Chilenos querem desprivatizar a Previdência Social
No dia 26 de março de 2017, somente em Santiago reuniram-se 800 mil manifestantes e dois milhões em todo o país.
- Opinión
Em 1981, em plena ditadura militar no Chile, o governo Pinochet, por orientação dos monetaristas norte-americanos que o assessoravam, privatizou a Previdência Social. O sistema existente era parecido com o brasileiro, baseado na repartição e sustentado pelas contribuições de trabalhadores e empregadores, administrado pelo Estado.
Quem preferisse, poderia permanecer no sistema existente, como a maioria dos contribuintes fez, mas os recém ingressos no mercado de trabalho foram obrigados a aceitar o novo sistema privado. Este era composto por fundos individuais reunidos em diferentes “Administradoras de Fondos de Pensiones” (AFPs), aos quais os trabalhadores aderiam e contribuíam com 10% de seus salários.
Os “Fondos” aplicavam estas contribuições de acordo com as escolhas dos trabalhadores por investimentos de maior ou de menor risco. Quando cumprissem 65 anos, homens, e 60 anos, mulheres, poderiam começar a receber suas aposentadorias mensalmente, de acordo com o resultado das aplicações dos fundos individuais. A propaganda governamental a favor dos “Fondos” era forte e afirmava que os trabalhadores estavam se tornando sócios das empresas por meio dos investimentos em ações.
O movimento sindical chileno, na medida em que readquiria presença política no país, denunciava a falácia e os riscos do sistema, mas poucos lhe davam atenção, pois os que aderiram às AFPs, em 1981, somente agora começaram a receber suas aposentadorias e verificar na prática o mau negócio que fizeram. Em primeiro lugar, o montante de cada fundo individual depende do sucesso dos investimentos que muitas vezes foram de baixo retorno e algumas AFPs chegaram a falir. Segundo, o que cada um receberá por mês, depende também da expectativa de vida que os “Fondos” lhe atribuem e que buscam esticar ao máximo para não correr o risco de os recursos serem todos pagos antes do falecimento do aposentado. Para isso, argumentam que “não há problemas”, pois, o saldo dos fundos individuais gera heranças para esposas ou filhos dos aposentados.
A consequência do engodo é que mais de 90% dos aposentados atuais recebem menos do que meio salário mínimo chileno que é PCh 154.000,00 equivalente a aproximadamente R$ 730,00. Diante disso, os protestos vêm se avolumando. Em julho de 2016, houve uma mobilização contra o sistema de aposentadoria sob a consigna “No + AFP”, que reuniu 750 mil pessoas em todo o país. Em agosto, a mobilização cresceu e envolveu 1,3 milhão de pessoas e, por último, no dia 26 de março de 2017, somente em Santiago reuniram-se 800 mil manifestantes e dois milhões em todo o país.
O “No + AFP” se deve à proposta do governo de Michele Bachelet de criar uma AFP estatal para incluir os trabalhadores que não tem acesso aos “Fondos” privados e dar garantias contra maus investimentos e falências. No entanto, o povo chileno reivindica um sistema de repartição com financiamento tripartite, como o que ainda temos no Brasil, apesar de os golpistas querem reformá-lo para reduzir o valor das aposentadorias e fazer que os trabalhadores usufruam o seu direito de se aposentar, o mais tarde possível.
O governo neoliberal de Menem, na Argentina, no início dos anos 1990, introduziu um sistema semelhante ao chileno. Posteriormente a presidenta Cristina Kirchner, diante das reivindicações dos trabalhadores, o reestatizou. Reflitamos: se o sistema privado fosse bom, nem argentinos, nem chilenos reclamariam, não é verdade? Então, por que nós, brasileiros, deveríamos aceitá-lo?
- Kjeld Jakobsen, da Fundação Perseu Abramo, é consultor em cooperação e relações internacionais
04/04/2017
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