Os filósofos e a crise
- Opinión
Curiosamente, não são poucos os analistas, que vêem a crise atual para além de suas várias expressões (energética, alimentaria, climática, econômico-financeira) como uma crise da ética. A começar pela escassez do crêdito. Crêdito vem do latim credere que significa ter fé e confiança. Essa é uma atitude ética. Ninguém mais confia nos bancos, nas bolsas, nas medidas convencionais. A economia precisa de créditos para funcionar, quer dizer, as instituições e as pessoas precisam de meios nos quais possam confiar e que não sejam vítimas dos Madorffs que pecaram contra a confiança.
Mesmo que a crise demande um novo paradigma para ser sustentável a longo prazo, é urgente encontrar medidas imediatas para que todo o sistema não sossobre, levando tudo de roldão. Seria irresponsabilidade não tomar medidas ainda dentro do sistema, mesmo sem uma solução definitiva.
Vejo dois valores éticos fundamentais que devem estar presentes para que a situação encontre um equilíbrio aceitável. Dois filósofos alemães nos podem iluminar: Immanuel Kant (+1804) e Martin Buber (+1965). O primeiro se refere à boa-vontade incondicional e o segundo à importância da cooperação.
Diz Kant
Vale dizer: quando os G-7 e os G-
Então, a boa-vontade, como valor universal, deve ser cobrada de todos. Caso contrario, não há como salvaguardar as condições ecológicas da reprodução da vida e assegurar razões para vivermos juntos. Na verdade, vivemos num estado de permanente guerra civil mundial. Com a boa vonade de todos podemos alcançar uma paz possível.
Não menos significativa é a contribuição do filósofo judeu-alemão Martin Buber. Em seu livro Eu-Tu de 1923 mostra a estrutura dialogal de toda existência humana pessoal e social. É a partir do tu que o eu se constitui. O “nós” surge pela interação do eu e do tu na medida em que reforçam o diálogo entre si e se abrem a todos os demais outros, até ao totalmente Outro.
Paradigmática é esta sua afirmação: “se vivermos um ao lado do outro (nebeneinander) e não um junto com o outro (miteinander), acabaremos ficando um contra o outro (gegeneinander).
Isso se aplica à situação atual. Nenhum pais pode tomar medidas político-econômicas ao lado dos outros, sem estar junto com os outros. Acabará ficando contra os outros. Ou todos colaboram para uma solução includente ou não haverá solução para ninguém. A crise se aprofundará e acabará em tragédia coletiva. O protecionismo é o maior risco porque provoca conflitos e, em último termo, a guerra. Não poderá ser mundial porque ai sim seria o fim da espécie humana, só regional, mas devastadora. A crise de 1929, mal digerida, ocasionou o nazifacismo e a eclosão da segunda guerra mundial. Não podemos repetir semelhante tragédia.
- Leonardo Boff é Teólogo.
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