O mundo não é redondo

07/10/2004
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Quem acompanha a crônica do mundo globalizado no seu dia a dia é tomado com frequência de abatimento e tristeza. Os cenários são dramáticos e as tragédias se sucedem sem parar. Há calvários demais e o sangue de inocentes respinga por todos os lados. O que mais dói é constatar que existem os amantes da guerra, inflados de arrogância, dispostos a usar a violência sistemática para fazer valer seus interesses globais. E em nome disso podem ganhar eleições. E deixam claro que não aceitam ser afrontados e desafiados por ninguém em nenhuma instância, política, econômica e militar. Não estão nem ai para o caráter inédito da fase planetária da humanidade: ou negociamos as diferenças que provocam conflitos para garantir a sobrevivência de todos ou aceitamos a eventual auto-destruição da espécie humana. São tão centrados em si mesmos que nem se dão conta da dramaticidade desta situação. Esta tragédia nos faz pensar: por que tanto mal nas coisas e nas pessoas? Finalmente para onde vamos dentro desta nave espacial pequena, azul-branca, que perambula no espaço intersolar, a Terra? Temos que pensar para não desesperar. O primeiro a fazer é assumir que existe a dimensão de tragédia. Quer queiramos ou não, somos confrontados com a concretude brutal do mal. E o mal representa o limite para a nossa razão. Ele é simplesmente incompreensível. E ao mesmo tempo ele é inaceitável. O segundo a fazer é recusar- se ao mal e definir-se como um combatente contra o mal. Ele não está ai para ser compreendido mas para ser combatido. Entendemos que o grau mais alto de humanidade consiste em empenhar sua vida e até em doá-la na luta contra os poderes do mal. Recusamo-nos a aceitar que ele tenha a última palavra. Se assim for, então, definitivamente, nada mais vale a pena. O terceiro a fazer é aceitar que o mundo não é redondo, mas inacabado. Ele está nascendo e ainda não acabou de nascer. Compete a nós, lutando contra o mal, fazê-lo nascer acabado e melhor. A figura história de Jesus de Nazaré, independente da fé que tenhamos, nos oferece talvez alguma inspiração. Ele se recusou a explicar a tragédia humana e a presença do mal. Isso o teria enredado em discussões sem fim, como se enredaram Sócrates e discípulos na agorá de Atenas. Mas nem por isso deixou de lutar. Passou sua vida desmascarando a mentira, denunciando as ilusões da riqueza e combatendo as injustiças. E cheio de compaixão com os que sofriam, curava e multiplicava pães e peixes. O mais excelente que se disse dele foi conservado pelo evangelista Marcos: "ele passou a vida fazendo o bem". Que lição devemos tirar disso tudo? Que na história nos é negada uma síntese harmoniosa. Todas as narrativas totais, sistemas filosóficos fechados, caminhos espirituais que prometem a harmonia completa são enganosos e ilusórios. Prometem o que não podem dar. O que podemos e devemos é posicionar-nos nesse embate que, na história, não encontra sua equação adequada. Devemos estar decididamente contra o mal. Isso implica estar contra nós mesmos, pois notamos que ele também nos habita. Por isso somos seres ambiguos, cristos e anticristos, anjos e demônios. Mas podemos e devemos optar pelo cristo e pelos anjos benfazejos. É a forma como entramos na luta e reforçamos aquele lado que, no fim, cremos ser o único a dar sentido à história. * Leonardo Boff é Teólogo.
https://www.alainet.org/fr/node/110679
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