Lula, Moro, mas outro confronto histórico

O Congresso, ferido na sua parte majoritária pela corrupção e pelo fisiologismo, é refém da Justiça Penal e sua pauta é a exigida pela mídia oligopólica

15/05/2017
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O debate sobre os rumos da crise institucional no país se transladou do Parlamento para o Poder Judiciário. As elaborações estratégicas sobre os seus rumos saíram dos partidos e dispersaram-se pelos movimentos de rua, para as redes e para a grande mídia. É um daqueles momentos da história, nos quais as forças sociais em confronto não conseguem configurar uma direção hegemônica visível, o que tende a favorecer – nos dias que correm – quem detém a maior possibilidade de controlar a informação. A versão, a delação e a influência nos tribunais, passa a ser cada vez mais decisiva. Nos tribunais, os processos originariamente comuns tornaram-se políticos e as sentenças políticas adquirem legitimidade – como se fossem autênticas decisões judiciais – quando tem o apoio antecipado pelo oligopólio da mídia.

 

Um ex-presidente e um juiz de Primeira Instância são, hoje, os protagonistas centrais da crise política. O primeiro detém a força popular e democrática dos que, na sua vida pública, se voltaram para os trabalhadores, os pobres e miseráveis, acordando com os grandes empresários e banqueiros, com os movimentos sociais e sindicatos, a distribuição de renda que permitiu ao povo um respiro de sobrevivência. Ele fez o bloqueio da degradação pela miséria secular naturalizada. O outro detém uma jurisdição nacional de “exceção”, o apoio incondicional da mídia oligopólica, que dosa e controla a circulação da opinião e faz – dele e dos seus Procuradores – os heróis salvadores da pátria ameaçada. Antes, era pelo “comunismo” ateu, agora por um irreverente operário católico, que confiou nas conquistas pela composição entre as classes e na república sem reformas.

 

Moro tem a seu favor a força legitimadora de um concurso público, o apoio consciente da classe média conservadora e o poder de convencimento da mídia sobre os alienados no mercado. Lula tem o seu talento político, a sua autenticidade dialógica, a sua capacidade de liderar massas. Ambos – como seres humanos – tem as suas reais ou frustradas pretensões de grandeza – a depender de quem os olha – e tem as suas limitações e os seus equívocos, tanto a respeito de si mesmos como dos outros. Ambos são julgados de acordo com as lentes políticas de quem os vê. Mas esta não é a síntese histórica do confronto em curso, que é mais complexo. Foge das contingências específicas das personalidades e se abriga em outras categorias históricas: trata-se do primeiro grande “round” da luta de classes nacional, no período em que o Estado em crise foi capturado pela capital financeiro e está destinado, mesmo dentro da democracia, a fazer o seu jogo.

 

O controle que este exerce sobre o sentido do público, através da dominação do Estado endividado – para que a dívida seja paga da forma que ele acha correta – , torna supérfluos todos os partidos. Torna irrelevante a hierarquia entre as instituições do Estado (pelo Juízo de “exceção”) e imobiliza as Forças Armadas que são destinadas a defender a nossa soberania, porque a mídia “dita” o que é a soberania. O controle torna velhas as organizações empresariais e operárias e irrelevantes, tanto os que resistem como os que apoiam as reformas. Porque o Congresso, ferido na sua parte majoritária pela corrupção e pelo fisiologismo, é refém da Justiça Penal e sua pauta é a pauta exigida pela mídia oligopólica, que se consolidou como partido “novo tipo”, que unifica o senso comum com as reformas e dá a direção política aos partidos e frações de partidos liberais da direita política.

 

Assim como o capital financeiro subsumiu o Estado no seu movimento histórico, ele aparelhou a liberdade de imprensa e construiu um senso comum avesso à política e a produção de consensos no jogo democrático. A pergunta mais importante do interrogatório do ex-presidente Lula, foi a que este que fez a Moro, quando lhe questionou se aquele se sentia “responsável” pelos milhões de desempregados e pela destruição das grandes empresas da Construção Civil em nosso país, agregando: “não por combater a corrupção, mas pelo método de combater a corrupção”. Não é gratuito que logo após o depoimento de Lula – no qual Moro lhe tratou com o respeito devido e as redes disseminarem as verdades do outro lado – o oligopólio lavou-se, celebrando as delações sobre a presidente a Dilma. Não fugindo à regra: divulgando-as como provas para sentenças irrecorríveis, junto a uma grande parte do povo que ainda acredita que a Globo exerce, simplesmente, o seu direito de informar livremente.

 

- Tarso Genro foi Governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.

 

maio 15, 2017

http://www.sul21.com.br/jornal/lula-moro-mas-outro-confronto-historico/

 

https://www.alainet.org/fr/node/185474
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