procurou demonstrar organizando uma coletânea de estudos em 2000, publicada pela editora Vozes,, sob o título “Correntes fundamentais da ética contemporânea”.

 

Nela aparece um estudo de Osvaldo Giacoia Junior, professor de filosofia da Unicamp (“Hans Jonas: o princípio responsabilidade. Ensaio de uma ética para a civilização tecnológica”), no qual se pode antever como a extensão das novas responsabilidades impostas a essa nova ética serve de advertência para o comando de um coletivo legiferante como é a Câmara dos deputados:

 

O novo imperativo ético não se dirige (como o imperativo categórico de Kant) ao comportamento do indivíduo privado, mas ao agir coletivo, sua destinação não é, portanto, a esfera próxima das relações entre singulares, mas do domínio da política pública. Jonas reivindica uma nova espécie de concordância: não a compatibilidade lógica interna da vontade, nem aquela do ato consigo mesmo, mas a concordância entre os efeitos últimos do ato com a permanência de atividade humana autêntica no futuro. Tal imperativo não universaliza ou “totaliza” do mesmo modo que o de Kant: não se trata mais da transferência da máxima subjetiva a uma hipotética comunidade de todos os seres racionais., em cuja situação a máxima da vontade não engendraria autocontradição. A “totalização” se faz, para Jonas, a partir da objetividade dos efeitos do agir coletivo, que, em sua realidade, afeta a humanidade como um todo.”

 

Sob uma grandeza de responsabilidade ética como essa, a necessidade de se colocar cada candidata/o à presidência da Câmara dos deputados, frente a disposições simples e diretas como as do seu Código de Ética, ganha outro contexto para sua eleição se julgar conveniente, oportuna e legitimada, ou não. Sua escolha para o exercício desse encargo fundamental para a República pode ser feita, então, isenta de qualquer influência externa nociva, especialmente aquela que certamente vai partir de quem já foi infiel ao seu mandato, minando todos deveres éticos presentes nas garantias devidas aos direitos humanos fundamentais sociais do povo pobre.

 

julho 13, 2016

https://rsurgente.wordpress.com/

 

https://www.alainet.org/es/node/178776
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