As eleições e a economia
- Opinión
A única certeza que se pode ter a respeito do quadro eleitoral de outubro próximo é uma profunda incerteza que paira a seu respeito. Longe de ser mero trocadilho com propósito retórico, o fato é que o cenário segue bastante indefinido e as alternativas possíveis que se colocam como desdobramentos da situação atual são inúmeras.
O primeiro elemento a se considerar refere-se à realização mesma das eleições daqui a seis meses. Afinal não é de todo desprovida de sentido a indagação a respeito das razões que levaram ao golpeachment para depois eventualmente devolver o poder às forças políticas que estavam envolvidas com aquele projeto de País que foi abortado. A estratégia de retirar Dilma do Palácio do Planalto para depois resolver os problemas do Brasil fracassou a olhos nus. Cabe ficarmos alertas e atentos para evitar esse novo golpe no golpe.
O governo Temer não consegue articular sua base parlamentar e vê seus índices de desaprovação aumentarem a cada dia que passa. O estrago provocado pelo aprofundamento do austericídio apresenta-se como irreversível do ponto de vista eleitoral. Como se diz no popular: o estrago está feito. Desemprego monumental, falências generalizadas, piora no quadro fiscal, políticas públicas implodidas pela obsessão em promover cortes orçamentários a todo e qualquer custo.
Um dos aspectos mais impressionantes é que parcelas consideráveis das classes dominantes acreditaram piamente no conto da fadinha das expectativas. Foi a tal ilusão fantasiosa de que bastaria colocar dois legítimos representantes dos banqueiros para tomar conta da economia e, na sequência, receber um país arrumado à moda deles. Não! E a ortodoxia não conseguiu entregar nem mesmo aquilo que haviam prometido. O núcleo duro do governo bem que tentou implementar a estratégia do desmonte completo. Mas a resistência do movimento popular, de um lado, e as divergências entre eles, de outro lado, impediram que a operação de terra arrasada fosse completada.
A realidade é que os índices de popularidade de Temer e seu governo beiram o rés do chão. Ora, diante de um desastre eleitoral previamente anunciado como esse, as forças do bloco conservador também começam a se movimentar. E os anúncios de eventuais candidaturas se multiplicam pelo campo da direita. Para além do polo radicalizado de Bolsonaro na extrema direita, os representantes do grande capital e dos grandes meios de comunicação começam a emitir sinais de desespero pela ausência de candidatos com capacidade de vencerem as eleições. Estão por aí o próprio Temer, Henrique Meirelles (que se demitiu do cargo de Ministro da Fazenda com esse fim), Rodrigo Maia, Geraldo Alckmin, Joaquim Barbosa, a aventura de Luciano Huck, Álvaro Dias, além dos grandes empresários João Amoedo e Flávio Rocha. Mas nenhum deles empolga o eleitor e consegue se apresentar como carta viável para o segundo turno.
E Marina? - perguntam-me alguns leitores. Bom, ela continua onde sempre esteve, desde que saiu do governo de Lula em 2008 e do PT em 2009. Há quase uma década ela segue tentando se apresentar como uma alternativa confiável e domesticada perante as classes dominantes. Para tanto, rompeu com sua história pessoal e passou a fazer o jogo do establishment. Mudou de lado e resolveu apoiar a política econômica da ortodoxia, em especial depois que se cercou de conselheiros oriundos do financismo e do tucanato. Além disso, apoiou de forma explícita Aécio no segundo turno em 2014 e depois emprestou seu nome e o da Rede para a operação do impedimento de Dilma. Vive de um eterno “recall” nas pesquisas e aposta todas as suas nesse percentual para se firmar como alternativa para algum tipo de voto útil da direita, caso seja necessário.
Do lado do campo popular e progressista, Lula segue isolado como candidato aparentemente imbatível. De acordo com a maioria das pesquisas, ele sai na frente no primeiro turno e derrota todos os possíveis oponentes num eventual segundo turno. Exatamente por isso é que tradição jurídica brasileira foi jogada na lata do lixo e o preferido da população está sendo injustamente condenado e preso. Restam ainda dúvidas a respeito das possibilidades de que seu nome esteja presente nas urnas eletrônicas em outubro próximo. Alguns juristas ainda mantêm a esperança nesse cenário otimista. Só a evolução da conjuntura dirá algo a esse respeito.
Como o prazo para o registro oficial de candidaturas só terá início no mês de agosto, nada mais correto do que a intenção do PT em continuar a campanha de seu pré-candidato até lá. O sentimento de que uma grande injustiça está sendo cometida só tem aumentado na população e isso aumenta a própria simpatia eleitoral por Lula. Os analistas políticos parecem concordar em que o tempo só joga a favor dele, inclusive com a exploração da imagem de vítima de uma ilegalidade seletiva.
Além dele, apresentam-se também Ciro Gomes, Manuela D’Ávila e Guilherme Boulos. Todos condenam o viés autoritário que o Brasil atravessa desde a consumação do golpeachment, criticam o fortalecimento das corporações não sujeitas a controle do mundo da Justiça e não perdoaram a solução do austericídio levada a cabo pelo governo Temer. Apesar de sua incrível capacidade de encontrar divergências onde elas nem imaginam se apresentar, é necessário que as forças progressistas privilegiem seus pontos de concordância e se unam nas críticas aos diversos candidatos do modelo conservador. Isso não significa que devam abandonar suas postulações legítimas. Mas apenas que concentrem suas críticas nos verdadeiros adversários na disputa e que mantenham pontes de diálogo abertas para eventual apoio recíproco no segundo turno.
Para além dos assuntos de natureza política e da avaliação do governo Temer, o debate eleitoral deve colocar com mais ênfase a questão das alternativas para a economia de nosso País. Esse é o espaço por excelência para se discutir um projeto diferente para nosso futuro. Isso significa propor a recuperação de um modelo que promova inclusão, que seja capaz de reduzir as desigualdades sociais e econômicas, que ofereça os instrumentos para recuperar o protagonismo do Brasil no cenário internacional.
O primeiro passo exige a revogação de um conjunto de medidas adotadas pelo governo Temer e que operam como verdadeiro entrave para qualquer projeto político e econômico do campo progressista. Assim, coloca-se a necessidade de um Referendo Revogatório para retirar as amarras da Emenda Constitucional 95, que congela as despesas públicas não-financeiras por longos vinte anos. Essa medida foi tão draconiana para as atividades econômicas que até mesmo setores que estavam entusiasmados com a medida em dezembro de 2016 agora acham que ela deve ser flexibilizada. Afinal, a verdade é que nenhum governo eleito será capaz de conduzir seu projeto tendo essa verdadeira espada de Dâmocles sobre seu pescoço, com a ameaça permanente de cometer algum crime de responsabilidade.
Além disso, há que se revogar as maldades e as trapalhadas provocadas pelas alterações na legislação trabalhista, sob a velha lengalenga de se promover a redução do chamado “custo Brasil”. Outras medidas se fazem necessárias quanto reavaliar as privatizações promovidas na área de infraestrutura, como portos, aeroportos, rodovias e ferrovias. A chamada política de “desinvestimento” da Petrobrás exige uma séria revisão, uma vez que nada mais significou senão a venda de subsidiárias do grupo para o capital privado. O mesmo deve ocorrer com restabelecimento da prioridade conferida à Petrobrás como empresa a explorar as reservas do Pré Sal.
O programa econômico do campo popular e democrático precisa recuperar o protagonismo do Estado para a promoção do desenvolvimento em nosso País. Isso significa restabelecer o papel do BNDES como organismo financiador de recursos para projetos estratégicos e de longo prazo, com juros e condições mais favorecidas. Da mesma forma, é essencial que os bancos estatais federais (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia) passem a atuar enquanto instituições financeiras do setor público e não pautem seu comportamento como meros concorrentes da banca privada. Isso significa promover uma mudança radical de sua presença na sociedade e no mercado, reduzindo de forma efetiva seus “spreads” e forçando uma queda nessa prática espoliativa que sempre caracterizou as empresas do nosso mundo financista.
Existe ainda uma série de outras medidas importantes que espero desenvolver em outros artigos. Refiro-me à volta da exigência do chamado “conteúdo nacional” para setores estratégicos, como fazia a Petrobrás antes da chegada de Pedro Parente. Além disso, creio que o processo de definição da política monetária necessidade uma reformulação. A definição da taxa oficial de juros (SELIC) apenas tendo em vista o controle da inflação não tem se revelado um bom modelo. Talvez seja interessante incorporar o exemplo norte-americano, que os nossos representantes do financismo tanto bajulam. O FED, banco central dos Estados Unidos, define sua taxa tendo em vista evitar uma inflação considerada elevada, mas também mantém um olho na taxa de desemprego.
Enfim, o mais relevante no momento atual é lançar esse debate de forma mais ampla e mostrar à população que existem alternativas ao descalabro levado a efeito por Temer e pelos representantes do grande capital financeiro. No entanto, cabe uma certa prudência para evitar manifestações e compromissos que possam retirar o necessário conteúdo progressista do programa a ser implementado. A famosa “Carta aos Brasileiros”, por exemplo, representou uma guinada na política econômica que se imaginava do primeiro governo Lula. Ainda mais porque veio acompanhada da nomeação de Antonio Palocci para o Ministério da Fazenda e Henrique Meirelles para o Banco Central. Com isso, a ortodoxia e o financismo se instalaram no núcleo duro da equipe. Ou ainda verdadeiro e desastrado estelionato eleitoral cometido por Dilma no início de 2015, quando nomeou Joaquim Levy para o comando da economia e adotou como seu o programa econômico ortodoxo que havia sido derrotado nas eleições.
Enfim, uma coisa é não se apresentar de forma sectária e doutrinária perante o eleitorado, buscando ampliar politicamente o leque de apoios no processo eleitoral. Mas isso não pode implicar no abandono da essência das teses do desenvolvimento, da busca pela redução das desigualdades e da transformação estrutural em áreas estratégicas de nossa sociedade.
- Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
25/04/2018
https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia-Politica/As-eleicoes-e-a-economia/7/40001
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