As cidades tortas

07/03/2018
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Foto: “Mundo Vasto Mundo“ de Agi Straus
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Sempre que penso no futuro das cidades, não consigo deixar de classificá-las como grandes ecossistemas. Isto mesmo, como entes vivos, biodiversos, dotados de elementos visíveis e não visíveis aos olhos humanos. Trata-se de uma visão que foi se consolidando ao longo do tempo e devo muito ao aprendizado com os profissionais da FURG e da Prefeitura de Rio Grande, em especial nos debates com a Doutora e Bióloga Daiane Marques.

 

Pensar a cidades aos pedaços, como caixinhas que não se comunicam é um erro histórico que faz parte da maioria dos planos diretores brasileiros e do mundo. Aliás, se olharmos o volume de resíduos sólidos que são jogados todos os dias no mar, vamos perceber que nosso meio urbano é projetado sempre em conflito com a água, os recursos hídricos são vistos como inimigos ou como ponto de passagem para tudo aquilo que não mais queremos. O resultado são ilhas e ilhas de plásticos, ferro e madeira espalhadas pelos oceanos do mundo.

 

Mas voltado ao pensar no ecossistema, devemos sempre analisar que há muito mais na cidade do que pessoas, ruas e prédios. E mesmo estes, são diversos no seu modo de ser, nas suas necessidades e nas respostas que precisam ser dadas pelo conjunto da sociedade. Nunca penso a cidade como uma obra pública, do estado, mas como um resultado do trabalho coletivo, social. Há uma pobreza imensa naqueles mapas que dividem o território em desenhos matematicamente elaborados, como se nas linhas que dividem as fronteiras simbólicas do poder planejador não existisse vida.

 

A resposta dos pragmáticos é sempre a mesma: árvores são cerradas ao meio ou simplesmente suprimidas, rios e áreas úmidas aterrados e o horizonte é pontilhado por paliteiros chamados de edifícios. As curvas são abolidas e as ruas são tratadas como linhas retas. Ou seja, o nosso planejamento ainda é moldado pela mecânica. Ninguém lembra que existe subsolo, onde existe mais do que terra e água e que a natureza busca constantemente retomar o seu espaço, portanto canalizar um rio ou um arroio normalmente é um convite para enchentes (ou depósitos de lixo), pois a quebra da sinuosidade acelera a velocidade das águas e diminui a vazão dos estuários.

 

Aos poucos, o canto dos pássaros, que antes se alimentavam das frutas nativas, são substituídos pelo barulho ensurdecedor de buzinas ou da violência. Porque esta, em grande parte, também é resultado de um pensar urbano que exclui, que setoriza, que divide pessoas por padrão econômico, profissional ou etnia. Aliás, em muitos locais a cidade que chega é apenas a da repressão e do crime organizado. Novamente, porque olhamos plantas como quadriláteros sem vida.

 

Pouco a pouco as cidades estão morrendo sufocadas, asfixiadas pela mecânica do lucro e pela destruição dos espaços públicos. Se antes a humanidade não conseguia se comunicar com as demais espécies, também está desaprendendo a falar com seus semelhantes. No fim, o nosso planejamento pensou tanto no vigor das linhas retas que a cidade entortou. Não teve a flexibilidade das plantas para enfrentar o vendaval do capitalismo selvagem. E o que era para ser um espaço de liberdade, virou uma prisão.

 

Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, mestre em ciências sociais.

 

https://sustentabilidadeedemocracia.wordpress.com/2018/03/07/as-cidades-tortas/

 

https://www.alainet.org/es/node/191474
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