O 'ethos' que se solidariza
07/08/2003
- Opinión
Vivemos tempos de grande barbárie, porque é extremamente parca a
solidariedade entre os humanos. 1,4 bilhões de pessoas vivem com
menos de um dolar por dia. Dois terços destes são constituidos pela
humanidade futura: crianças e jovens com menos de 15 anos,
condenados a consumir 200 vezes menos energia e matérias primas do
que seus imãos e irmãs norte-americanos. Mas quem pensa neles? Os
países opulentos não têm o mínimo senso de solidariedade, pois
destinam menos de 1% de sua riqueza interna bruta para debelar este
flagelo. Para enfrentar este descalabro humano, faz-se urgente uma
revolução ética mais que uma revolução política, vale dizer,
despertar um sentimento profundo de irmandade e de familiaridade que
torne intolerável essa desumanização e impeça os vorazes dinossauros
do consumismo de continuarem em seu vandalismo individualista.
Precisamos, pois, de um ethos que se solidariza com todos estes
caidos na estrada.
A solidariedade está inscrita, objetivamente, no código de todos os
seres. Pois, todos somos interdependentes uns dos outros.
Coexistimos no mesmo cosmos e na mesma natureza com uma origem e um
destino comuns. Cosmólogos e físicos quânticos nos asseguram que a
lei suprema do universo é a da solidariedade e da cooperação de
todos com todos. A própria lei da seleção natural de Darwin,
formulada em vista dos organismos vivos, deve ser pensada no
interior desta lei maior. Ademais os seres lutam não apenas para
sobreviver, mas para realizar virtualidades presentes em seu ser. Ao
nivel humano, ao invés da seleção natural, devemos propor o cuidado
e o amor. Assim todos podem ser incluidos, também os mais fracos e
se evita que sejam eliminados em nome dos intereses de grupos que se
impõem pela força ou de um tipo de cultura que se auto-afirma
rebaixando as outras.
A solidariedade se encontra na raiz do processo de hominização.
Nossos ancestrais hominidas ao sairem em busca do alimento, não o
consumiam individualisticamente, mas o traziam ao grupo para
reparti-lo solidariamente. Foi a solidariedade que permitiu o salto
da animalidade à humanidade e à criação da socialidade que se
expressa pela fala. Todos devemos nossa existência ao gesto
solidário de nossas mães que nos acolheram na vida e na família.
Esses dados objetivos devem ser assumidos subjetivamente como
projeto da liberdade que opta pela solidariedade como conteúdo das
relações sociais. A solidariedade política ou será o eixo
articulador da geosociedade mundial ou não haverá futuro para
ninguém, solidariedade a ser construida a partir de baixo, das
vítimas dos processos sociais. O imperativo soa: "solidariza-te com
todos os seres, teus companheiros/as de aventura planetária,
especialmente com os mais prejudicados para que todos possam ser
incluidos em teu cuidado". Importa também alimentar a solidariedade
para com as gerações futuras pois elas também têm direito a uma
Terra habitável.
Nossa missão é cuidarmos dos seres, sermos os guardiães do
patrimônio natural e cultural comum, fazendo com que a biosfera
continue um bem de toda vida e não apenas nosso. Por causa do ethos
que se responsabiliza, veneramos cada ser e cada forma de vida.
* Leonardo Boff. Teólogo.
https://www.alainet.org/fr/node/108034
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