Brics, o ‘Snowden’ da guerra econômica?
04/09/2013
- Opinión
A reunião dos BRICS que acontece nesta 5ª feira, em São Petersburgo, pode tomar uma decisão histórica.
O grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul deve anunciar oficialmente a criação de um fundo comum de reservas de divisas.
Trata-se de um instrumento de coordenação e autodefesa cambial para fazer frente à turbulência crescente, fruto dos sinais emitidos pelo Fed , de que reduzirá as injeções de liquidez destinadas a reaquecer a economia americana.
Mutatis mutandis, a decisão dos BRICS equivaleria à criação de uma frente internacional para afrontar a sistemática violação de soberanias pelo aparato de espionagem dos EUA.
Reiterada pelas revelações da dupla Snowden/Greenwald, a ação da CIA revolta, mas não configura propriamente uma singularidade.
Atropelar a soberania das nações é a essência do poder imperial, que na esfera econômica o faz com frequência e intensidade até superiores à exibida na guerra da informação.
Daí a importância da iniciativa que pode se materializar no encontro paralelo ao G-20, que acontece hoje na Rússia.
Nas últimas semana, as moedas de países como Brasil e índia sofreram forte desvalorização em relação ao dólar.
Uma correia de transmissão deu um cavalo de pau e inverteu o sentido.
A mudança de sinal do FED elevou as taxas de juros de longo prazo nos EUA.
De todas as partes do mundo, fluxos de capitais iniciaram uma viagem de volta à matriz.
Economias que necessitam atrair o dinheiro especulativo para fechar contas externas, seja por anemia exportadora, seja por gula importadora --ambas decorrentes do estrago que a sobrevalorização anterior gerou nas cadeias produtivas, perderam um pedaço do chão.
Inflação, saídas de capitais (em agosto, o Brasil perdeu US$ 6 bi), maxidesvalorização selvagem, alta dos juros para atrair capitais voláteis, cortes fiscais para equilibrar a paulada na dívida pública e paralisia de investimentos por conta da incerteza mundial.
Eis alguns dos efeitos colaterais decorrentes da decisão apenas resmungada pelo Fed.
Não é a primeira vez que os EUA cuidam de seus interesses indiferentes à necessidade de coordená-los com a agenda das nações.
Sobretudo, daquelas que ainda lutam pelo seu desenvolvimento.
Em 1979, o então presidente do FED, Paul Volcker, saiu contrariado de uma reunião do FMI, em Bruxelas.
Ao chegar aos EUA deu um tranco nos juros.
As taxas norte-americanas saltaram de um dígito para mais de 20%.
Foi o tiro de largada para a crise da dívida externa que desencadearia um efeito dominó com a quebradeira do México, Polônia, Brasil etc.
As condições são outras.
O Brasil dispõe atualmente de reservas de US$ 370 bi, um colchão bem fornido que reduz a vulnerabilidade diante da ação unilateral do porrete do norte.
Mas a capacidade de fazer estragos do capitalismo desregulado não pode ser subestimada.
A velocidade dos acontecimentos não raro atropela requisitos e transições em curso.
Por exemplo, as de parques industriais, como o brasileiro, que necessitam investir e se regenerar para desfrutar do novo equilíbrio cambial, voltando a exportar e a competir com manufaturas concorrentes.
Daí a importância dessa coordenação comum de reservas entre os Brics, com previsão de recursos de US$ 100 bi, o que em tese eleva a reserva potencial de cada integrante do grupo.
Trata-se de um caixa para prover liquidez em casos de retração das linhas de crédito internacionais. Ou queda dramática de investimentos, bem como mitigar o efeito de ataques especulativos.
O economista a Paulo Nogueira Batista Jr, representante brasileiro no FMI e colaborador de Carta Maior, costuma dizer que, embora incipiente, o escopo de coordenação entre os BRICS já é superior ao do G-20.
‘(...) a coordenação é dificultada pela distância geográfica. Mesmo assim, os ministros de Finanças e presidentes de Banco Central dos BRICS se reúnem com certa periodicidade – duas ou três vezes por ano, em média, nos anos recentes. E se falam com freqüência, apesar das diferenças de fuso horário.Os chefes de Estado e governo se encontram nas cúpulas anuais – foram quatro desde 2009, a última dela na África do Sul, em março de 2013. A de 2014 será no Brasil. Em 2012, no espaço de oito meses, os líderes dos BRICS se reuniram nada menos do que três vezes (...) Um dos acontecimentos mais significativos da cúpula do G20 em Los Cabos, no México, em junho, de 2012 foi exatamente o lançamento de um fundo ou pool de reservas dos BRICS (formalizado) na Cúpula dos Líderes dos BRICS, na África do Sul, em março de 2013 (quando) foi criado um grupo de trabalho com representantes dos cinco países, sob coordenação brasileira’, informou Nogueira Jr., em artigo recente em Carta Maior.
As reservas somadas dos Brics superam os U$ 4,3 trilhões – uma base mais do que suficiente para respaldar qualquer iniciativa de autodefesa.
Ademais das cifras, importa reter o simbolismo político dessa iniciativa.
Trata-se de introduzir um novo personagem no monólogo que tem ditado as ordens nas finanças do mundo.
A paulada de juros de Volcker, em 1979, reeditou o dólar forte, barateou as importações americanas, baixou a inflação do país (que chegara a 12%) e compensou a sangria comercial, decorrente da elevação dos preços do petróleo, em 1973.
Resolveu o problema americano.
Na liberalização crescente das últimas décadas, o mercado financeiro dos EUA pode captar recursos baratos. O império equilibrou assim o déficit em conta corrente, fruto do deslocamento de sua base industrial para a China.
Foi bom enquanto durou.
A exuberância do crédito ao consumo sustentou um fastígio feito de riqueza desprovida de poupança. Parecia que desregular mercados e liberar fluxos de capitais era o ponto final da história.
A ficção dentro do capital fictício redundaria no colapso das sub primes, em 2008, que acionou a crise mundial em curso.
Trilhões de dólares foram despejados então pelo Fed para salvar o sistema financeiro hegemônico no planeta.
Bem ou mal, o resgate teve êxito.
Mas o tsunami valorizou as moedas dos países emergentes e danificou seu equilíbrio de preços.
No caso brasileiro, danificaria desastrosamente sua planta industrial, afogada em importações barateadas pelo poder de compra artificial da moeda .
Com o ensaio de recuperação em marcha, o FED avisa que a chuva do dinheiro barato vai acabar.
E o mundo pagará novamente o tranco do ajuste.
Para que as economias em desenvolvimento deixem de ser o quintal pró-cíclico dos impulsos imperiais é preciso restaurar instrumentos de defesa financeira e de coordenação global.
Entre eles, os controles de capitais e a administração das taxas de câmbio, de modo a adequá-las às necessidades do crescimento.
Não se comete uma heresia dessas proporções sem uma retaguarda capaz de amortecer a reação adversa dos mercados: fuga de capitais, explosão do dólar e pânico financeiro propagado pela tigrada do 'jornalismo especializado' (em servir aos mercados).
É sobre essa retaguarda que, se tudo der certo, o mundo começa a falar a partir desta 5ª feira, quando os Brics iniciam o resgate do elo perdido entre Bretton Woods e a luta pelo desenvolvimento.
O caminho é longo. E deve incluir em algum momento também a criação de um banco de desenvolvimento comum. Mas romper o monólogo dos 'livres mercados' já é um 'descanso na loucura', diria Guimarães Rosa.
O grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul deve anunciar oficialmente a criação de um fundo comum de reservas de divisas.
Trata-se de um instrumento de coordenação e autodefesa cambial para fazer frente à turbulência crescente, fruto dos sinais emitidos pelo Fed , de que reduzirá as injeções de liquidez destinadas a reaquecer a economia americana.
Mutatis mutandis, a decisão dos BRICS equivaleria à criação de uma frente internacional para afrontar a sistemática violação de soberanias pelo aparato de espionagem dos EUA.
Reiterada pelas revelações da dupla Snowden/Greenwald, a ação da CIA revolta, mas não configura propriamente uma singularidade.
Atropelar a soberania das nações é a essência do poder imperial, que na esfera econômica o faz com frequência e intensidade até superiores à exibida na guerra da informação.
Daí a importância da iniciativa que pode se materializar no encontro paralelo ao G-20, que acontece hoje na Rússia.
Nas últimas semana, as moedas de países como Brasil e índia sofreram forte desvalorização em relação ao dólar.
Uma correia de transmissão deu um cavalo de pau e inverteu o sentido.
A mudança de sinal do FED elevou as taxas de juros de longo prazo nos EUA.
De todas as partes do mundo, fluxos de capitais iniciaram uma viagem de volta à matriz.
Economias que necessitam atrair o dinheiro especulativo para fechar contas externas, seja por anemia exportadora, seja por gula importadora --ambas decorrentes do estrago que a sobrevalorização anterior gerou nas cadeias produtivas, perderam um pedaço do chão.
Inflação, saídas de capitais (em agosto, o Brasil perdeu US$ 6 bi), maxidesvalorização selvagem, alta dos juros para atrair capitais voláteis, cortes fiscais para equilibrar a paulada na dívida pública e paralisia de investimentos por conta da incerteza mundial.
Eis alguns dos efeitos colaterais decorrentes da decisão apenas resmungada pelo Fed.
Não é a primeira vez que os EUA cuidam de seus interesses indiferentes à necessidade de coordená-los com a agenda das nações.
Sobretudo, daquelas que ainda lutam pelo seu desenvolvimento.
Em 1979, o então presidente do FED, Paul Volcker, saiu contrariado de uma reunião do FMI, em Bruxelas.
Ao chegar aos EUA deu um tranco nos juros.
As taxas norte-americanas saltaram de um dígito para mais de 20%.
Foi o tiro de largada para a crise da dívida externa que desencadearia um efeito dominó com a quebradeira do México, Polônia, Brasil etc.
As condições são outras.
O Brasil dispõe atualmente de reservas de US$ 370 bi, um colchão bem fornido que reduz a vulnerabilidade diante da ação unilateral do porrete do norte.
Mas a capacidade de fazer estragos do capitalismo desregulado não pode ser subestimada.
A velocidade dos acontecimentos não raro atropela requisitos e transições em curso.
Por exemplo, as de parques industriais, como o brasileiro, que necessitam investir e se regenerar para desfrutar do novo equilíbrio cambial, voltando a exportar e a competir com manufaturas concorrentes.
Daí a importância dessa coordenação comum de reservas entre os Brics, com previsão de recursos de US$ 100 bi, o que em tese eleva a reserva potencial de cada integrante do grupo.
Trata-se de um caixa para prover liquidez em casos de retração das linhas de crédito internacionais. Ou queda dramática de investimentos, bem como mitigar o efeito de ataques especulativos.
O economista a Paulo Nogueira Batista Jr, representante brasileiro no FMI e colaborador de Carta Maior, costuma dizer que, embora incipiente, o escopo de coordenação entre os BRICS já é superior ao do G-20.
‘(...) a coordenação é dificultada pela distância geográfica. Mesmo assim, os ministros de Finanças e presidentes de Banco Central dos BRICS se reúnem com certa periodicidade – duas ou três vezes por ano, em média, nos anos recentes. E se falam com freqüência, apesar das diferenças de fuso horário.Os chefes de Estado e governo se encontram nas cúpulas anuais – foram quatro desde 2009, a última dela na África do Sul, em março de 2013. A de 2014 será no Brasil. Em 2012, no espaço de oito meses, os líderes dos BRICS se reuniram nada menos do que três vezes (...) Um dos acontecimentos mais significativos da cúpula do G20 em Los Cabos, no México, em junho, de 2012 foi exatamente o lançamento de um fundo ou pool de reservas dos BRICS (formalizado) na Cúpula dos Líderes dos BRICS, na África do Sul, em março de 2013 (quando) foi criado um grupo de trabalho com representantes dos cinco países, sob coordenação brasileira’, informou Nogueira Jr., em artigo recente em Carta Maior.
As reservas somadas dos Brics superam os U$ 4,3 trilhões – uma base mais do que suficiente para respaldar qualquer iniciativa de autodefesa.
Ademais das cifras, importa reter o simbolismo político dessa iniciativa.
Trata-se de introduzir um novo personagem no monólogo que tem ditado as ordens nas finanças do mundo.
A paulada de juros de Volcker, em 1979, reeditou o dólar forte, barateou as importações americanas, baixou a inflação do país (que chegara a 12%) e compensou a sangria comercial, decorrente da elevação dos preços do petróleo, em 1973.
Resolveu o problema americano.
Na liberalização crescente das últimas décadas, o mercado financeiro dos EUA pode captar recursos baratos. O império equilibrou assim o déficit em conta corrente, fruto do deslocamento de sua base industrial para a China.
Foi bom enquanto durou.
A exuberância do crédito ao consumo sustentou um fastígio feito de riqueza desprovida de poupança. Parecia que desregular mercados e liberar fluxos de capitais era o ponto final da história.
A ficção dentro do capital fictício redundaria no colapso das sub primes, em 2008, que acionou a crise mundial em curso.
Trilhões de dólares foram despejados então pelo Fed para salvar o sistema financeiro hegemônico no planeta.
Bem ou mal, o resgate teve êxito.
Mas o tsunami valorizou as moedas dos países emergentes e danificou seu equilíbrio de preços.
No caso brasileiro, danificaria desastrosamente sua planta industrial, afogada em importações barateadas pelo poder de compra artificial da moeda .
Com o ensaio de recuperação em marcha, o FED avisa que a chuva do dinheiro barato vai acabar.
E o mundo pagará novamente o tranco do ajuste.
Para que as economias em desenvolvimento deixem de ser o quintal pró-cíclico dos impulsos imperiais é preciso restaurar instrumentos de defesa financeira e de coordenação global.
Entre eles, os controles de capitais e a administração das taxas de câmbio, de modo a adequá-las às necessidades do crescimento.
Não se comete uma heresia dessas proporções sem uma retaguarda capaz de amortecer a reação adversa dos mercados: fuga de capitais, explosão do dólar e pânico financeiro propagado pela tigrada do 'jornalismo especializado' (em servir aos mercados).
É sobre essa retaguarda que, se tudo der certo, o mundo começa a falar a partir desta 5ª feira, quando os Brics iniciam o resgate do elo perdido entre Bretton Woods e a luta pelo desenvolvimento.
O caminho é longo. E deve incluir em algum momento também a criação de um banco de desenvolvimento comum. Mas romper o monólogo dos 'livres mercados' já é um 'descanso na loucura', diria Guimarães Rosa.
https://www.alainet.org/es/node/78999
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