A natureza da crise e suas circunstâncias
27/07/2009
- Opinión
Agradeço a oportunidade de estar aqui com vocês, porque sei que se formou, um coletivo de muitos militantes e dirigentes que atuam em diversas esferas da sociedade brasileira e dos movimentos da classe trabalhadora que estão deveras preocupados em debater a situação de nosso país, ainda mais agora diante desse contexto histórico que é marcado por uma situação de crise. E, portanto, acho que a minha obrigação é compartilhar com vocês – os que não estão nessas esferas – para que tenham uma compreensão de qual é o nível do debate que está acontecendo nos movimentos sociais.
Vou dividir a minha exposição em vários capítulos.
1. Leitura dos movimentos sociais sobre a natureza da crise.
Os economistas em geral fazem muitas avaliações, levantando hipóteses, tentando interpretar a natureza da crise. E na imprensa todos os dias há comentários desse tipo e na literatura especializada também há muitos artigos e ensaios. Eu acho que a polêmica maior que ainda pode ter entre aqueles economistas que eu acho que estão em maior número (entre os economistas neoclássicos) e que procuram fazer uma leitura do capitalismo a partir das necessidades do capital, portanto, ideologicamente, se somam aos interesses da burguesia. E esses economistas – acho que já está meio a meio – mas um grande número deles ainda defendem a idéia de que nós estamos vivendo uma crise cíclica, apenas.
E há um outro grupo de economistas, que nós achamos já é majoritário, que defendem que a crise não é cíclica, mas é sistêmica. Qual é a diferença entre as duas, na nossa leitura, mais militante, digamos assim? É que as crises cíclicas, que fazem parte da lógica de funcionamento do capitalismo industrial, portanto nos últimos duzentos anos, de maneira geral, têm ocorrido a cada 10, 15 anos e são de curta duração (em geral, de 3 a 4 anos) e todas essas crises cíclicas eclodem num setor da produção ou apenas em algum país. Essas seriam as características básicas do que se pode chamar de “crise cíclica”. E já andaram fazendo um levantamento, talvez tendo por base os livros do Giovanni Arrighi, que já teriam acontecido mais de 300 crises cíclicas do capitalismo desde a Revolução Industrial pra cá, somadas todas essas que vão acontecendo em cada pais. E portanto eles usam essa estatística pra dizer: “não precisamos nos afobar, isso já aconteceu tantas vezes que nós vamos sair dessa também!”. Aqui no Brasil, podemos classificar, no período mais recente, como crises cíclicas, as que aconteceram na década de 60 - 64, em que houve uma crise do modelo de industrialização dependente; depois nós tivemos outra crise cíclica na década de 80 - 84, que resultou na derrota da ditadura militar com conseqüência; depois no segundo governo do Fernando Henrique, 1998 a 2001, nós enfrentamos uma crise cíclica. Então essas seriam as três crises mais recentes que a economia brasileira enfrentou.
Bem, e há os outros economistas que dizem que estamos diante de uma crise sistêmica, que nesse caso seria uma crise que afeta todo o sistema capitalista, e, em geral, tem sido internacional, ou seja, ela não afeta somente um país ou um setor da economia, mas afeta os pólos centrais da economia capitalista no mundo. E como ilustração dessa crise sistêmica, são citados como exemplos: a crise que ocorreu no final do século XIX (de 1870 a mais 1896), que pra lembrar os mais jovens (que não estavam lá, evidentemente), uma das contradições daquela primeira grande crise sistêmica foi a eclosão da primeira revolta popular-operária – a Comuna de Paris. Depois nós tivemos a crise de 1929 a 1945, que também todos já conhecem, que teve conseqüências muito importantes no capitalismo, na correlação de forças mundial e só se resolveu com a guerra mundial.
Então, nós dos movimentos sociais estamos dizendo que essa crise que estamos entrando agora provavelmente se trata de uma crise sistêmica, e não apenas cíclica. E se é certa essa hipótese (que ainda é uma hipótese, pois estamos ainda no começo dela e podemos estar errados), então seguramente será uma crise prolongada, de no mínimo 5 anos, como José Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia argumenta. E, em média, nós não nos escaparemos de no mínimo 10 anos. Mesmo que o capitalismo queira se rejuvenescer e ingressar num novo ciclo de acumulação, se a crise for de fato sistêmica, eles não conseguem fazer o reajuste em menos de 10 anos.
E também, vários de nossos intelectuais orgânicos têm nos advertido que, além de ser uma crise sistêmica, ela ainda tem algumas características ainda mais preocupantes se comparada com as outras duas.
Pela primeira vez estamos diante de uma crise que não é só internacional, que antes pegava o pólo do capitalismo (EUA e Europa), mas agora é uma crise mundial, que afeta todos os países do mundo. Mesmo a solidária Cuba, se defendendo, resistindo, tentando construir o socialismo, evidentemente está sendo afetada por essa crise. Mesmo o modelo econômico alternativo que o Chávez tenta construir na Venezuela está sendo afetado pela crise. Então ela tem essa natureza que as outras não tiveram, que vai ser uma crise mundial, já está sendo mundial.
Uma característica que vários pensadores agregam é de que ninguém sabe das conseqüências sociais que essa crise terá, porque quando eclodiram as outras crises prolongadas, a maioria da população mundial vivia no meio rural, e como todos aqui – acredito – dominam essa terminologia, o modo de produção dos camponeses não é capitalista, ou seja, o camponês trabalha com mão de obra familiar e ele tem uma outra lógica de produção; a lógica dele não é o lucro, mas primeiro produzir para a sobrevivência e depois vender o excedente no mercado. Portanto, o próprio Marx já tinha chamado a forma camponesa como pré-capitalista, que é verdade, porque essa forma camponesa de produzir bens agrícolas já vem gestada no feudalismo. Então, os camponeses conseguem se proteger mais das crises capitalistas, porque o jeito de produzir não é tipicamente capitalista. Nas outras duas crises, a maior parte da população vivia no campo, e, portanto, conseguia amaciar os efeitos sociais da crise. Agora, pela primeira vez na história, 51% da humanidade mora na cidade, e se tirarmos a Índia e a China, vai pra 70% da população que mora na cidade. Então ninguém sabe mensurar a gravidade dos problemas sociais que uma crise dessa magnitude pode trazer pra essa população, que estando nas grandes cidades, está completamente à mercê da sorte.
A outra característica que todos nos advertem, que também é nova, é que o capital se internacionalizou, se globalizou. Hoje as 500 maiores corporações é que dominam a economia mundial. As 50 maiores corporações têm um PIB, como empresa, maior que os 100 países menores. A sucursal da Petrobrás na Bolívia tem um PIB equivalente a 15% de toda economia nacional da Bolívia. A Vale do Rio Doce tem um PIB uma vez e meia ao PIB do Pará: quem manda mais no Pará, a Dona Ana Júlia ou o Seu Roger Agnelli? Se o Marx tem razão, marquemos nossas próximas audiências com o Roger Agnelli, presidente da Vale, porque ele tem muito mais poder econômico e influência no estado do Pará que a governadora.
Então, voltando à lógica da política, qual é a contradição que está formada? O capital está sendo gerido por forças das grandes corporações. E quais são as medidas políticas que podem enfrentar esse capital a nível internacional? Só um sistema de governança internacional, pra poder botar ordem nesse capitalismo, nessa lógica do capitalismo que circular em nível internacional. E quais são os organismos de governança internacional que nós temos hoje? Todos eles, como dizemos lá no Rio Grande, “mais sujos que pau de galinheiro”, porque todos eles são responsáveis por essa crise. Alguém respeita o Fundo Monetário Internacional? Alguém respeita o Banco Mundial? Francamente, alguém respeita as Nações Unidas? Tem 300 resoluções da ONU sobre a Palestina, Iraque, etc e ninguém respeita. Então, vai ser a ONU que vai regular o capital? É ilusão. Aliás, agora o presidente da Assembléia Geral da ONU, é um antigo militante da esquerda, o padre Miguel D’Escoto, da Nicarágua, está convocando um seminário pelas Nações Unidas para debater a crise e os governos não aceitam. Ou seja, as Nações Unidas não têm cacife para chamar um seminário com os governos para debater a crise, imagine para regular a crise. Então, qual é a contradição que está posta aí? É que o capital é internacional, mas falta um poder político que o regule. Nas outras crises, esse poder político vinha da vitória militar, da guerra. Como agora eles não podem mais fazer guerra mundial (adiante trataremos disso), há uma ausência de poder político que possa regular o capital. Portanto, essa contradição entre o poder econômico e a ausência de poder político pode levar inclusive que a crise se prolongue, ou que a saída seja apenas pelo lado do poder econômico e não das sociedades que estão envolvidas.
A outra característica que eu queria chamar a atenção é de que, durante o século XX, o pólo de acumulação capitalista, do capitalismo industrial, esteve baseado na indústria automobilística. Tudo era em função do automóvel, o automóvel foi a locomotiva da acumulação de capital. Ao redor deles ao formarem as siderúrgicas, as metalúrgicas e os consumidores. E as cidades funcionando apenas para o automóvel. Eu, cada vez que tenho que caminhar a pé em São Paulo fico puto da cara, e quem mora nesse bairro aqui mais ainda, pois até as calçadas não são feitas para o pedestre, são feitas pro automóvel entrar na garagem. Então, eu vivo dizendo pra provocar os paulistanos: amanhã ou depois as funerárias vão oferecer mais esse serviço – o paulistano terá direito de ser enterrado no seu automóvel, com o seu automóvel, porque a paixão que a sociedade industrial criou em torno do automóvel é impressionante! Virou objetivo da vida social, o que é uma ilusão!
Bem, então voltemos a raciocinar juntos. Nas crises cíclicas, por exemplo na indústria automobilística, cai a produção, a taxa de lucro, mas eles dão um jeito de sair da crise e na etapa seguinte de acumulação – o que é normal – volta a indústria automobilística a produzir mais veículos. E volta o lucro e a taxa de acumulação.
Muito bem, então eu lhes pergunto: que tal sair da atual crise produzindo ainda mais automóveis? Será a saída? Não tem saída! São Paulo vocês estão vendo: São Paulo tem 6 milhões de veículos; os físicos já calcularam: se todos os automóveis saírem para a rua, não cabem. Tem que vir a cegonha junto pra ir um em cima do outro. Não cabem todos os veículos em São Paulo se todos eles forem pra rua! Ou seja, é inviável esse modelo de capitalismo industrial baseado no transporte individual. Assim como é inviável, nós termos um novo “boom” de crescimento baseado na indústria automobilística: e o combustível vamos pegar da onde? “Ah, mas o petróleo está estabilizado!” “Tá bom, não dá mais o petróleo vamos para o agrocombustível!” E quanta área agricultável nós vamos ter que plantar de cana? Se aqui em São Paulo já está insuportável com 4 milhões de hectares pra botar 30% do álcool na gasolina, imagine se houver a necessidade de botar 100%? Não há terra! Até o Fidel já fez esse cálculo, não há terra suficiente, pra produzir a cana necessária no mundo, no planeta! Portanto, isso nos leva pra uma reflexão positiva pra classe trabalhadora: que mesmo que o capitalismo saía da crise num novo ciclo de crescimento, certamente, não poderá ser pelo automóvel, pela indústria automobilística. Eles vão ter que inventar outra coisa. E, portanto, as mudanças que virão no novo ciclo, podem afetar os parâmetros atuais de consumo da sociedade.
Bem, e há outros companheiros que também nos chamam atenção sobre as conseqüências climáticas. Porque esse modelo de industrialização, esse padrão de consumo a todo custo pra acumular dinheiro chegou a seus limites da disponibilidade de recursos naturais. Limites não só agrícolas, limites de minério de ferro, limites de transporte, disso tudo. E essa forma industrial de produção está na base das alterações climáticas do nosso planeta, basta ligar a televisão, todos os dias nós temos uma notícia nova. Pra dar um depoimento da minha terra, o Rio Grande do Sul, nos últimos 10 anos, nós já enfrentamos 5 secas. Mas qual é a novidade? As secas no Rio Grande vêm acontecendo no inverno. Todo aquele clima chuvoso que vocês estão acostumados a ver no Rio Grande não existe mais, nós estamos em seca agora em pleno inverno. Cento e dez municípios não têm água pra beber no interior, no interior! As populações estão apavoradas. E, lembra os cientistas não conseguem provar cientificamente, é evidente que isso tem relação com o monocultivo industrial da agricultura, com a forma de produzir voltada mais para a indústria, de acumulação de capital, do que do bem-estar das populações.
Bem, ainda sobre a natureza da crise, um pitaco. Tem havido muito a polêmica aqui no Brasil, sobretudo defendido pelo governo, de que o Brasil não estaria sofrendo essa crise, porque vai crescer 1%, 2% e tal. Qual é a leitura que nós fazemos? É que, se é verdade que é uma crise mundial, no entanto, como é da própria natureza do desenvolvimento desigual do capitalismo e das formas de acumular, evidentemente que os efeitos da crise serão diferentes de país a país, de acordo com o seu tamanho, com o tipo de produção que tem, etc. E evidentemente que o Brasil tem características que o protegem mais da crise, em relação a outros países que são mais dependentes. Me atrevo inclusive a dizer: a Venezuela está muito mais vulnerável à crise, em função de sua dependência ao petróleo, que a economia brasileira. Mas isso não significa que a população da Venezuela vai sofrer mais que a população brasileira. Porque em geral os economistas só se referem a estatísticas econômicas: se a taxa de lucro é menor ou maior, se cresceu ou não cresceu, mas se esquecem das taxas sociais, de como essa crise ta afetando a população.
Então, me atento ainda aos termos econômicos, a maioria das avaliações dizem que alguns países vão sofrer recessão. O que é a recessão? É quando a produção vai caindo paulatinamente, é sucessiva. Imagino que o Pochmann, que gosta desse tema, tenha tratado. É como se fosse uma escada: você a cada degrau vai descer mais um. Isso é a recessão na economia, no PIB nacional. Outros países vão sofrer depressão. Depressão é como se a economia descesse de elevador então. De um ano pra outro, “boof”, caiu 5 andares. Isso é depressão, a quebradeira. Quais foram os países que já tão em depressão no mundo? A Islândia quebrou, está em depressão, caiu do 10º andar, não sabe o que fazer; há outros países lá na África que tão em depressão, mas não são todos. Recessão, pelo que tudo está indicando, a economia dos EUA e as várias economias da Europa. E há um terceiro tipo de comportamento da crise nos países, que nós poderíamos chamar estagnação. Quando há crescimento menor e pois queda. Então a economia cresce 1%, cai 2% e assim vai. A ondulação. Eu acho que a economia do Brasil vai sofrer esse movimento, não da recessão e nem da depressão. Mas, mesmo assim, a tendência é que ao longo dos próximos 5 a 10 anos, no geral, a economia não vai crescer, ela pode crescer 2% um ano, depois desce 1%, e o crescimento demográfico da população ao longo dos 10 anos vai ser maior, como aconteceu na crise de 80, que foi chamada a década perdida.
Bem, então esses são alguns elementos sobre a natureza da crise, da leitura que nós fazemos.
2. Quais são as saídas clássicas que o capital costuma tomar pra sair da crise.
E isso é muito importante os movimentos da classe trabalhadora entenderem, porque é preciso entender como é os capitalistas vão agir. E esses jeitos do capitalista enfrentar a crise são clássicos, eles fazem isso nas crises cíclicas, fazem isso nas crises sistêmicas. Então, se nós da classe trabalhadora queremos proteger nossos interesses, como classe, nós devemos estar atentos, porque a tendência é os capitalistas repetirem as mesmas fórmulas que eles já experimentaram em outros períodos da história.
Quais são essas saídas clássicas do capital?
Primeiro, eles precisam, durante a crise, destruir o capital acumulado. Porque a natureza fundamental (espero que isso os outros professores tenham explicado) é que a crise é gerada também por uma super-acumulação, que faz com que a classe trabalhadora não tenha dinheiro (que a renda foi lá concentrada com eles) pra continuar comprando os bens que ela mesma produz. Então o capital pra sair da crise e entrar num novo ciclo de acumulação, ele precisa destruir esse capital sobrante. E ele destrói de mil e umas formas. Nos noticiários atuais, vocês devem ter acompanhado, já foram destruídos nos EUA 4 trilhões de dólares. Alguém perdeu. Muito mais gente perdeu porque foram destruídos 4 trilhões que estão na forma de dinheiro, na forma de papel. Aí alguém de vocês pode dizer: “Mas foi nos Estados Unidos”. Tá bem vamos pro Brasil aqui. O Fundo de Previdência dos Bancários, espero que não tenha nenhum bancário aí o Fundo de Previdência dos Bancários que aplica o seu dinheiro em ações perdeu nessa crise, em 6 meses, 28 bilhões de reais. Perdeu! E daqui a 10-15 anos quando parte da categoria precisar desses fundos pra complementar a aposentadoria, vão se dar conta da crise lá de 2009.
Segunda forma do capital agir é que eles sempre, em época de crise, aumentam a exploração dos trabalhadores. É lógico! Se a taxa de lucro na crise cai, pra eles se recomporem e voltarem para um novo ciclo, eles precisam recompor a taxa de lucro; pra aumentar a taxa de lucro, eles têm que aumentar a exploração sobre os trabalhadores. Como fazem isso? Baixando o salário médio, aumentando as horas extras, aumentando a produtividade do trabalho, enfim, eles têm 300 mecanismos pra arrochar a classe. E com isso eles recompõem a taxa média de lucro e com essa acumulação então vão pra frente.
Terceiro mecanismo deles. Nesses períodos, aumenta a transferência de capital da periferia do sistema para o centro. Esses dias eu li nos jornais por aí de que no período anterior os capitalistas tinham aplicado na periferia 1,5 trilhões de dólares, como capital financeiro aplicado em ações, em especulação geral. E que com a crise, eles tiveram que refluir, esse capital todo voltou, e que hoje nós teríamos aplicado na periferia apenas 180 bilhões.
Quarto mecanismo deles, a guerra. Em todas as crises eles apelam pra guerra, porque a guerra, como Marx já tinha explicado, é o mecanismo mais rápido de você destruir o capital. Destrói o capital quando você joga uma bomba num colégio como esse (que Deus me livre e a Madre Cristina nos proteja). Mas ao destruir um prédio como este, tem que depois reconstruir. Todo esse capital aqui vai pra fumaça. Quando tu solta a bomba aquela bomba custou trabalho, tem dias de trabalho pra construir a bomba; quando ela explode, explodiu os dias de trabalho. E quando ela mata pessoas, ela não mata qualquer pessoa, ela mata seres humanos que iriam produzir riqueza. Então, é também na linguagem deles, a forma de destruir capital-recursos humanos, capital-força de trabalho. Então a guerra sempre foi um mecanismo que eles usam. Agora nós estamos salvos, em parte, porque é impossível ter guerra mundial, por causa das armas atômicas. Mas isso não nos livra da saída: não é por acaso que eles têm aumentado o estímulo desses conflitos bélico-regionais. Seja na África, lá no Sudão. Esses dias li na internet que inclusive essas quadrilhas de piratas da Somália não têm nada a ver de beduínos doidos que resolvem atacar um transatlântico, por trás deles tem toda uma indústria bélica, que fornece a eles, de míssil, e outras coisas. Assim foi o ataque a Gaza, que, claro, se somou aos interesses da direita israelense que queria ganhar as eleições e dar uma lição aos palestinos, mas se somou o componente econômico. Tanto é que imediatamente depois das eleições a Hillary Clinton chamou uma reunião no Cairo, onde se reuniram as empresas capitalistas e disse: “tá bom, desculpa viu palestinos, nós vamos reconstruir as casas de vocês. Tá aqui 4 bilhões de dólares, mas as empresas que vão construir são nossas. Nenhuma empresa palestina vai reconstruir casa...”. Então Gaza pagou o preço pela crise. E todo esse tensionamento que eles tão fazendo agora com o Paquistão, o Irã e com a Coréia do Norte, é claro que eles não vão fazer uma guerra com o Irã, mas isso estimula a corrida armamentista. Isso estimula as compras de armas. Um companheiro nosso, da esquerda israelense, tava lá no Fórum Social Mundial em Belém e deu um depoimento que deixou todos nós emocionados, porque ele falou que lá em Israel, o exército de Israel bombardeava uma comunidade, um prédio palestino, filmava tudo, registrava os mortos e a destruição. E 24 horas depois tava na página da internet do exército como propaganda: “Olha o nosso míssil aqui. “Ele fez essa trajetória de 50 km em tantos segundos”, “não permitiu defesa”, “ele destruiu um prédio de 10 andares, matou 10 pessoas, se tiver interesse em comprá-lo, tá aqui o endereço eletrônico”. Ou seja, eles usaram inclusive a guerra de Gaza – não foi guerra, foi massacre de Gaza – como propaganda das armas, que evidentemente não são empresas israelenses, é tudo conjugado com o capital internacional. Então, o mecanismo da guerra está presente sim, embora de uma maneira mais dissimulada.
Quinto mecanismo que eles usam é o Estado. O Estado é usado agora, mais do que tudo, como o grande agente que pode, de uma maneira compulsória, recolher a mais-valia, ou a poupança individualizada, pequena, de cada um dos habitantes, amontoa num canto só e repassam pro capital. E isso eles têm feito aqui no Brasil, e em vários países do mundo, com a chamada política do superávit primário. O que é o superávit primário, que nem o Willian Bonner sabe explicar lá no jornal nacional? Porque eles não querem explicar para a população. O superávit primário, o governo recolhe, através dos impostos, na Receita Federal, o dinheiro de todo mundo, amontoa lá no Tesouro e na hora de gastar, ele separa 30% de toda receita de impostos no Brasil, que são transferidos pra bancos privados, na forma de pagamento de juros de títulos da dívida pública. Isso é o papel do Estado.
Segundo exemplo. Nisso o governo Lula tem sido didático em nos ajudar a compreender o papel do Estado. Que quando nós estávamos discutindo lá em Belém a saída da crise, o Meirelles tava em Davos acalmando os bancos internacionais dizendo: “ó, já assinei uma portaria autorizando que 40 bilhões das reservas em dólar que o Brasil tem depositadas em Nova Iorque, as empresas que são devedoras com vocês, podem acessar esses recursos públicos e pagar vocês”. Todo mundo bateu palma: “isso que é presidente de Banco Central, nós queria ter um assim aqui no Estados Unidos”. Então isso é um mecanismo concreto, 40 bilhões de dólares, façam a conta aí, 40 bilhões em nossa reserva, uma portaria do Banco Central passa pras empresas.
Depois da reunião do G-20, outro exemplo ilustrativo: quando, emocionado pela frase: “esse é o cara”, o governo autorizou repassar pro FMI, 10 bilhões de dólares. E a imprensa brasileira noticiou como se fosse um empréstimo, “olha como nós tamo ban-ban-ban, estamos emprestando...” Ilusão! Aquilo não foi empréstimo, foi complemento de cotas, portanto nunca mais vai voltar. A única coisa que o Brasil teve de vantagem naquilo é que os seus votos no FMI (que o FMI funciona como um banco privado que os governos são sócios, então os votos é pela quantia de capital) passaram de 05 pra 06% com esse aporte a mais de capital. Grande mudança na correlação de forças!... Mas agora some 10 bilhões de dólares, se fossem aplicados aqui no Brasil, o quanto representaria de casa, de Reforma Agrária, se quiserem. Então esse é o papel do Estado: recolher dinheiro de todo mundo, que a gente nem percebe, porque é via impostos, via outros mecanismos, e canaliza isso pro capital.
Sexto mecanismo do capitalismo sair da crise é mudar o padrão tecnológico de produção. É o momento que eles, mesmo tendo lucro, usam a crise pra botar na rua o operário e reformular o processo produtivo de modo que aumente a produtividade do trabalho. Olhe a reunião do Conselho de Administração da Vale. A Vale, como a maioria das empresas, reúne seu Conselho de Administração uma vez por mês. A reunião do Conselho de Administração da Vale de fevereiro, final de janeiro, que coincidiu também com o Fórum, por isso eu guardei bem. A reunião teve 2 pontos de pauta. 1º ponto de pauta: prezados colegas capitalistas, acionistas da Vale, nós estamos com um problemão aqui, o lucro líquido do último trimestre foi de 2 bilhões e meio de reais. Então, nós temos que decidir, vamos reinvestir, ou vamos dividir entre os acionistas? Diante da crise, é um problemão né! Como nós vamos dividir 2 bilhões e meio de lucro do TRIMESTRE da Vale? Ta bom, decidiram (nem sei qual foi a decisão), que isso eles não dizem... Segundo ponto de pauta: a demissão de 2.500 trabalhadores. Até o número era meio parecido, só mudava o zero, né... Bem, então, que isso revela? As empresas, mesmo não estando em crise contábil aproveitam o período da crise pra fazer seus reajustes na matriz tecnológica. Que isso quer dizer? No jeito de fazer mais rápido os produtos com menos trabalhadores. Todos – e fiquem atentos – todos os dias têm exemplos desse nos cadernos de economia, em especial no Estadão e no jornal Valor Econômico. São os únicos dois jornais que eu leio pra saber o que a direita pensa, porque o resto são fofoqueiros...
Por último, entre os métodos do capital pra sair da crise, é a apropriação privada dos recursos naturais. O que está acontecendo e nós no Brasil estamos sendo vítimas? A Rosa Luxemburgo, num brilhante trabalho sobre a acumulação originária, ou primitiva, dependendo da tradução, ela tinha explicado esse mecanismo. Os bens da natureza quando tão lá, parados, seja o minério de ferro, o petróleo, as árvores, a água, que depois vai virar energia elétrica, lá na natureza, eles não tem valor. Acredito que aqui todo mundo domina essa terminologia. Os bens só tem valor, do ponto de vista econômico, quando é fruto do trabalho, ou seja, o valor é medido pelos dias de trabalho que você bota neles. Então ta lá a árvore, fruto da natureza, quieta. Qual o valor da árvore quieta? Nada. Não tem valor nenhum, ela é fruto da natureza, não do trabalho. Qual é o valor de uma mina de minério, lá embaixo? Nada. Não tem valor nenhum, mas quando você se apropriar dela, botar um pouquinho de trabalho humano e a transforma numa mercadoria, adquirem um alto preço e se transforma as mercadorias que dão a mais alta taxa de lucro. Quanto mais o capitalismo se desenvolve, maior é a diferença entre a taxa de lucro da apropriação daquele bem da natureza (que ainda não tem valor) com poucos dias de trabalho, e preço pago pela sociedade. Porque em geral, aqueles bens da natureza são finitos e limitados. Minério não é pra vida inteira. Então, só pra vocês terem uma idéia, que nó viemos agora de nossa escola sobre o seminário de monocultivo de eucalipto. Os companheiros que atuam por lá, os operários da Aracruz nos explicaram. Sabe qual é o custo de produção pra plantar eucalipto e transformar em pasta de celulose (ainda não é o papel)? O custo de produção é 70 dólares a tonelada. Sabe quanto ela vendia a tonelada da pasta de celulose antes da crise? A 850 dólares. Isso dava uma taxa de lucro de 700%. Segundo nosso amigo, saudoso Celso Furtado, nem na escravidão. Na época da escravidão, a taxa média de lucro da exportação de açúcar era ao redor de 400%. A Aracruz, em pleno século XXI, está tendo um lucro de 700%! Aí veio a crise, eles tão vendendo a 550 dólares. Coitadinhos! E o custo de produção continua 70 dólares. Por quê? Por causa dessa apropriação de recurso da natureza que deveria ser pra todos. As árvores são de todos, o minério de ferro são de todos, o petróleo que está aí no pré-sal é de todos nós. Então deveria ser distribuído socialmente. Então, o que acontece na crise? As empresas procuram no período de crise se apropriar juridicamente desses bens. Elas não tem capital ainda pra explorar, porque tão em crise, não têm capital sobrante pra fazer isso, mas elas procuram juridicamente, digamos assim, tornar aquilo propriedade privada, dos bens parados na natureza. Para se preparar pro próximo ciclo. Aí quando vier um novo ciclo de crescimento econômico, de acumulação, vai ter capital, e aí eles vão explorar, e aí eles vão ter essas altas taxas de lucro que, como dei o exemplo da celulose, vocês podem ter uma idéia. Então, o que nós estamos assistindo no Brasil? É uma verdadeira ofensiva, da qual os deputados são meramente marionetes do capital internacional, porque tão tentando mudar a legislação ambiental, mudar a legislação da Amazônia, faz parte desse movimento do capital de se apropriar.
A semente transgênica é outro mecanismo jurídico de privatizar a propriedade da semente que, ao longo da humanidade, foi um patrimônio da humanidade. Alguém pode dizer: “Eu sou dono da semente de milho”? Ninguém! Milho é de todo mundo. Qualquer um pode pegar o milho e plantar. Pois bem, mas pela lei de patentes, se você fizer uma variedade de milho transgênico, você fizer uma mutação genética, você vai lá, registra, e vai aparecer lá: esse milho é da Bayer, esse milho é propriedade privada da Monsanto, e daí pra diante, todo mundo que se atrever a plantar aquele milho, tem que pagar royalties pra Monsanto, pra Bayer, pra Basf. Então, semente transgênica, não tem nada de aumento de produtividade, num tem nada de ciência, é a maior picaretagem que tem, maior enganação. No fundo, o que tem por trás da semente transgênica é essa apropriação, essa propriedade privada, que a lei de patentes garante . Se não houvesse lei de patentes, ninguém se preocupava, em ficar disseminando semente transgênica. Aliás, foi a primeira mudança que o Fernando Henrique fez no seu governo. Primeira Lei que ele mudou no Brasil foi a lei de patentes, em maio de 1995. E a lei de patentes circulou no Congresso em inglês, distribuída pela embaixada norte-americana. Se alguém tem alguma dúvida a que interesses representava, porque o senador, lá da Paraíba, recebeu da embaixada e não se deu ao trabalho de traduzir qual era a lei que a embaixada americana queria. E evidentemente que o Fernando Henrique aprovou depois com uma canetada.
Vou mais rápido agora que ainda não entrei no tema. Isso tudo é introdução. Pra vocês se lembrarem dos outros professores.
3. Como a direita trata o tema da crise na imprensa:
Qual é o discurso da direita brasileira hoje nos meios de comunicação? Primeiro, de que a crise é de todos. Segundo, que não se sabe por que, de repente, caiu de pára-quedas. A crise não tem culpado. Ela apareceu no jornal nacional: “Estamos em crise”. Poderia ter sido anunciada pela menina do meteriológico lá: “pessoal, vai ter chuva no nordeste, seca no sul e para todos, crise!” Uma obra assim...
Bem se a crise é todos e não tem culpados, o governo tem que fazer alguma coisa, né, pra eles. Pra salvar as empresas brasileiras. Então, tudo se justifica. Alguém fez alguma crítica aos 4 bilhões que o Banco do Brasil pegou do nosso dinheiro pra salvar o banco Votorantim? Quatro bilhões num cheque só do presidente do Banco do Brasil! Pra salvar o banco Votorantim. Coitado do Antonio Ermírio né! O sujeito é trabalhador, ele levanta mais cedo, e as 5 horas já está trabalhando.
Quarta falácia da imprensa burguesa sobre a crise. “Pessoal, é grave, mais vai passar rápido”. Parece aquelas vacinas em criança: “dói, mas vai passar rápido, viu!”. É isso que eles ficam dizendo pra população. No entanto, se alguém resolver criticar, ou se levantar, que a burguesia está exigindo? Criminalização! O MST está apanhando por antecipação. Nós estamos sendo reprimidos toda semana. Ontem mesmo, tô aqui puto da cara, porque despejaram uma área em Minas Gerais, com cento e poucas famílias, que estavam há doze anos, já com casa de material, chiqueiro, aí vem a polícia militar com a tropa de choque, com aqueles tratores... destruíram tudo! Porque um juizinho de primeira instância deu uma liminar, sendo que o proprietário da terra deve ao Banco do Brasil 70 milhões! Mas ninguém analisa. Mas por que tanta repressão? Nós estamos analisando que estamos apanhando por antecipação. Ou seja, “vamos bater nos que reclamam pros outros ficarem quietos”. Então, faz parte dessa ideologia dos meios de comunicação. Todo dia falam mal do MST. Mas não vai ser só do MST. Deixa os petroleiros continuarem a fazer mais uma grevinha que eles pegam os petroleiros também. Se alguém lutar, eles reagem, repressão!.
4. Perspectivas para a classe trabalhadora brasileira
Bem, agora, nos últimos 10 minutinhos, as perspectivas para a classe trabalhadora.
Primeiro, vocês já sabe, nós estamos ferrados. Grande novidade!
Então, o primeiro aspecto que eu queria comentar, é que o contexto histórico da luta de classes no Brasil é adverso para a classe trabalhadora. Ou seja, a crise, embora gere contradições que depois nós vamos ver, mas ela veio num momento muito ruim, porque justamente desde a derrota política que nós tivemos de 1989 até agora, na nossa opinião nós vivemos num descenso do movimento de massas. Uma derrota política da classe trabalhadora. Qual foi a última greve geral que nós fizemos? Qual foi a grande última manifestação? Até pros comícios políticos! Se os políticos não levarem Chitãozinho e Chororó, “Frique-frique e Frique-Fró” e as saias cada vez mais levantadas, o povo não vai nem pra 1º. De maio. Isso reflete o descenso do movimento de massas, a situação adversa que a classe trabalhadora está vivendo. Então nós estamos vivendo um momento muito difícil pelo descenso do movimento de massas, pela derrota ideológica que nós sofremos. A vitória hegemônica do neoliberalismo que agora nós estamos vendo. Sei que muitos aqui são estudantes universitários: o que a universidade está produzindo nos últimos 10 anos? Um monte de cabeça vazia que dá dó. Agora que nós estamos percebendo o desastre que foi o neoliberalismo dentro da Universidade. No período anterior, a PUC foi um dos pólos da resistência contra a ditadura, e agora é pólo de resistência a quê? Não vou botar a culpa nos estudantes. Dizer que o mundo acadêmico, o mundo estudantil é reflexo dessa correlação de forças adversa que a classe trabalhadora tá vivendo. E reflexo da derrota ideológica que a classe trabalhadora sofreu com o neoliberalismo que afetou todos os setores. Quem fala em socialismo hoje? Deus me livre! Já tem que acrescentar outros adjetivos: democrático, plural, num sei o quê... Socialismo é socialismo! Socialização da propriedade dos meios de produção, ponto! Democracia é o que se refere ao regime político, como é que você vai organizar o poder político da sociedade. Socialismo como modo de produção, não tem subterfúgio! Mas é difícil, viu!
Então, desse contexto que vem desses últimos anos, é infelizmente o baixo nível político e cultural de nosso povo. Claro que o povo é a única força capaz de fazer mudança. E precisamente, por ser o único que pode mudar, olhando pra ele, você percebe. Porque é um povo que tá sendo muito ludibriado pela televisão, pelos políticos, e por tudo quanto é porcaria. Quer dizer, falta uma tradição ideológica e cultural. Olha os níveis de leitura! Não é brincadeira, nossa sociedade ainda é herdeira de 400 anos de escravidão. Não é brincadeira que Buenos Aires tenha mais livraria que todo o Brasil junto. É isso que é o reflexo. Não é brincadeira que a Folha de São Paulo, desde 89 venha diminuindo o número de seus leitores! (isso é uma notícia boa)! É uma pena que seja só na classe média, mas é reflexo. Aqui não tem tradição de leitura. Nós somos uma classe trabalhadora empobrecida culturalmente, politicamente. E isso afeta a reação.
Bem, sigo. Diante desse cenário tão complexo, as forças que procuram se organizar e lutar contra a crise, hoje, no meu modo de entender, se aglutinam em torno de 3 alternativas, que, ao longo do seminário, devem ter estado presente aqui.
a) A primeira alternativa, é um grupo de forças populares que dizem, bom: “frente à crise, socialismo já!”. “Não há mais saída para o capitalismo, ‘bá-bá-bá’, socialismo!”. É fácil de identificar, não é nenhuma avaliação, só estou procurando compartilhar. Mas, os setores populares mais identificados com o PSTU, e com algumas correntes do PSOL, a Causa Operária, algumas correntes trotskistas defendem essa alternativa: socialismo já!
b) Num segundo grupo, defendem propostas que nós podemos classificar como neo-keynesianas. Baixa a taxa de juros, aumenta as políticas públicas para os pobres, aumenta os programas de compensação social, uma espécie de New Deal do Roosevelt rebaixado. Vou usar um professor, o Chico de Oliveira, como meu advogado. Ele diz: “vocês são maldosos, o Stedile, dizer que esse grupo defende o neo-keynesiano, isso é uma ofensa ao Keynes, o Keynes era mais radical !”. E fecho parênteses, mas evidentemente há forças populares, há correntes sindicais, movimentos sociais que defendem plataformas inseridas nesse contexto.
c) E há um terceiro grupo, na qual nós da Via Campesina nos inserimos, que defendemos uma espécie de Projeto Popular. Ou seja, não temos a ilusão de que o socialismo virá na esquina. Não temos força nem pra tirar o Meirelles, que todo mundo sabe que ele representa os interesses dos bancos. Foi presidente mundial do Banco de Boston! Está lá no seu currículum, não precisa ninguém falar mal. Pô, não temos força pra trocar o Meirelles! Imaginar que temos correlação de forças pra fazer mudanças socialistas?? E também o neo-keynesianismo não é uma alternativa popular. Ele pode até recompor a taxa de lucro, ele pode amenizar o sofrimento da classe trabalhadora, evidentemente. Mas ele não é uma alternativa pra nós aproveitarmos as contradições da crise e, pelo menos, entrar pra próxima etapa com um acúmulo de forças maior.
5. Elementos de um Projeto Popular para sair da crise
Quais seriam os parâmetros, os indicativos do que seria um Projeto Popular, que nós estamos, inclusive, tentando convencer outras forças a aderirem ao que poderia ser uma plataforma mais unitária. E, por isso também, colocamos nessa plataforma alguns elementos mais keynesianos, mas na essência seria uma tentativa de resistência ao capitalismo para acumular força para uma próxima etapa. De maneira muito rápida, quais seriam os pontos de uma plataforma do Projeto Popular pra enfrentar a crise:
a) Garantia de emprego pra todos. Então não se trata só do Estado fazer políticas de compensação social, o Estado tem que pegar o dinheiro e tentar investir em áreas da produção que gerem empregos pra todo mundo. E estabelecer uma espécie de moratória. Todo brasileiro que quiser trabalhar, o Estado garante emprego pra todos. Aonde? Se cria, na construção civil, no serviço público, em mil e uma formas.
b) Redução da jornada sem redução do salário. E, colado a esse, valorização do salário mínimo, que, ta comprovado por um monte de análises, é o principal mecanismo de distribuição de renda no Brasil. O salário mínimo, porque pega justamente os mais pobres. Não só os que ganham de empresa o salário mínimo, mas, sobretudo lembrem-se, que entre os mais pobres dos brasileiros, estão os 14 milhões que recebem o benefício do INSS, e o grau de referência do benefício do INSS é o salário mínimo. Então, automaticamente, você aumenta o salário mínimo, você faz uma transferência daquele dinheiro público, e dos trabalhadores pra essa camada mais pobre que ta lá dependente dos benefícios da Previdência.
c) É estabelecer um pacto de resistência: não aceitar nenhum direito social a menos.
d) Zerar o superávit primário. Esse é o principal mecanismo econômico de espoliar a sociedade brasileira. Como eu disse antes, superávit primário hoje representa que o governo transfere todos os anos, 200 bilhões de nosso dinheiro, da Receita Federal pros bancos. Tem que acabar com isso. E com esses 200 bilhões, nós conseguiríamos então aplicar nessas políticas por parte do Estado, que poderiam gerar emprego pra todos e ter outra política de distribuição de renda. Chamo a atenção de vocês: os países da América Latina são os únicos países que aplicam o superávit primário. Com exceção, inclusive, de Cuba e Venezuela. São os únicos. Na Ásia ninguém tem superávit primário. Na Europa e Estados Unidos é déficit cada vez maior. Então, por que só o Brasil vai seguir nessa política de superávit primário? Pra ser justo, nos últimos meses com a crise, o superávit primário vem diminuindo, mas não por vontade do governo, por política. É que como baixou a taxa SELIC, automaticamente baixa a transferência pros bancos.
e) Evidentemente, puxando a brasa pra nossa sardinha, é aplicar esses recursos num amplo programa de reforma agrária, também pra garantir emprego, trabalho e condições pra população que tá no meio rural, pra eles não virem pra cidade.
f) Reduzir as taxas de juros ao padrões internacionais. Poderia estar inserido nesse contexto de políticas neo-keynesianas, mas é muito importante. Não só a taxa SELIC, que hoje eles estão fantasiando: a taxa SELIC está em 11, tem 6 de inflação, então a taxa real é 5. Tudo bem, do governo pros bancos, mas os bancos continuam cobrando dos consumidores da indústria e do comércio taxas médias de 48%. Então a sociedade inteira está transferindo aos bancos praticamente todo o seu esforço de acumulação. Então, reduzir a taxa de juros não é só a taxa SELIC, tem que ter uma intervenção do Estado pra impedir que os bancos continuem cobrando esse verdadeiro assalto que os bancos estão fazendo pra sociedade em geral, pro comércio (quando tu for comprar uma geladeira, um carro...) e pra indústria, etc.
g) Estatizar o sistema financeiro. Porque, nessa etapa do capital financeiro, o pólo central de acumulação, ou seja, aonde fica a riqueza apropriada pelos capitalistas, não é mais na indústria e no comércio: é nos bancos, é no capital financeiro. Portanto, se o Estado, em nome da sociedade, não controlar isso, não tem como tu sair. Não tem como tu sair da crise em benefício da sociedade. E por isso o Sarkozy defende, e imagino que ele esteja mais ligado aos setores da indústria francesa. Mas é evidente, que mesmo numa lógica capitalista, se não houver uma intervenção estatal, ou seja, uma força maior que controle o sistema financeiro dos países, não tem volta.
h) Um amplo programa de defesa do meio ambiente e da vida das pessoas. O que é isso? Isso é genérico, pode ser apenas doutrinário... Não! Nós temos que impedir a mudança no Código Florestal, porque é isso que vai fazer com que os ruralistas acabem com o que ainda tem de recursos naturais. Vocês sabem que eles querem baixar a reserva legal: de 80 e 50 pra 20. Está lá no Congresso, já passou pela Câmara, está no Senado agora, ou seja, um negócio concreto, pra amanhã. Impedir as mudanças de regularização fundiária na Amazônia, eles querem privatizar a Amazônia até 1.500 hectares, por pessoa e não precisa mais comprovar posse. Tô aqui em São Paulo e posso pedir pra algum preposto registrar 1.500 hectares em meu nome. E depois eu me lembrei: “Ah, tem minha filha também, mais 1.500 pra minha filha”, “Ah, pra Olívia, que é boa menina, mais 1.500”. Isso é mais atrasado que a Lei 601 de 1850. Não precisa nem comprovar posse. Nem comprovar residência. Bom, isso é a volúpia do capital total, nós temos que impedir isso, pra garantir o mínimo de reserva dos recursos naturais pro povo brasileiro. Nós temos que controlar a qualidade dos alimentos. O agronegócio está produzindo veneno, não comida. E todos os cientistas que tão cuidando da área estão nos alertando, está proliferando os câncer, 80% deles são originários dos venenos que a população está comendo. E esse veneno vai pra onde? É veneno químico, originário do petróleo que é usado sobretudo. Destrói as bactérias do solo, ou vai pra água, ou vai pro seu estômago. Então continue comprando da Bünge, da Cargill, e feliz enterro! Que certamente vai morrer 10 anos antes daqueles que se alimentam com alimentos saudáveis.
Então, o Estado tem que botar um jeito nisso, francamente, isso aqui já virou casa da mãe Joana, né. A Anvisa, (saiu na manchete da Folha e num caderno do Brasil de Fato). A Anvisa fez as pesquisas aqui na Ceagesp, e disse: “tem 20 produtos que não se recomendam para os seres humanos”. Manchete! E continuam vendendo! Como? Se a conclusão fosse: “esses 20 produtos não servem para a alimentação animal”, é capaz que eles teriam tirado do mercado. Porque pode dar febre suína, pode dar não sei o quê. Então continue comendo maça, moranguinho, tomate, tudo isso só veneno! Por isso que num tem mais nem gosto. Batata, só veneno! Soja, só veneno! Para um Programa Popular pra enfrentar a crise é preciso fazermos essas mudanças reais pra preservar a vida das pessoas e pra preservar a natureza, porque se não esses loucos do capitalismo... Não pensem que eles têm alguma responsabilidade.
i) Recuperação da soberania brasileira sobre as empresas estratégicas de energia, minério. Não sei se vocês sabem, a Eletrobrás que pinta aí como estatal, já tem suas ações vendidas na Bolsa de NY. Esse é o maior problema que nós temos com lá Itaipu se acertar com os paraguaios. Porque a Eletrobrás é gestora de Itaipu, e ela não é só uma empresa pública, tem interesses das privadas que alegam os direitos. Bem, o caso da Petrobrás, patético né, vocês sabem: 58% das ações são privadas. E o caso da Vale, que é uma luta histórica.
j) E, por último, na nossa plataforma, nós precisamos fazer um movimento aqui no Brasil, pra pressionar o nosso governo para ter uma outra postura em relação aos organismos internacionais.
Em vez de valorizar FMI, Banco Mundial, G-20, isso aí tem que fechar. Evidentemente que nós temos que criar um outro marco internacional, uma outra governança internacional. E vemos com bons olhos essa iniciativa que os países da Alba estão fazendo, já criaram uma moeda alternativa que é o Sucre. Que é uma sigla, embora homônimo do General Sucre, que foi um lutador anticolonialista. Mas na verdade ela é uma sigla né, o Sistema Unitário de Câmbio, não sei o quê... E nós temos defendido isso nos movimentos sociais, os governos tem que caminhar rapidamente para fugir da área do dólar, porque o dólar é o principal mecanismo de espoliação dos outros países. Desde 1971 quando o Nixon tirou a paridade com o tesouro e com o ouro. Então, todas as guerras deles eles botam a maquininha pra funcionar. E distribui os dólares para o mundo. Então, se é pra ter uma saída razoável diante dessa crise, é aproveitar a crise pra nós construir uma moeda que seja internacional e sem o controle dos EUA. Segundo o professor Chico de Oliveira, isso ainda não aconteceu na história da humanidade, todas as moedas internacionais foram sempre fruto de vitórias militares. Bom, mas ele pode estar errado também e nós conseguirmos implantar, pela primeira vez na história, uma moeda que não seja só fruto de vitória militar.
6. O que fazer com a plataforma popular?
A proposta dos 10 pontos que eu mencionei aqui como sendo o Projeto Popular, não é uma proposta do MST, é uma proposta que nós estamos construindo nessas plenárias onde a última delas lá em março tinha 88 movimentos. Isso expressa um conjunto dessas forças. Claro que um gostaria de dar mais ênfase num ou outro ponto, mas esses 10 pontos procuram recolher o que poderia ser uma plataforma unitária, porque todos de certa forma se sentem representados aqui. Eu acho também que seria exagero pensar que essa plataforma seria a proposta de socialismo XXI. Não é uma plataforma socialista, evidentemente. Mas nós achamos que, com essa plataforma, nós podemos acumular forças. E de novo, alguém perguntou no intervalo, veio-me dizer: “Evidentemente, essa plataforma é inviável por ir lá e apresentar”, né, ela não cai do céu assim, então “ah, vamos sair da crise, basta aplicar essa plataforma”. Então, qual é o sentido dessa plataforma? O sentido dessa plataforma é debater com a sociedade, ou seja, é conscientizar. É fazer um verdadeiro mutirão entre as pessoas e organizações, de dizer: “a crise é grave, se nós não segurar, os capitalistas vão tomar as saídas clássicas deles, que já relatei, mas nós da classe trabalhadora podemos ter outras saídas”. Agora, essas saídas só são viáveis se nós fizermos luta política. Que significa fazer luta política? Significa fazer mobilização de massas, grandes manifestações, grandes lutas de massas que possam, então, acumular força social. Isso que é luta política, é ter força. Quando você não tem força acumulada de gente organizada, não é política, é apenas doutrina. “Eu acredito nisso...” Então, evidentemente que os companheiros que comentaram isso têm toda razão. Isso aqui é apenas uma plataforma de fazer trabalho de conscientização. Agora, sua viabilidade não é se o argumento está bem escrito, sua viabilidade só vai ser dada se houver um processo de mobilização e organização de massas. Bom, é impossível no Brasil? Na atual situação, agora, final de maio de 2009, claro que nós estamos no descenso, mas as massas aprendem muito rápido. E nós podemos chegar a uma situação de que em curto prazo haja um reascenso do movimento de massas. Ninguém pode dizer que vai continuar 5 anos em descenso e que vai ter mais 5 meses. Isso faz parte da psicologia social, da capacidade que nós tivermos de indignar nosso povo.
O lado bom dessa conjuntura é que a burguesia brasileira não tem projeto para o país. Ao contrário da crise de 29, vocês devem ter comentado nas outras sessões. Na crise de 29, a burguesia brasileira se unificou em torno do Getúlio Vargas, e ele teve que construir uma unidade a “manu-militar”: deu um pau nos paulistas, deu um pau nos comunistas, e deu um pau nos fascistas. Aí unificou a burguesia, inclusive subjugou a força parcelas da burguesia industrial paulista ignorante, centralizou eles e a partir de 37 implementou o modelo que durou até 1980. A rigor, esse é o modelo do Getúlio Vargas. Bem, é um projeto da burguesia brasileira, de desenvolvimento do capitalismo nacional subordinado, dependente.
Agora, a vantagem. Que diante da nova crise, que esperamos que seja prolongada mesmo, qual é o projeto da burguesia brasileira? Não tem! E isso é bom pra nós, nos livramos deles, pelo menos. E isso abre espaço pra que a classe trabalhadora construa um projeto, uma plataforma que seja nosso, pra enfrentar a crise. Para a burguesia brasileira, o único projeto dela é ter ainda maior dependência do capital internacional. Não só de dependência, ou seja, de aprofundar nossa subordinação. Exemplo: na nova re-divisão internacional do trabalho e do capital, no projeto do capital, ao Brasil cabe apenas o papel de ser exportador de matéria prima. Eu fico horrorizado com essas viagens aí pra China, em que o governo e empresários se orgulham de vender mais soja, mais minério e agora petróleo cru. Como se fosse uma vantagem, mas isso é um desastre! É o Brasil voltar à colônia, e é isso que os capitalistas internacionais querem. Que o Brasil cumpra apenas o papel de exportador de matéria prima. Esse seria o nosso papel. E a burguesia brasileira aceita. “Tá bom, desde que você dê um pedaço do teu lucro, então tô satisfeito” Mas isso não é projeto de desenvolvimento nacional! Porque nenhum país do mundo se desenvolveu exportando matéria prima.
Quero compartilhar, como ilustração, uma informação que circulou essa semana de um estudioso ligado à Via Campesina sobre a economia dos Estados Unidos e freqüente aqui no Brasil, o agronegócio usar como argumento de justificação que os EUA é o maior exportador mundial. “Tá vendo, os EUA é a maior potência e maior exportador de matéria prima, esse é o nosso caminho!” Santa ignorância, estatisticamente está comprovado: o agronegócio deles, dos EUA, de todo PIB agrícola, 88% é pro mercado interno, eles exportam apenas 12% do que produzem na agricultura. Ou seja, o centro da riqueza produzida na agricultura nos EUA é pro mercado interno, pro povo americano comer mais, eles só exportam 12%. E aqui, no Brasil, é o contrário, só querem exportar, exportar, exportar... como se fosse a solução. E mais do que isso. Há setores da burguesia brasileira que além de aceitar esse papel subalterno, ainda mais aprofundado com a crise, aceitam a reconversão das empresas brasileiras como subimperialistas. Então, vão lá ler de novo a teoria da dependência do Ruy Mauro Marini, ele foi um profeta nisso. Agora está cada vez mais claro, que também nesse marco de aprofundar nossa subordinação, eles vão entregar às empresas brasileiras o papel de subexplorar os mercados e as riquezas dos outros países da América Latina. Esse é o papel que a Eletrobrás está fazendo com Itaipu, papel que a Petrobrás está fazendo na Bolívia, no Equador, que a Odebrecht, a Andrade Gutiérrez fazem com outros países.
O tema do pré-sal. Claro, me passei aqui correndo, porque de certa forma ele está subentendido. Primeiro naquela política dos EUA de se apoderar dos recursos naturais. Então, o pré-sal é nossa principal riqueza agora que ta lá debaixo do oceano. E é por isso a CPI da Petrobrás. É por isso todos esses movimentos que o PMDB está fazendo. Porque eles estão se mexendo? É pra se apoderarem do pré-sal. E é o que as empresas já estão fazendo. Vocês sabem que nós temos já várias empresas transnacionais, como a Shell, até uma portuguesa, e outras empresas que já ganharam os leilões da parte de cima. É só eles furarem mais 7 mil metros que eles chegam no pré-sal. E algumas delas já estão furando. Então as multinacionais já têm até o direito, se nós não alterarmos a legislação, eles vão acessar o pré-sal. E o que os geólogos estão dizendo pra nós é de que no caso do pré-sal é ainda mais grave porque tudo leva a crer que ele é uma imensa lagoa lá embaixo, que vai do Espírito Santo até Santa Catarina. Então quem acessar a lagoa, vai ter acesso a todo petróleo.
Bem, evidentemente que nós temos que incluir em nossa luta a defesa do petróleo como parte dessa luta pra sair da crise, porque justamente os capitalistas internacionais, e seus aliados aqui no Brasil, eles vão fazer de tudo para que eles tenham o direito de se apropriar dessa, que está sendo classificada, como a principal reserva de riqueza natural do planeta. Então você imagina com que ganância eles vão vir pra cá disputar conosco. Vai ser uma verdadeira guerra. Não pensa que vai ser com abaixo-assinado que nós vamos salvar o pré-sal, claro que não. Nós vamos fazer o abaixo-assinado pra provocar o debate. Mas nós só vamos salvar o pré-sal de novo se vier o reacenso de massas, se nós fizermos grandes mobilizações, porque o inimigo vai ser daquele tamanhão.
Então, me desculpem por passar do tempo, essas são as idéias gerais que nós estamos debatendo sobre a crise nos movimentos sociais.
- João Pedro Stedile, membro da coordenação nacional do MST e da via campesina.
Palestra no Curso de Especialização sobre a Crise. Promovido pelo curso jornalismo da PUC-SP/CEPIS/ENFF.– 27 de maio de 2009
https://www.alainet.org/fr/node/135381?language=en
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