Paradigma-conquista
28/08/2003
- Opinión
No conjunto dos seres da natureza, o ser humano ocupa um
lugar singular. Por um lado, é parte da natureza por seu
enraizamento cósmico e biológico. É fruto da evolução que
produziu a vida da qual ele é expressão consciente e
inteligente. Por outro, se sobreeleva à natureza e
intervem nela, criando cultura e coisas que a evolução
sem ele jamais criaria como uma cidade, um avião e um
quadro de Portinari. Por sua natureza, é um ser
biologicamente carente (Mangelwesen), pois, à diferença
dos animais, não possui nenhum órgão especializado que
lhe garanta a subsistência. Por isso, vê-se obrigado a
conquistar o seu sustento, modificando o meio, criando
assim o seu habitat
Logo cedo no processo de hominização surgiu, portando, o
paradigma da conquista. Saiu de Africa de onde irrompeu
como "homo erectus", há sete milhões de anos, pôs-se a
conquistar o espaço, começando pela Eurásia e terminando
pela Oceania. Com o crescimento de seu crânio, evoluiu
para "homo habilis", inventando, por volta de 2,4 milhões
de anos atrás, o instrumento que lhe permitiu alargar
ainda mais sua capacidade de conquista
Por comparecer como um ser inteiro mas inacabado (não é
defeito mas marca) e tendo que conquistar sua vida, o
paradigma da conquista pertence à autocomprensão do ser
humano e de sua história. Praticamente tudo está sob o
signo da conquista: a Terra inteira, os oceanos e os
recantos mais inóspitos. Conquistar povos e "dilatar a fé
e o império" foi o sonho dos colonizadores. Conquistar os
espaços extraterrestres e chegar às estrelas é a utopia
dos modernos. Conquistar o segredo da vida e manipular os
genes. Conquistar mercados e altas taxas de crescimento,
conquistar mais e mais clientes e consumidores.
Conquistar o poder de Estado e outros poderes, como
religioso, o profético e o político. Conquistar e
controlar os anjos e demônios que nos habitam. Conquistar
o coração da pessoa amada, conquistar as bençãos de Deus
e conquistar a salvação eterna. Tudo é objeto de
conquista. O que ainda nos falta por conquistar?
Incasiável é a vontade de conquista do ser humano. Por
isso o paradigma-conquista tem como arquétipos
referenciais Alexandre Magno, Hernan Cortês e Napoleão
Bonaparte, os conquistadores que não conheciam nem
aceitavam limites
Depois de milênios, o paradigma-conquista, entrou, em
nossos dias, em grave crise. Chega de conquistas senão
destruiremos tudo. Já conquistamos 83% da Terra e nesse
afã a devastamos de tal forma que ela ultrapassou em 20%
sua capacidade de suporte e regeneração. Chagas se
abriram e talvez nunca mais se fecharão. Precisamos
conquistar aquilo que nunca havíamos conquistado antes
porque pensávamos que era contraditório: conquistar a
auto-limitação, a austeridade compartilhada, o consumo
solidário e o cuidado para com todas as coisas para que
continuem a existir. A sobrevivência depende destas anti-
conquistas
Ao arquétipo Alexandre Magno, Hernan Cortês e Napoleão
Bonaparte, da conquista, há que se contrapôr o arquétipo
Francisco de Assis, Gandhi, Madre Teresa e Irmã Dulce,
do cuidado essencial.Não há tempo a perder.Devemos
começar conosco, com as revoluções moleculares. Por elas
garantiremos as novas virtudes que nos salvarão a todos.
* Leonardo Boff. Teólogo.
https://www.alainet.org/fr/node/108253
Del mismo autor
- O risco da destruição de nosso futuro 05/04/2022
- Reality can be worse than we think 15/02/2022
- ¿Hay maneras de evitar el fin del mundo? 11/02/2022
- Há maneiras de evitar o fim do mundo? 08/02/2022
- The future of human life on Earth depends on us 17/01/2022
- El futuro de la vida depende de nosotros 17/01/2022
- A humanidade na encruzilhada: a sepultura ou… 14/01/2022
- “The iron cage” of Capital 04/01/2022
- Ante el futuro, desencanto o esperanzar 04/01/2022
- Desencanto face ao futuro e o esperançar 03/01/2022
Clasificado en
Clasificado en:
![S'abonner à America Latina en Movimiento - RSS](https://www.alainet.org/misc/feed.png)