A globalização editorial ameaça a cultura

08/03/2004
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A mercantilização do mundo não poderia poupar o chamado "mercado editorial". Em artigo deste mês do Le Monde Diplomatique, o escritor francês Pierre Lepape afirma que, no momento em que se abre o Salão o Livro de Paris, as Edições du Seuil anunciam a compra da editora La Marnière, dando nascimento ao terceiro grupo editorial do país, em seguida à batalha entre a número dois, Hachette (do grupo Lagardière) e a número um, Editis (antigo grupo Vivendi Universal Publishing), para cotrolar 80% do mercao francês. O Salão do Livro francês não se compara com a Feira de Frankfurt, com seus 6 mil expositores, representando a mais 115 paises, que se tornou o encontro mundial do mundo editorial, onde são apresentadas mais de 400 mil obras, das quais 100 mil lançamentos, anualmente. Mas essa fachada, diz Lepape, não deve levar a ilusões, que não deve esconder um duplo movimento que afeta o mundo da leitura em escala mundial. Por um lado, a diminuição clara da edição nos paises pobres, incluindo aqueles do ex-mundo soviético. Por outro, no interior do mercado editorial ocidental, os intercâmbios cada vez mais desiguais entre os EUA e a Grã-Bretanha – esta como satélite daquele -, e as outras nações. Em Frankfurt, diz Lepape, os pavilhões dos países da Ásia, da África e da América Latina – embora representem a mais de 80 da população mundial – estão cada vez mais afastados do centro da Feira e cada ano menos visitados, com editores em quantidade cada vez menor e com decrescente quantidade de compra de direitos de seus livros. Enquanto isso, os editores franceses, alemães, italianos, espanhóis, gastam grande parte da sua energia no impossível desafio de vender seus livros para os Estados Unidos, mesmo se por uma soma simbólica ou chegar a convencer um editor inglês, o que é um primeiro passo para o mercado norte-americano. Mas mesmo esse eldorado anglo-saxão é uma ilusão. Com uma produção literária anual que é o dobro da francesa (cerca de 14 mil títulos), a Grã-Bretanha só publica 3% de literatura de línguas não inglesas. O mesmo acontece nos EUA, com 2,8% de traduções. Mesmo assim, vender um livro para uma editorial dos EUA não garante sua apresentação ao público, dada a hiper-concentração e as exigências de rentabilidade imediata que transformaram as condições de existência do livro, considerado um produto que demorou muito para se adaptar à gestão industrial e à rentabilidade financeira. As grandes editoras exigem um crescimento anual de 10% e uma taxa de lucro de 15%, frente à qual os executivos são substituídos se não correspondem a elas. Do lado da distribuição, as grandes redes – nos EUA, particularmente a Barnes and Noble, a Borders e a Book-A-Million -, foram aos poucos eliminando as livrarias independentes com suas megastores e com sua rede de venda pela internet. Elas impõem aos editores o que Lepape chama de "uma verdadeira ditadura comercial", recusando-se a comprar livros que lhes parecem de venda insuficiente, premiando os livros de sucessos com lugares privilegiados nas estantes e nas vitrines, devolvendo impiedosamente as obras cujo lançamento é demasiadamente lento ou a cobertura da mídia é insuficiente. Praticamente não há mais lugar para as obras de venda lenta – afora algumas editoras universitárias e alternativas e uma pequena rede de 1200 livrarias independentes, assim como para os livros estrangeiros, que além de tudo teriam que pagar os direitos de autor e a tradução e que não podem contar com custosas campanhas de promoção. Assim, praticamente nenhuma obra traduzida aparece nas listas de mais vendidos nos Estados Unidos há vários anos, o que igualmente acontece na Grã-Bretanha - em que se encontram as mesmas "celebridades", mais do que escritores. Os paises europeus são assim vítimas de um ataque das editoras anglo-saxãs. Não se trata de uma nova leva de literatura de boa qualidade, mas em geral de livros estereotipados, fundados nos cânones do mito americano – na expressão de Lepape – e de seus valores, sobre a exploração desenfreada de ingredientes comerciais como sexo, violência, terror, hiper-individualismo, em estilos cujas qualidades são mais as dos chefes de empresa do que dos artistas: profissionalismo, competitividade, eficiência, mais do que cultura, autenticidade e desinteresse. Na Espanha a penetração dessas editoras anglo-saxãs é imensa, a ponto de tirar dos cinco primeiros postos as obras espanholas, o que acontece também várias vezes na Itália. A Alemanha é ainda mais penetrada, a ponto de entre os livros mais vendidos de 2003, havia Paulo Coelho, uns cinco autores de outros paises da Europa, o resto sendo norte-americanos, com pouquíssimos escritores alemães. A França é quem mais resiste, com dificuldade, a essa invasão. Teoriza-se essa novo formado do mercado editorial mundial em base à competitividade e do trabalho editorial como respondendo a expectativas do "mercado". Alguns chegam a ver na nova economia do livro um modelo do neocapitalismo globalizado: precariedade e desigualdade de estatuto dos "trabalhadores intelectuais"que são os autores, trabalho e remuneração precários, prêmios pelas vendas. Mas esse modelo, além de rebaixar a qualidade e de não dar espaço para novos autores, não funciona. A crise se estende também aos Estados Unidos e à Europa. As grandes editoras norte-americanas são compradas por editoras alemãs, mas também suecas, japonesas e até mesmo francesas. Mas o principal é a saúde precária de um mercado editorial entre a estagnação e a regressão, contando apenas com os grandes best-sellers, como Harry Potter. Na Alemanha, as vendas diminuíram 20% no ano passado, como exemplo. Na Espanha existe uma superprodução de títulos publicados, com uma diminuição das vendas e de uma estagnação da população de leitores (menos de um adulto em cada dois comprou um livro em 2002). Esse o resultado do avanço das grandes corporações e da importação do modelo neoliberal para o mundo dos livros, com seus efeitos devastadores sobre a qualidade da produção, a monopolização dos circuitos de venda, a vulgarização das temáticas predominantes, tudo como resultado do peso das mega-editoras e das redes de comercialização internacionalizadas em um mundo responsável pela preservação e extensão da cultura. O Brasil não é exceção.
https://www.alainet.org/fr/node/109557?language=es
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