Elogio à loucura de Dom Luis

13/10/2005
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Opinión
-A +A
Dom Frei Luis Flávio Cappio foi aluno meu de teologia em Petrópolis nos anos 1970 e 1971. Destacava-se dos demais confrades por um compromisso radical com os pobres e por uma aura de simplicidade e santidade que irradiava. Ficou me devendo o trabalho de fim de curso: uma tesina de pelo menos 30 páginas. No último dia, antes de ser transferido para São Paulo colocou debaixo da porta de minha cela uma página onde se lia: "depois de 5 anos de estudo, reflexão e oração foi o que restou de minha teologia". E transcrevia em grego, latim e português o pai-nosso, a oração do Senhor. Sempre que o encontrava cobrava-lhe o trabalho. Em 1975, numa quinta-feira santa despareceu do convento em São Paulo. Três dias após num altar lateral da igreja encontraram uma carta dele onde revelava sua decisão de ir aos mais pobres dos pobres e servi-los em nome do evangelho. Saiu de hábito e só com o evangelho. Pegou carona de caminhoneiros. Dois meses após chegou em Barra na Bahia. Com seu burel de frade, sandálias franciscanas e com o evangelho na mão pregava pelos vilarejos ribeirinhos. Quando foi identificado, o superior provincial me telefonou e disse: "Frei Luis ficou louco, temos que buscá-lo". Eu lhe respondi:" Padre Provincial, abra o evangelho de São Marcos e leia no capítulo 3 versículo 21:"Quando os familiares souberam que Jesus pregava por ai, sairam para agarrá-lo, pois diziam: ele está louco". Algo semelhante ocorreu com São Paulo que pregava a cruz de Cristo, escândalo para os judeus, loucura para os pagãos e salvação para os cristãos. O mesmo aconteceu com São Francisco de Assis quando lhe sugeriram seguir as regras monásticas existentes ao invés da radical identificação com os pobres. Respondeu ao enviado do Papa:"Deus me chamou a seguir a via da simplicidade; não quero que me falem de outras regras; o Senhor me revelou a sua vontade de que fosse um novo louco no mundo". Dom Luis Flávio Cappio ao decidir entrar em greve de fome disse: "quando a razão se extingue, a loucura é o caminho". Essa loucura não é loucura, é outra lógica, do amor, da criatividade, daquilo que é trans-sistêmico. Se há alguém que conhece o vale do rio São Francisco é o bispo Dom Frei Luis. De 1992 a 1993 percorreu com um pequeno grupo todo o vale, visitando os ribeirinhos, anotando os problemas e sugerindo medidas ecológicas. Lula na caravana do São Francisco da qual participei, recebeu das mão de Frei Luis todo o material que os técnicos valorizaram enormente. Como é um homem espiritual e de grande santidade pessoal, Dom Frei Luis desenvolveu especial tino para as coisas dos pobres e da degradação do Velho Chico. O Governo fala de soluções técnicas. Ele fala de soluções sociais. Não é contra a transposição. É contra este tipo de transposição que não foi adequadamente discutida com os atingidos e que não garante a solução social. Num mundo onde tudo vira mercadoria e ocasião de lucro as águas transpostas servirão em 70% ao agronegócio de exportação. Os Estados devem distribuir o resto ao povo sedento. Irão fazê-lo sem cobrar? Dom Frei Luis em 30 anos de identificação com os pobres do vale entendeu onde está o impasse. Fez-se "louco de Deus", portador de uma sabedoria mais alta. - Leonardo Boff é Teólogo.
https://www.alainet.org/fr/node/113224
S'abonner à America Latina en Movimiento - RSS