Patrus Ananias e o Fome Zero
29/11/2004
- Opinión
Os vínculos que me unem ao ministro Patrus Ananias
transcendem, e muito, a coincidência de atuarmos juntos no
Fome Zero, convocados pelo Presidente Lula. Como outros
ministros (Miguel Rossetto, José Fritsch, Olívio Dutra, Marina
Silva etc.), Patrus iniciou a sua militância junto aos
movimentos pastorais. Homem de profunda fé cristã, conhece em
detalhes a obra de Jacques Maritain. Advogado e professor
universitário, seu talento como administrador fez dele um dos
melhores prefeitos da história de Belo Horizonte. Graças à sua
administração, o PT plantou as bases que tornaram exitoso o
trabalho dos prefeitos que o sucederam, Célio de Castro e
Fernando Pimentel, agora reeleito.
Quanto ao Fome Zero, nunca houve divergência entre mim e
Patrus, apenas diferenças de opinião. Após a saída do ministro
Graziano, fui incumbido pelo Presidente de recepcionar da
melhor forma possível o novo ministro do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome, já que acompanho desde o início a
implantação do Fome Zero.
Tive, sim, diferenças de pontos de vista com funcionários do
MDS que tentavam convencer o ministro Patrus a sepultar os
Comitês Gestores e, portanto, desmobilizar o controle social
das políticas públicas. Jamais aceitei que o pacto federativo
se resuma na parceria entre União, Estado e município.
Presidentes, governadores e prefeitos são delegados das
aspirações populares. São eleitos e aos eleitores devem
prestar contas.
Os Comitês Gestores são a versão federal do orçamento
participativo, que fortalece a democracia em tantos municípios
brasileiros.
Através do gabinete de Mobilização Social, vinculado à
Presidência da República, não medi esforços para motivar a
sociedade, sobretudo seus segmentos organizados, a assumir um
papel ativo, de protagonistas na implementação de políticas
públicas. Percorri o país estimulando os governadores a
fundarem, em seus estados, os Conselhos de Segurança Alimentar
e Nutricional (Conseas), que hoje são realidade em todas as
unidades da federação. Incentivei, sobretudo, a formação de
uma ampla rede de educação cidadã, conhecida como Talher. Pois
não basta oferecer à família de baixa renda políticas
compensatórias, como a transferência de recursos financeiros.
Isso é importante e, malgrado casos de desvios e corrupção,
que são exceções, o Bolsa Família já beneficia cerca de 5
milhões de famílias.
Porém, elas só farão o percurso da exclusão à inclusão social
na medida em que o acesso à renda for consolidado por
políticas estruturantes, como a reforma agrária, o
fortalecimento da agricultura familiar, o cooperativismo de
produção, o microcrédito, a economia solidária, o comércio
justo etc.
Essa é a parte mais complexa do Fome Zero, que exige uma
sinergia dinâmica de todos os ministérios e órgãos do governo
federal, adequando inclusive o modelo econômico às prioridades
sociais.
Minha saída do governo Lula nada tem a ver com o debate
interno quanto aos rumos do Fome Zero. O Presidente Lula já
nos deu régua e compasso para o Fome Zero, o grande arco de
políticas públicas no qual se inclui o programa Bolsa Família.
Agora, os Comitês Gestores serão reativados e há consenso de
que o controle social é imprescindível; a educação cidadã é
indispensável; e as contrapartidas, como saúde, alfabetização
e escolaridade, devem ser eficazes. Terminarão os casos
de desvios e corrupção? Infelizmente não somos capazes de
criar um programa de erradicação do pecado original como
fizemos para a fome. Mas até os cegos percebem que nunca
houve, na história do Brasil, tanto empenho do governo federal
para levar à barra dos tribunais os corruptos, vistam ou não
colarinho branco.
O ministro Patrus Ananias herdou os Ministérios de Assistência
Social, de Segurança Alimentar e a Secretaria do Bolsa
Família. Dedicou-se, em 2004, à delicada engenharia de fundi-
los no Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome
(MDS), sem prejuízo do avanço dos programas sociais e das
políticas públicas que coordena. Agora que o Presidente lhe
deu sinal verde para assegurar a coesão necessária à sua
equipe, tenho certeza de que o Fome Zero, em 2005, chegará
próximo à meta de beneficiar 11,4 milhões de famílias e
proporcionar a elas condições de inclusão social pelo acesso
ao trabalho e à renda.
Na trincheira vizinha, a da sociedade civil, estarei orando e
torcendo pelo ministro Patrus Ananias e o êxito do governo
Lula..
* Frei Betto é escritor, autor de ³Gosto de Uva escritos
selecionados² (Garamond), entre outros livros.
https://www.alainet.org/fr/node/110968?language=en
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