Sem horizonte, relações exteriores revelam instabilidade das políticas de Temer
O Brasil em pleno redemoinho antiglobalizante encontra-se à deriva nas relações exteriores.
- Opinión
A recente saída de José Serra do Itamaraty – mais um ministro a deixar o governo Temer – pode revelar o desespero instalado nas relações exteriores do país sem horizonte político de longo prazo, ademais do retrato da enorme instabilidade da política golpista. Para os defensores do neoliberalismo, um receituário a-histórico e simplista da realidade capitalista, bastaria retomar o comando do governo federal para que o mesmo sentido reformista dos anos de 1990 pudesse ser reencarnado pelo Brasil.
Acontece que a segunda onda de globalização sofre mudanças significativas desde a supercrise econômica de 2008, com sinais inegáveis do seu encolhimento. Na primeira onda da globalização capitalista, após o auge observado entre as décadas de 1870 e 1910, o seu descenso transcorreu significativamente por força das políticas nacional-protecionistas e das apostas dos governos em crescentes gastos militares e guerras para recuperar a economia abalada pela grande Depressão de 1929.
A partir de 2008, com a supercrise capitalista, a globalização passou a emitir sinais importantes de regresso em sua trajetória observada desde a década de 1980. De um lado e apesar do baixo do dinamismo econômico do conjunto dos países, o comércio externo passou a se expandir a taxas inferiores ao PIB mundial, como a estimativa de apenas 1,7% de crescimento do comércio externo ante 3,1% de expansão do PIB global em 2016.
Além disso, a internacionalização das finanças recuou de 20,6% do PIB mundial em 2007 para 2,6% em 2015. No mesmo sentido, reduz a presença dos importados na produção dos países, como nos casos sintomáticos da China (de 71% para 65%) e dos Estados Unidos (de 44% para 38% nos EUA) entre os anos de 2007 e 2015.
De outro, o ressurgimento e apoio crescente às políticas nacional-protecionistas e de expansão dos gastos militares em diversas nações, sobretudo nos países ricos. Exemplo disso pode ser evidenciado tanto pela vitória do Brexit, que retirou a Inglaterra da União Europeia, como pela ascensão das forças nacionalistas no interior de muitos países europeus. Adiciona-se a isso, a vitória de Trump nos Estados Unidos, impulsionada pelo programa econômico e militar distinto do aplicado até então por Republicanos (Reagan, Bush pai e filho) e por Democratas (Clinton e Obama).
Com a intenção de elevar o gasto militar de 3% para 6,5% do PIB estadunidense, a primeira proposta orçamentário do governo Trump contém reajuste de 9% nos gastos militares, o que equivale a US$ 54 bilhões para a atuação estratégica do Pentágono. Ao mesmo tempo, os EUA pressionam a União Europeia a fazer o mesmo, algo que já há mais tempo os chineses vêm patrocinando no interior de suas forças produtivas.
Neste contexto, mas com pensamento no passado, o governo Temer procurou rapidamente alinhar-se passiva e subordinadamente às velhas forças externas da segunda onda de globalização capitalista. Com mudanças disparadas em várias direções, pretendia seguir a linha fracassada da política externa neoliberal dos anos de 1990, com liberalização geral e acordos comerciais favoráveis externamente às corporações transnacionais.
Neste sentido, a rápida desconstituição da altiva e ativa política externa dos governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores. A reaproximação com os Estados Unidos leva não apenas ao abandono do Mercosul, como também à desconstrução das articulações sul-americanas e dos BRICS, em nome da defesa mercantilista do livre comércio promotor de pauta reprimarizadora das exportações e secundarizadora da manufatura.
Acontece que nem mesmo isso os países ricos parecem desejar diante do novo marco de descenso da segunda onda de globalização capitalista. O Brasil em pleno redemoinho antiglobalizante encontra-se à deriva nas relações exteriores. E agora, José?
- Marcio Pochmann é Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas.
28/02/2017
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