Ser professor: paixão ou adicção?
15/10/2007
- Opinión
Ninguém tem algo por que viver se não tem ao mesmo tempo algo por que morrer. O ser humano tem necessidade de apaixonar-se, de canalizar com todas as forças seus desejos, energias, impulsos vitais e recursos internos e externos em direção a um objetivo no qual acredita apaixonadamente. E a ele dedicar-se com tudo que é e possui. Com intensa paixão.
Parece-me que um dos problemas de nossa cultura hoje é que há pouca paixão. As pessoas não enxergam mais razões e causas pelas quais entregar-se, pelas quais dar a vida. E assim não encontram igualmente motivações para viver intensamente. E em lugar da paixão encontram a adicção. Pois onde não há paixão, há adicção.
Nossas fomes viscerais, os desejos que nos devoram as entranhas, não encontram caudais suficientemente volumosos para jorrar. E então se atrofiam, permanecendo reféns de uma triste mediocridade. Ou se agarram fanaticamente a ídolos, marcas, logos, objetos de consumo que lhes acalma momentânea e passageiramente o desejo para depois fazê-lo ressurgir mais feroz que nunca, esporeado pela frustração e o desalento. Surge então a adicção que mina as forças e encolhe a cabeça. E, pior que tudo, anestesia a paixão.
Estranha reflexão para celebrar o Dia do Professor? Não creio, já que estou convencida, após 25 anos neste labor diuturno, cansativo e fascinante, de que educar é questão de paixão. Se não há paixão, não há empenho nem compromisso possível com a sala de aula. O diálogo com os alunos e o trabalho incessante de rasgar horizontes e abrir fronteiras afiguram-se como tarefa monótona e infrutífera. O desalento ronda como dragão e quando menos se espera deu o golpe mortal sobre a paixão.
Se isso é verdade universalmente, quanto mais no Brasil de hoje, onde a educação encontra-se cada vez mais humilhada, desatendida e espezinhada. As prioridades nacionais apontam muito mais na direção da adicção: as oscilações do dólar, a inflação que sobe ou baixa, os escândalos do Senado, a capa do Play Boy. E as inexplicáveis, ocas e repugnantes cenas do Big Brother ou equivalentes.
Enquanto isso, as escolas caem aos pedaços, destartaladas e em ruínas. Os professores devem dar aulas em cinco ou seis lugares diferentes, para poder sobreviver e isso significa que não darão em lugar nenhum aula digna desse nome. E abandonarão o magistério para dedicar-se a tarefa mais rentável, que pode ser trabalhar em loja, dirigir um táxi ou virar sacoleiro, vendendo bijuterias e roupas íntimas em casas e escritórios vários.
Porém, graças a Deus existem os apaixonados. Os que acreditam e amam. E porque amam com paixão apostam que o ser humano tem potencial criador e foi feito para voar alto. E por isso usam como instrumento de trabalho a garganta, o giz e o quadro-negro. Escrevem textos e preparam apostilas. Emprestam livros para os alunos que não têm dinheiro para comprá-los. Permanecem após o horário das aulas conversando com os jovens sedentos de prosseguir o diálogo que lhes abre novos mundos com os quais sonhar e nos quais viver.
Onde não houver adicção, haverá paixão. Onde o melhor que há nos seres humanos não estiver totalmente anestesiado, ali estará um professor. E um aluno. E ali germinará entre ambos um processo educativo que encontrará sua fonte na paixão pela vida, na fé que responde ao desvelamento dos mistérios do conhecimento com reverência e zelo.
Por isso, penso emocionada em todos os professores que marcaram minha vida e me fizeram acreditar na educação como caminho e estilo de vida. Em todos os colegas que ao longo de 25 anos me ensinaram e ensinam a beleza de compartilhar uma paixão. Em todos os alunos que entra ano, sai ano, me revelam quem sou: professora apaixonada pelo que faz e desejosa de fazê-lo sempre melhor. Feliz Dia do Professor a todos e todas! Sigamos apaixonados! Apesar de tudo, vale a pena.
-Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Autora de "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco). wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape
Parece-me que um dos problemas de nossa cultura hoje é que há pouca paixão. As pessoas não enxergam mais razões e causas pelas quais entregar-se, pelas quais dar a vida. E assim não encontram igualmente motivações para viver intensamente. E em lugar da paixão encontram a adicção. Pois onde não há paixão, há adicção.
Nossas fomes viscerais, os desejos que nos devoram as entranhas, não encontram caudais suficientemente volumosos para jorrar. E então se atrofiam, permanecendo reféns de uma triste mediocridade. Ou se agarram fanaticamente a ídolos, marcas, logos, objetos de consumo que lhes acalma momentânea e passageiramente o desejo para depois fazê-lo ressurgir mais feroz que nunca, esporeado pela frustração e o desalento. Surge então a adicção que mina as forças e encolhe a cabeça. E, pior que tudo, anestesia a paixão.
Estranha reflexão para celebrar o Dia do Professor? Não creio, já que estou convencida, após 25 anos neste labor diuturno, cansativo e fascinante, de que educar é questão de paixão. Se não há paixão, não há empenho nem compromisso possível com a sala de aula. O diálogo com os alunos e o trabalho incessante de rasgar horizontes e abrir fronteiras afiguram-se como tarefa monótona e infrutífera. O desalento ronda como dragão e quando menos se espera deu o golpe mortal sobre a paixão.
Se isso é verdade universalmente, quanto mais no Brasil de hoje, onde a educação encontra-se cada vez mais humilhada, desatendida e espezinhada. As prioridades nacionais apontam muito mais na direção da adicção: as oscilações do dólar, a inflação que sobe ou baixa, os escândalos do Senado, a capa do Play Boy. E as inexplicáveis, ocas e repugnantes cenas do Big Brother ou equivalentes.
Enquanto isso, as escolas caem aos pedaços, destartaladas e em ruínas. Os professores devem dar aulas em cinco ou seis lugares diferentes, para poder sobreviver e isso significa que não darão em lugar nenhum aula digna desse nome. E abandonarão o magistério para dedicar-se a tarefa mais rentável, que pode ser trabalhar em loja, dirigir um táxi ou virar sacoleiro, vendendo bijuterias e roupas íntimas em casas e escritórios vários.
Porém, graças a Deus existem os apaixonados. Os que acreditam e amam. E porque amam com paixão apostam que o ser humano tem potencial criador e foi feito para voar alto. E por isso usam como instrumento de trabalho a garganta, o giz e o quadro-negro. Escrevem textos e preparam apostilas. Emprestam livros para os alunos que não têm dinheiro para comprá-los. Permanecem após o horário das aulas conversando com os jovens sedentos de prosseguir o diálogo que lhes abre novos mundos com os quais sonhar e nos quais viver.
Onde não houver adicção, haverá paixão. Onde o melhor que há nos seres humanos não estiver totalmente anestesiado, ali estará um professor. E um aluno. E ali germinará entre ambos um processo educativo que encontrará sua fonte na paixão pela vida, na fé que responde ao desvelamento dos mistérios do conhecimento com reverência e zelo.
Por isso, penso emocionada em todos os professores que marcaram minha vida e me fizeram acreditar na educação como caminho e estilo de vida. Em todos os colegas que ao longo de 25 anos me ensinaram e ensinam a beleza de compartilhar uma paixão. Em todos os alunos que entra ano, sai ano, me revelam quem sou: professora apaixonada pelo que faz e desejosa de fazê-lo sempre melhor. Feliz Dia do Professor a todos e todas! Sigamos apaixonados! Apesar de tudo, vale a pena.
-Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Autora de "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco). wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape
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