Era uma vez três companheiros

31/07/2006
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Inácio nasceu no país basco há mais de 500 anos e seguiu a carreira militar. Servia ao rei da Espanha e desde cedo foi cheio de ideais e coragem. Era um rapaz alegre, que gostava de festas, vinho e...belas moças. Mas seu coração mirava alto. Apesar de se divertir com as damas de seu tempo, uma só ocupava seu pensamento e coração: a princesa filha do rei. Por ela vivia e suspirava, a ela no fundo servia quando servia ao rei. Um dia, em meio a uma batalha contra os franceses foi ferido gravemente na perna. Além de fazê-lo coxo para o resto da vida, o acidente obrigou-o a um longo repouso. Percebeu, então, que havia alguém maior que a dama de seus pensamentos e a quem desejava mais que tudo entregar o coração e a vida: Deus. Saiu da cama transformado de cavaleiro e gentil-homem em peregrino da vontade de Deus. Andou pela Espanha de seu tempo. Fez penitência, rezou, descobriu muitas coisas, aprendeu de Deus maravilhas sobre o mundo, a humanidade e o amor. Conheceu gente e fez amizades. Mas sempre sonhava em ter um grupo de companheiros com quem pudesse fazer um projeto de vida. Gente que acreditasse como ele, sonhasse como ele e como ele desejasse apenas uma coisa: entregar a vida a Deus para construir seu Reino. Mal sabia que há muito tempo Deus lhe preparava dois encontros que iriam saciar seus desejos. Francisco Xavier nasceu há 500 anos, no castelo que levava o nome de sua família, em Navarra, Espanha. Nobre e bem educado, exímio esportista e de rara inteligência tinha abertas diante de si as estradas de todos os êxitos. Terminou sua educação na Universidade de Paris e lá encontrou um incômodo sujeito que mancava de uma perna; chamava-se Inácio e insistia em persegui-lo: “Xavier, de que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro se vier a perder sua alma?” Xavier não sabia mais o que fazer para livrar-se daquele inesperado companheiro que não saía de seu lado, repetindo-lhe sempre a mesma frase. Aos poucos foi sendo conquistado pelo coxo de olhos penetrantes e fina inteligência. E ­ mais importante ­ acreditou em suas palavras. Começou a perguntar-se onde o estava levando aquela vida de vaidades e sucessos fáceis? Entrou no grupo que Inácio já começara a formar com outros e foi, desde então, um de seus mais fiéis companheiros. Pedro Fabro nasceu na Savóia. Era pessoa refinada e extremamente sensível, com grande abertura para as coisas do espírito. Ao ir estudar em Paris, coube-lhe como companheiro de quarto um certo homem mais velho e coxo, chamado Inácio. Figura um pouco estranha e olhada de soslaio pelos professores, que não sabiam bem a que vinha, estudando naquela idade e falando de Deus a todo mundo que encontrava. Entre o suíço Fabro e o basco Inácio foi nascendo, pouco a pouco, uma amizade sólida e fundada em algo mais que a simples afinidade de gostos e afetos. Logo Fabro percebeu que aquele homem era um mestre espiritual e deixou-se docilmente conduzir por ele na experiência dos Exercícios Espirituais. Inácio, experiente e inspirado artesão de almas, cativou o sensível coração de Fabro, que foi o primeiro membro do novo grupo que se formava e marcaria a história da humanidade: a Companhia de Jesus. Outros se juntaram e chegaram a ser nove os companheiros que em Montmartre se comprometeram a levar uma vida de pobreza e castidade, enquanto rezavam para descobrir o que Deus queria deles. “Nove amigos meus no Senhor”, escreveu mais tarde Inácio, ao descrever aqueles homens a quem amava com profunda e verdadeira amizade. Hoje, 500 anos depois do nascimento de Xavier e Fabro, 450 anos depois da morte de Inácio, os companheiros cresceram muito não só em número, mas também em organização, presença e visibilidade pelos quatro cantos do planeta. A Companhia de Jesus, fundada pelo grupo inicial e posta à disposição do Papa para toda missão de que a Igreja necessite, encontra-se nos mais diferentes serviços e apostolados pelo mundo inteiro: da cátedra ao cuidado de leprosos; da pesquisa teológica ao trabalho pastoral em favelas, mocambos e bairros miseráveis nas mais pobres regiões do globo; do teatro e da música ao serviço aos refugiados de toda sorte, aos ³boat people² e aos migrantes ilegais. A todos, porém, une uma experiência comum, que herdaram dos primeiros companheiros: a de serem amigos no Senhor e partilharem juntos um sonho, uma espiritualidade e uma missão: servir na Igreja ao projeto de Jesus. - Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. È autora de "Deus amor: graça que habita em nós” (Editora Paulinas), entre outros livros. (wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape)
https://www.alainet.org/fr/node/116372
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