Campanha contra a Dívida Externa agenda protestos para 2007
24/01/2007
- Opinión
O repúdio ao pagamento da dívida revela um posicionamento de ordem político que combate tal mecanismo como “instrumento de controle" e de barganha para melhores condições econômicas para instalação de multinacionais, desenvolvimento de políticas externa e militar, acordos comerciais e extração de recursos naturais em países endividados.
Nairóbi – ONGs e movimentos sociais que trabalham com o tema da dívida externa marcaram sua “Semana Global de Luta contra a Dívida” para os dias 15 a 21 de outubro, coincidindo as datas do encontro anual do Bando Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), em Washington. A campanha lutará para que os governos do Norte cancelem as dívidas que mantêm com países do Sul e estes, por sua vez, declarem repúdio a seus débitos. Ações para que países realizem auditorias também serão planejadas.
“É um escândalo que o mundo rico demande do Sul centenas de milhões de dólares todos os dias como pagamento por dívidas que nasceram a partir de relações econômicas injustas que empobreceram o Sul e enriqueceram o Norte”, afirma o documento, aprovado nesta quarta-feira (24) por uma série de organizações, como o Jubileu Sul e o Comitê pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo, no Fórum Social Mundial do Quênia.
A declaração trata a dívida como um problema de ordem política. Usada como um “instrumento de controle”, é através dela que muitas vezes os países ricos barganham melhores condições econômicas para suas multinacionais, desenvolvem suas políticas externa e militar, firmam acordos comerciais e promovem a extração de recursos naturais. Além disso, o texto diz que a dívida é “ilegítima”, porque boa parte dela foi feita por governos não eleitos democraticamente e fiéis aos países do norte, ou ainda em momentos históricos conturbados.
Segundo o haitiano Camille Chalmes, da Plataforma Haitiana em Defesa de um Desenvolvimento Alternativo (Papda) e do Jubileu Sul, as organizações também querem reforçar a idéia de que os países do Norte devem pagar reparações históricas aos do Sul. A França, por exemplo, cobrou um valor equivalente ao orçamento anual de seu Estado na época para conceder a independência do Haiti, em 1804, após uma vitoriosa revolta de escravos. “Esse é o caso de muitas ex-colônias”, diz Chalmes. “Demoramos mais de 100 anos para fazer o pagamento. Chegamos a cortar árvores para vender a madeira e conseguir o dinheiro. A existência dessa dívida acelerou o desmatamento do país e hoje só 2% de nosso território têm cobertura vegetal original”, completou.
Recente anistia
O tema da dívida externa voltou a ganhar força há menos de dois anos. Em 2005, o G-8, grupo dos países mais ricos do mundo mais a Rússia, anunciou que o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco de Desenvolvimento Africano não mais cobrariam a dívida de pelo menos 19 nações listadas no Grupo de Países Altamente Endividados, além de Camboja e Tajiquistão. A iniciativa seria o primeiro passo de um programa de redução da dívida que envolveria pelo menos US$ 40 bilhões em 40 anos.
Apesar do anúncio cheio de pompas feito pelo chanceler britânico Gordon Brown, que classificou o momento como “histórico”, a redução da dívida de alguns países foi pequena, como é o caso de nações latino-americanas. Nicarágua, Honduras e Bolívia, por exemplo, foram anistiados em 23%, 28% e 31%, respectivamente. Mas nos países onde a redução foi maior, como Uganda e Tanzânia (79 e 74%), os benefícios já começam a ser sentidos.
Sem ter de pagar mensalmente parcelas da dívida, tem sobrado mais dinheiro em caixa para investimentos em programas sociais. A rede de ONGs européias Eurodad compilou dados para mostrar que ações desse tipo ajudam a elevar investimentos nas áreas de saúde e educação. No caso de Uganda, o número de jovens no ensino primário dobrou e na Tanzânia foram eliminadas as taxas antes cobradas na educação elementar, aumentando em 66% o nível de atendimento.
A Rede Jubileu Sul, porém, vê uma série de problemas nos tipos de cancelamentos que regularmente são propostos pelo G-8, Banco Mundial e FMI. A avaliação é que essas instituições usam anistias parciais de dívida para impor uma série de “condicionalidades”. Assim, os países devedores só podem entrar no programa ou receber novos empréstimos se seguirem uma cartilha pré-estabelecida, que prevê, entre outros pontos, abertura financeira e privatizações.
Pelo menos não foi esse o caso desta última anistia anunciada pelo G-8 na chamada Iniciativa Multilateral de Alívio à Dívida. A pressão dos ativistas ajudou para que as tais condicionalidades não fossem impostas desta vez, segundo o Eurodad, de modo que os governos podem aplicar os recursos que sobram no caixa nos programas que bem entenderem. Mas um problema à vista é que, no futuro, o montante máximo de empréstimos obtidos por esses países anistiado sofrerá um desconto em valor igual ao da dívida perdoada.
São detalhes como esses, que ficam no pé das páginas dos jornais, que ONGs e movimentos sociais que trabalham com o tema da dívida externa querem denunciar. O fortalecimento de redes internacionais é uma das estratégias para ampliar a ressonância de campanhas que mostrem que a dívida externa é um problema tão político quanto econômico. De acordo com Camille Chalmes, a realização do Fórum no Quênia ajudou a incorporar mais movimentos africanos nessa rede. “Há muitos trabalhos já feitos aqui que não conhecíamos e nossa rede africana já tem três comitês”, comemora.
Campanha no Brasil
O Brasil também faz parte desse movimento. Segundo o socioeconomista Marcos Arruda, coordenador do Instituto Políticas Alternaticas para o Cone Sul (Pacs), a Constituição de 1988 prevê a realização de uma auditoria da dívida, mas ela nunca foi realizada. Em 1931, o governo brasileiro realizou uma auditoria, e descobriu que parte dos pagamentos que o país vinha fazendo referiam-se a títulos não existentes no papel.
Um estudo do belga Eric Toussant, do Comitê pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo, aponta que esse foi um dos fatores que ajudaram a derrubar o tamanho da dívida brasileira de US$ 1,294 bilhões, em 1930, para US$ 597 bilhões, em 1948. Em 2000, um plebiscito nacional organizado pelo Jubileu Sul e a Igreja Católica entre a população somou mais de 6 milhões de votos, dos quais 92% disseram “não à dívida e sim à vida”. Até hoje, porém, nenhuma auditoria foi feita.
Nairóbi – ONGs e movimentos sociais que trabalham com o tema da dívida externa marcaram sua “Semana Global de Luta contra a Dívida” para os dias 15 a 21 de outubro, coincidindo as datas do encontro anual do Bando Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), em Washington. A campanha lutará para que os governos do Norte cancelem as dívidas que mantêm com países do Sul e estes, por sua vez, declarem repúdio a seus débitos. Ações para que países realizem auditorias também serão planejadas.
“É um escândalo que o mundo rico demande do Sul centenas de milhões de dólares todos os dias como pagamento por dívidas que nasceram a partir de relações econômicas injustas que empobreceram o Sul e enriqueceram o Norte”, afirma o documento, aprovado nesta quarta-feira (24) por uma série de organizações, como o Jubileu Sul e o Comitê pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo, no Fórum Social Mundial do Quênia.
A declaração trata a dívida como um problema de ordem política. Usada como um “instrumento de controle”, é através dela que muitas vezes os países ricos barganham melhores condições econômicas para suas multinacionais, desenvolvem suas políticas externa e militar, firmam acordos comerciais e promovem a extração de recursos naturais. Além disso, o texto diz que a dívida é “ilegítima”, porque boa parte dela foi feita por governos não eleitos democraticamente e fiéis aos países do norte, ou ainda em momentos históricos conturbados.
Segundo o haitiano Camille Chalmes, da Plataforma Haitiana em Defesa de um Desenvolvimento Alternativo (Papda) e do Jubileu Sul, as organizações também querem reforçar a idéia de que os países do Norte devem pagar reparações históricas aos do Sul. A França, por exemplo, cobrou um valor equivalente ao orçamento anual de seu Estado na época para conceder a independência do Haiti, em 1804, após uma vitoriosa revolta de escravos. “Esse é o caso de muitas ex-colônias”, diz Chalmes. “Demoramos mais de 100 anos para fazer o pagamento. Chegamos a cortar árvores para vender a madeira e conseguir o dinheiro. A existência dessa dívida acelerou o desmatamento do país e hoje só 2% de nosso território têm cobertura vegetal original”, completou.
Recente anistia
O tema da dívida externa voltou a ganhar força há menos de dois anos. Em 2005, o G-8, grupo dos países mais ricos do mundo mais a Rússia, anunciou que o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco de Desenvolvimento Africano não mais cobrariam a dívida de pelo menos 19 nações listadas no Grupo de Países Altamente Endividados, além de Camboja e Tajiquistão. A iniciativa seria o primeiro passo de um programa de redução da dívida que envolveria pelo menos US$ 40 bilhões em 40 anos.
Apesar do anúncio cheio de pompas feito pelo chanceler britânico Gordon Brown, que classificou o momento como “histórico”, a redução da dívida de alguns países foi pequena, como é o caso de nações latino-americanas. Nicarágua, Honduras e Bolívia, por exemplo, foram anistiados em 23%, 28% e 31%, respectivamente. Mas nos países onde a redução foi maior, como Uganda e Tanzânia (79 e 74%), os benefícios já começam a ser sentidos.
Sem ter de pagar mensalmente parcelas da dívida, tem sobrado mais dinheiro em caixa para investimentos em programas sociais. A rede de ONGs européias Eurodad compilou dados para mostrar que ações desse tipo ajudam a elevar investimentos nas áreas de saúde e educação. No caso de Uganda, o número de jovens no ensino primário dobrou e na Tanzânia foram eliminadas as taxas antes cobradas na educação elementar, aumentando em 66% o nível de atendimento.
A Rede Jubileu Sul, porém, vê uma série de problemas nos tipos de cancelamentos que regularmente são propostos pelo G-8, Banco Mundial e FMI. A avaliação é que essas instituições usam anistias parciais de dívida para impor uma série de “condicionalidades”. Assim, os países devedores só podem entrar no programa ou receber novos empréstimos se seguirem uma cartilha pré-estabelecida, que prevê, entre outros pontos, abertura financeira e privatizações.
Pelo menos não foi esse o caso desta última anistia anunciada pelo G-8 na chamada Iniciativa Multilateral de Alívio à Dívida. A pressão dos ativistas ajudou para que as tais condicionalidades não fossem impostas desta vez, segundo o Eurodad, de modo que os governos podem aplicar os recursos que sobram no caixa nos programas que bem entenderem. Mas um problema à vista é que, no futuro, o montante máximo de empréstimos obtidos por esses países anistiado sofrerá um desconto em valor igual ao da dívida perdoada.
São detalhes como esses, que ficam no pé das páginas dos jornais, que ONGs e movimentos sociais que trabalham com o tema da dívida externa querem denunciar. O fortalecimento de redes internacionais é uma das estratégias para ampliar a ressonância de campanhas que mostrem que a dívida externa é um problema tão político quanto econômico. De acordo com Camille Chalmes, a realização do Fórum no Quênia ajudou a incorporar mais movimentos africanos nessa rede. “Há muitos trabalhos já feitos aqui que não conhecíamos e nossa rede africana já tem três comitês”, comemora.
Campanha no Brasil
O Brasil também faz parte desse movimento. Segundo o socioeconomista Marcos Arruda, coordenador do Instituto Políticas Alternaticas para o Cone Sul (Pacs), a Constituição de 1988 prevê a realização de uma auditoria da dívida, mas ela nunca foi realizada. Em 1931, o governo brasileiro realizou uma auditoria, e descobriu que parte dos pagamentos que o país vinha fazendo referiam-se a títulos não existentes no papel.
Um estudo do belga Eric Toussant, do Comitê pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo, aponta que esse foi um dos fatores que ajudaram a derrubar o tamanho da dívida brasileira de US$ 1,294 bilhões, em 1930, para US$ 597 bilhões, em 1948. Em 2000, um plebiscito nacional organizado pelo Jubileu Sul e a Igreja Católica entre a população somou mais de 6 milhões de votos, dos quais 92% disseram “não à dívida e sim à vida”. Até hoje, porém, nenhuma auditoria foi feita.
Fonte: Carta Maior
http://agenciacartamaior.uol.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=13376
https://www.alainet.org/fr/node/118933
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