Mudança climática: 2020 será muito tarde

13/08/2013
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A Agência Internacional de Energia (AIE) publicou um relatório especial sobre o futuro do clima e as negociações internacionais com uma advertência aos governos: o ano de 2020 será demasiado tarde para tomar decisões (1). Na avaliação da agência, algumas medidas devem ser adotadas antes dessa data, caso se queira “manter vivo o objetivo de 2ºC” e o setor de energia deve reduzir suas emissões a partir de agora a uma taxa de 5%/ano.

Evitar a mudança climática perigosa implica manter um nível de concentração de gases de efeito estufa abaixo das 450 ppm que assegure um aumento da temperatura média do planeta não acima dos 2ºC. Essa é a meta traçada pela Convenção da Mudança Climática, realizada em 2009.

A última rodada de negociações da Convenção da Mudança Climática (Doha, dezembro de 2012) estabeleceu um novo roteiro (Doha Climate Gateway), definindo o anos de 2015 como data limite para alcançar uma série de acordos que entrarão em vigor em 2020. O relatório da AIE alerta, porém, que essa é uma data demasiado longínqua para assegurar a manutenção da estabilidade climática em virtude das emissões que terão sido acumuladas até lá.

O setor de energia é responsável por cerca de 80% das emissões globais e se espera que, para o ano de 2020, estas alcancem um nível de 4 gigatoneladas de dióxido de carbono equivalente (GtCO2e) , acima da trajetória consistente com o objetivo dos 2ºC. Para atingir essa meta é necessário que as emissões alcancem seu pico em 2020 e logo comecem a cair vigorosamente. Com as emissões crescendo constantemente e um acordo que recém começará a ser implementado nesta data, isso resultará impossível, diz a agência.

As medidas

Em função disso, a AIE propõe quatro medidas urgentes a serem aplicadas com o objetivo de “comprar um tempo precioso enquanto as negociações continuam”. A primeira delas é a adoção de medidas específicas de eficiência energética, o que poderia garantir a metade das reduções necessárias. Uma segunda proposta é limitar a construção e uso das usinas termoelétricas movidas a carvão (21% das reduções). A terceira medida é minimizar a fuga de metano proveniente das atividades de exploração de gás e de petróleo (18% das reduções). E, finalmente, acelerar o desmantelamento dos subsídios ao consumo de combustíveis fósseis que, em 2010, alcançaram 523 bilhões de dólares.

O documento lembra que para ter 50% de possibilidades de não ultrapassar o objetivo dos 2ºC, o total de emissões possível até a primeira metade deste século é de 1440 GtCO2e. Deste “orçamento de carbono”, 420 GT já foram emitidas entre 2000 e 2011 e outras 136 Gt serão emitidas de setores não energéticos (agricultura, desmatamento, etc) até 2050. Isso deixa um máximo possível de emissões de 884 Gt do setor energético para essa data, para o que é necessária uma redução das emissões do setor a uma taxa anual de 5%.

O gás natural em debate

O gás natural apareceu nos últimos anos como um substituto menos contaminante do que o carvão, o que levou a um desenvolvimento importante de sua exploração, particularmente no chamado gás “não convencional” (“shale” e “tight” gás).

O gás natural é defendido por apresentar menores emissões de carbono por unidade de energia consumida. No entanto, essa mesma condição faz com que, em termos absolutos, as emissões aumentem (uma espécie de “paradoxo de Jevons” climático) (2). Em 2012, as emissões globais de CO2 do setor energético aumentaram em 400 Mt em relação ao ano de 2011 (1,4%). Este aumento responde ao incremento do uso de gás natural (2,7%), petróleo (1,1%) e carvão (0,6%). Quando analisamos a responsabilidade de cada um destes fósseis no aumento global de emissões energéticas vemos que 44% corresponde ao gás natural, 44% ao carvão e 12% ao petróleo.

As termoelétricas de ciclo combinado a gás produzem a metade das emissões por kWh do que aquelas à base de carvão. Mas parte desse ganho se perde pelas emissões furtivas de metano derivadas da produção e distribuição de gás natural. Só um terço das reduções necessárias pode ser obtido pela troca de carvão por gás no setor elétrico, o que está indicando que a mudança de combustível não é a opção mais apropriada.

O sentido da urgência

Estas medidas que a AIE propõe são as que ela considera economicamente viáveis no contexto atual. Não significam nenhuma ameaça para o crescimento econômico nem podem conduzir a uma recessão planetária. Não são medidas de fundo, são paliativos. Mas, para além do caráter apropriado ou não dessas propostas, o que deve chamar a atenção é sua mensagem central: não se pode esperar pelas negociações da Convenção de Mudança Climática. Elas chegarão muito tarde.

Os governos de cada país do mundo mas sobretudo aqueles que possuem matrizes energéticas mais poluidoras, deveria levar um pouco a sério a advertência e não adiar decisões à espera de 2020. Quando chegarmos lá, as medidas a tomar talvez sejam muito mais caras e talvez a mudança climática já seja uma realidade irreversível.

NOTAS

(1) Redrawing the energy-climate map. World Energy Outlook Special Report.
OECD/IEA, 2013.
(2)Em 1865, o economista britânico William Jevons descreveu em seu livro “O Problema do Carvão” aquilo a que mais tarde veio chamar-se de “Paradoxo de Jevons“. Ao observar que as recém-introduzidas máquinas a vapor desenvolvidas por James Watt, muito mais eficientes em termos de produtividade que as antecessoras, fizeram aínda assim aumentar a quantidade total de carvão consumido no país, Jevons escreveu: “É um completo engano supôr que um uso mais eficiente dos combustíveis implicará numa redução do seu consumo. A verdade é precisamente o oposto” (O Problema do Carvão, 1866, p 123). Fonte: http://ecohabitararquitetura.com.br/blog/tag/paradoxo-de-jevons/

- Gerardo Honty é analista em energia e mudança climática do Centro Latinoamericano de Ecologia Social (CLAES)

Artigo em espanhol: http://alainet.org/active/66404

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
 
 
https://www.alainet.org/es/node/78413?language=en
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