Sobre natal, gravidez, gestação e esperança
24/12/2007
- Opinión
Natal é tempo de gravidez. Gravidez de esperança pelo novo que vem em forma de menino, humano e indefeso, nascido de mulher. E é a esse mistério tão singelo e despretensioso, mistério pelo qual o mundo é mundo e a cadeia da humanidade segue adiante por séculos e milênios que a fé cristã atribui a salvação do mundo. É nesse mistério de esperança frágil e desprotegida, exposta a todas as intempéries que a revelação afirma que chegou a plenitude dos tempos.
O que acontece no ventre de Maria e que aconteceu, acontecia, acontecera e acontecerá nas entranhas de todas as Marias, Ednas, Joanas, Cristinas e Anas que povoaram, povoam e povoarão a terra é o atestado de que a esperança é o que move o mundo e quando parece já não haver mais nada a esperar a convicção de que em algum lugar, em alguma parte, uma mulher grávida dará à luz um filho. E a esperança recomeçará a brotar da aparente esterilidade que ameaça assolar e ressecar a face da terra.
O Natal, portanto, é tempo de gravidez e gestação. Neste menino pequeno e recém-nascido ao frio e ao calor, à fome e à sede, à saciedade e ao carinho, à dor e à alegria se encarnou a Palavra que vinha germinando nos sulcos do mundo, nas veias da história, e nas entranhas maternais de todo instante, desde o começo dos tempos. Quando o Pai contraiu suas entranhas paterno-maternais para dar lugar ao que não era divino e criar o cosmos, já a esperança habitou o fundo da terra, anunciando o desejado dia em que a criação voltaria a ser semelhante ao criador do qual era imagem.
Na plenitude dos tempos, desde as entranhas da terra e da humanidade, nasceu Jesus, do ventre de Maria de Nazaré. Não desceu do alto, dos espaços siderais em algum vôo de emergência. Brotou de baixo, do humano, da carne vulnerável e mortal. Deus se fez carne em Jesus de Nazaré, herdando em seu peito o sangue e o pranto, as alegrias e os desejos das gerações humanas que o haviam precedido e todos os futuros e mistérios desconhecidos e desejados.
Este é o mistério que hoje celebramos. A justiça e a paz vêm de baixo e vêm dos que estão abaixo. Se a nossa justiça não abarcar esses que estão abaixo e à margem das benesses do progresso e da sociedade em que vivemos, será como a palha que queima e se transforma em cinza. Olhar para baixo: esta é a diretriz que nos é dada neste Natal assim como em todos.
Portanto, que não se abra a terra para semear minas que explodirão vidas humanas em mil pedaços. Que não se abra tampouco a terra para enterrar os cadáveres dos justos e o pranto das viúvas e dos órfãos. Que não se abra jamais para fazer desaparecer os torturados, plantar as sementes envenenadas da cobiça e sepultar os sonhos irrealizados.
Que se abra, sim, a terra para que brote hoje e sempre, com sabor e aroma de novo, frágil e indefesa, a epifania, a manifestação de Deus que se faz criança na carne frágil de Jesus de Nazaré. Que se abra a terra, para que a gravidez universal da criação se torne parto infinito e constante. Que a nova criação seja parida na caridade vivida, nos gestos humildes de amor aprendidos no Deus que desce e se encarna no mais estreito e frágil da Criação da qual é Senhor.
Que a nossa humanidade, enfim, aprenda nesse Natal a abrir-se para acolher o outro que sofre, que chora, que é infeliz. O outro faminto, sedento, cativo e nu. Que o coração seja de carne e não de pedra neste Natal em que Deus, uma vez mais, se encarna fragilmente para ensinar que o amor é flor tão frágil quanto preciosa; tão bela quanto mais indefesa; mais ofuscantemente deslumbrante justamente quando se encontra mais ameaçada. E que é preciso cuidá-la com carinho para que ilumine e encha de beleza o mundo tão cheio de ameaças, guerras e morte. Mundo no qual perdem os que têm razão e ganham os que não a têm. O Natal inverte essa equação e mostra onde está a verdadeira vitória, nos subterrâneos da história, onde se encarna a fragilidade do amor.
Feliz Natal a todos.
- Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros.
O que acontece no ventre de Maria e que aconteceu, acontecia, acontecera e acontecerá nas entranhas de todas as Marias, Ednas, Joanas, Cristinas e Anas que povoaram, povoam e povoarão a terra é o atestado de que a esperança é o que move o mundo e quando parece já não haver mais nada a esperar a convicção de que em algum lugar, em alguma parte, uma mulher grávida dará à luz um filho. E a esperança recomeçará a brotar da aparente esterilidade que ameaça assolar e ressecar a face da terra.
O Natal, portanto, é tempo de gravidez e gestação. Neste menino pequeno e recém-nascido ao frio e ao calor, à fome e à sede, à saciedade e ao carinho, à dor e à alegria se encarnou a Palavra que vinha germinando nos sulcos do mundo, nas veias da história, e nas entranhas maternais de todo instante, desde o começo dos tempos. Quando o Pai contraiu suas entranhas paterno-maternais para dar lugar ao que não era divino e criar o cosmos, já a esperança habitou o fundo da terra, anunciando o desejado dia em que a criação voltaria a ser semelhante ao criador do qual era imagem.
Na plenitude dos tempos, desde as entranhas da terra e da humanidade, nasceu Jesus, do ventre de Maria de Nazaré. Não desceu do alto, dos espaços siderais em algum vôo de emergência. Brotou de baixo, do humano, da carne vulnerável e mortal. Deus se fez carne em Jesus de Nazaré, herdando em seu peito o sangue e o pranto, as alegrias e os desejos das gerações humanas que o haviam precedido e todos os futuros e mistérios desconhecidos e desejados.
Este é o mistério que hoje celebramos. A justiça e a paz vêm de baixo e vêm dos que estão abaixo. Se a nossa justiça não abarcar esses que estão abaixo e à margem das benesses do progresso e da sociedade em que vivemos, será como a palha que queima e se transforma em cinza. Olhar para baixo: esta é a diretriz que nos é dada neste Natal assim como em todos.
Portanto, que não se abra a terra para semear minas que explodirão vidas humanas em mil pedaços. Que não se abra tampouco a terra para enterrar os cadáveres dos justos e o pranto das viúvas e dos órfãos. Que não se abra jamais para fazer desaparecer os torturados, plantar as sementes envenenadas da cobiça e sepultar os sonhos irrealizados.
Que se abra, sim, a terra para que brote hoje e sempre, com sabor e aroma de novo, frágil e indefesa, a epifania, a manifestação de Deus que se faz criança na carne frágil de Jesus de Nazaré. Que se abra a terra, para que a gravidez universal da criação se torne parto infinito e constante. Que a nova criação seja parida na caridade vivida, nos gestos humildes de amor aprendidos no Deus que desce e se encarna no mais estreito e frágil da Criação da qual é Senhor.
Que a nossa humanidade, enfim, aprenda nesse Natal a abrir-se para acolher o outro que sofre, que chora, que é infeliz. O outro faminto, sedento, cativo e nu. Que o coração seja de carne e não de pedra neste Natal em que Deus, uma vez mais, se encarna fragilmente para ensinar que o amor é flor tão frágil quanto preciosa; tão bela quanto mais indefesa; mais ofuscantemente deslumbrante justamente quando se encontra mais ameaçada. E que é preciso cuidá-la com carinho para que ilumine e encha de beleza o mundo tão cheio de ameaças, guerras e morte. Mundo no qual perdem os que têm razão e ganham os que não a têm. O Natal inverte essa equação e mostra onde está a verdadeira vitória, nos subterrâneos da história, onde se encarna a fragilidade do amor.
Feliz Natal a todos.
- Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros.
https://www.alainet.org/fr/node/124903
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