Ética e amorosidade
22/08/2011
- Opinión
Ao longo da história, normas de conduta ética derivaram das religiões. Deuses e seus oráculos prescreviam aos humanos o certo e o errado, o bem e o mal. Forjou-se o conceito de pecado, tudo aquilo que contraria a vontade divina. E injetou-se no coração e na consciência dos humanos o sentimento de culpa.
Cada comunidade deveria indagar aos céus que procedimento convinha, e acatar as normas éticas ditadas pelos deuses. Sócrates (469-399 a.C.) também fitou o rumo do Olimpo à espera dos ditames éticos das divindades que ali habitavam. Em vão. O Olimpo grego era uma zorra. Ali imperava completa devassidão.
Foi a sorte da razão. E o azar de Sócrates; por buscar fundamentos éticos na razão foi acusado de herege e condenado à morte por envenenamento.
Apesar da herança filosófica socrática contida nas obras de Platão e Aristóteles, no Ocidente a hegemonia cristã ancorou a ética no conceito de pecado.
Com o prenúncio da falência da modernidade e a exacerbação da razão, o Ocidente, a partir do século 19, relativizou a noção de pecado. Inclusive entre cristãos, bafejados por uma ideia menos juridicista de Deus e mais amorosa e misericordiosa.
Estamos hoje na terceira margem do rio... Deixamos a margem em que predominava o pecado e ainda não atingimos a da ética. Nesse limbo, grassa a mais deslavada corrupção. O homem se faz lobo do homem.
Urge chegar, o quanto antes, à outra margem do rio. Daí tanta insistência no tema da ética. Empresas criam códigos de ética, governos instituem comissões de ética pública, escolas promovem debates sobre o assunto.
Basta olhar em volta para perceber a deterioração ética da sociedade: o presidente galardeado com o Nobel da Paz promove guerras; crianças praticam bullying nas escolas; estudantes agridem e até assassinam professores; políticos se apropriam descaradamente de recursos públicos; produções de entretenimento para cinema e TV banalizam o sexo e a violência.
Já que não se pode esperar ética de todos os políticos ou ética na política, é preciso instaurar a ética da política. Introduzir na reforma política mecanismos, como a Ficha Limpa, que impeçam corruptos e bandidos de se apresentarem como candidatos. Estabelecer mecanismos de rigoroso controle e eventual punição (como a revogação da mandatos) de todos que ocupam o poder público, de tal modo que os corruptos em potencial se sintam inibidos frente à ausência de impunidade.
“Tudo posso, mas nem tudo me convém”, escreveu o apóstolo Paulo na Primeira Carta aos Coríntios (6, 12). Este parâmetro sinaliza que a ética implica tolerância, respeito aos valores do outro, evitar causar desconfortos na convivência social.
O fundamento da ética é o amor. Era nele que Paulo “tudo podia”. “Ama e faze o que quiseres”, disse Santo Agostinho três séculos depois do apóstolo.
Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Veríssimo e Cristovam Buarque, de “O desafio ético” (Garamond), entre outros livros. http://www.freibetto.org twitter:@freibetto.
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