A esquerda em tempos de ira

A nova sociedade será construída por milhões de iniciativas. O poder do povo alcançará, assim, toda a dimensão da sua força transformadora.

27/05/2020
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Estes tempos apavorantes clamam por uma nova sociedade. Mas ela não será um parto que virá do desespero das massas. Nem a sociedade capitalista superará seus próprios limites, como promete a oligarquia medrosa, que implora por indulgências. O capitalismo deve ser derrotado pelas forças da mudança. Para esta batalha, é necessário um instrumento coeso em termos orgânicos e ideológicos. Quem pode realizar esse feito se não for a esquerda anticapitalista? A única força não comprometida com um sistema que inexoravelmente leva à extinção da espécie humana.

 

O confronto inevitável tem um nome: revolução. Neste momento, a revolução tem um prólogo cultural, porque será necessário derrubar paredes espessas de ignorância e preconceito, que são a primeira linha defensiva do capitalismo. A coerção ideológica, midiática e cultural do capitalismo terá que ser derrotada.

 

O valor superior da solidariedade – o objetivo supremo do socialismo – deve superar a ganância que regula as relações sociais atuais.

 

Mas uma revolução cultural está a anos-luz das práticas rotineiras e burocráticas que levaram a esquerda existente a ser consumida até o estado atual no qual se encontra.

 

Há vinte anos, Fidel Castro definiu: “Revolução”, ele disse, “é o sentido do momento histórico; é mudar tudo o que deve ser mudado; é plena igualdade e liberdade; é para ser tratado e tratar os outros como seres humanos; é para que possamos emancipar a nós mesmos, através dos nossos próprios esforços; é desafiar forças dominantes poderosas dentro e fora do âmbito social e nacional; é defender valores em que acreditamos ao preço de qualquer sacrifício; é modéstia, desinteresse, altruísmo, solidariedade e heroísmo; é lutar com ousadia, inteligência e realismo; nunca está mentindo ou violando princípios éticos; é uma convicção profunda de que não há força no mundo capaz de esmagar a força da verdade e das ideias…” – palavras do seu histórico discurso na Praça da Revolução, em Havana, em 1º de maio de 2000.

 

O significado do momento histórico no Chile significa apreciar em toda a sua magnitude o colapso da institucionalidade da ditadura e a ascensão que a luta insurrecional em massa experimenta desde outubro do ano passado.

 

Mudar tudo o que precisa ser mudado, entretanto, significa enfrentar sem medo a etapa dolorosa que significa superar os hábitos tradicionais da ação política. A esquerda terá que jogar fora o fardo de práticas obsoletas e visões de curto prazo que levam ao oportunismo.

 

No entanto, a esquerda deste século não sairá do nada. É um instrumento de luta que permanece na memória histórica dos povos. A ação rebelde do socialismo despertará a consciência através de métodos refrescantes de luta e formas de organização.

 

As ideias revolucionárias dessa época também não nascerão no deserto. Os combatentes sociais que uniram prática e teoria no passado deixaram lições valiosas. Na América Latina, a ideologia socialista do Século XXI, por exemplo, será fiel a uma vocação histórica de unidade e anti imperialismo da esquerda.

 

No nível ideológico, há uma necessidade urgente de superar tabus e erros como o que identifica o socialismo com o estatismo. Os slogans, nesse sentido, têm o efeito de mostrar a esquerda como destinada ao fracasso do “socialismo real” do século passado. Tal deturpação corta as asas da criatividade do socialismo, que promove o pleno desenvolvimento das capacidades humanas e das forças produtivas.

 

O socialismo em tempos de inteligência artificial e tecnologias 5G terá características diferentes daquelas dos dias do telégrafo e da locomotiva a vapor. Mas o seu motor será sempre a ação concertada das massas. Hoje, sua missão é libertar “aqueles zumbis que perambulam pelas ruas com o rosto colado aos smartphones” – como disse, alguma vez, Yuval Noah Harari).

 

A nova sociedade será construída por milhões de iniciativas. O poder do povo alcançará, assim, toda a dimensão da sua força transformadora.

 

Em tempos de fome e pandemia, sob o domínio das mudanças climáticas que ameaçam o planeta, o socialismo se constitui como a verdadeira esperança da humanidade. O centenário lema “socialismo ou barbárie” de Rosa Luxemburgo adquire inusitada atualidade. Supor que o desespero causado pela miséria e pela fome produzirá mudança social é uma hipótese castradora da iniciativa dos povos. A ausência de uma esquerda socialista para organizar a luta – como mostra a experiência histórica – abre caminho para o fascismo e os falsos messias.

 

No Chile, estamos muito atrasados %u20B%u20Bno trabalho de atualizar a esquerda para a nova época. Mas é hora de lançar as bases de uma esquerda com sua própria personalidade e “consciência do momento histórico”.

 

*Publicado originalmente em 'Punto Final Blog'

 

Tradução de Victor Farinelli

 

27/05/2020

https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/A-esquerda-em-tempos-de-ira/4/47615

 

https://www.alainet.org/es/node/206826
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