Mais água no feijão
26/07/2013
- Opinión
O gesto mais ousado de Francisco em sua visita ao Brasil foi, até agora, tomar o chimarrão oferecido a ele por um peregrino anônimo, ontem, enquanto percorria a orla de Copacabana.
Se há algo que chefes de Estado mais temem é o envenenamento. Em geral, viajam com seus próprios cozinheiros. Francisco, numa demonstração de seu espírito evangélico, não relutou em sorver a bomba - nome da haste que faz às vezes de canudo para levar o mate da cuia à boca.
E pensar que, no século XVI, os jesuítas das reduções guaranis, no sul do Brasil – e lembremos que Bergoglio é jesuíta – chegaram a proibir o chimarrão por considerar o mate uma “erva do diabo”...
O papa Francisco, em seu pronunciamento na favela de Varginha, enfatizou que a fé não pode estar divorciada das exigências sociais. “Ninguém pode permanecer insensível às desigualdades que existem no mundo”, frisou, numa crítica contundente ao individualismo e às tendências religiosas tão afeitas a showmissas e aleluias, indiferentes aos dramas dos oprimidos.
Criticou a “pacificação” (que termo infeliz, lembra os primeiros contatos dos brancos com os índios) das comunidades empobrecidas, ao afirmar que tal esforço “não será duradouro” enquanto persistir “o abandono da periferia”.
Curioso é que, ao recordar as melhorias sociais em nosso país nos últimos anos, não falou em “governo”, e sim “nos esforços que a sociedade tem feito para combater a fome e a miséria.”
O papa acentuou a importância da “cultura da solidariedade, que vê no outro, não um concorrente ou um número, mas um irmão”, ao descrever o mundo atual como centrado no egoísmo e no individualismo.
Faltou apenas dar nomes aos bois: o neoliberalismo, que prioriza a competitividade, e não a solidariedade, e procura incutir em todos nós, não a ânsia por cidadania, e sim por consumismo e hedonismo.
Francisco apontou o diagnóstico. Resta-nos encontrar os remédios. Para a Igreja em crise, um deles poderia ser a Comunidade Eclesial de Base, como a que se reúne na capela de São Jerônimo Emiliani, e na qual ele benzeu o altar. Em Aparecida, em 2007, Bergoglio apoiou o resgate das CEBs.
Francisco lembrou que “somente quando se é capaz de compartilhar é que se enriquece de verdade.” E atualizou a doutrina social da Igreja ao dizer que “a medida da grandeza de uma sociedade é dada pelo modo como esta trata os mais necessitados, que não têm outra coisa senão sua pobreza.”
Sua visão de Igreja foi claramente delineada: “advogada da justiça e defensora dos pobres, diante das intoleráveis desigualdades sociais e econômicas que clamam ao céu.” Mas por que tantos necessitados, tanta pobreza e desigualdades? Quais as causas?
Ao criticar a educação mercantilizada focada em apenas formar profissionais qualificados para o mercado (“simples transmissão de informações com o fim de gerar lucros”), Francisco poderia ter sinalizado o desenho da “globalização da solidariedade” na superação de um modelo econômico que concentra riquezas e, em nome do ajuste fiscal, promove a exclusão social, como é caso dos 25 milhões de europeus, a maioria jovens, ora desempregados.
Agora é hora de “colocar água no feijão” e apontar alternativas, como a economia solidária e o “bem viver” dos indígenas andinos, cujos valores coincidem com os do Evangelho.
Francisco não é um pastor que ordena e impõe, e sim que abre horizontes e imprime entusiasmo. Há algo de novo na barca de Pedro.
- Frei Betto é escritor, autor de “Sinfonia Universal – a cosmovisão de Teilhard de Chardin” (Vozes), entre outros livros. http://www.freibetto.org/ - twitter:@freibetto.
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