Publicidade não deve poder tudo
25/08/2008
- Opinión
O adolescente que assalta para ter o tênis de marca que viu na televisão, o menino obeso que pressiona a mãe no supermercado para experimentar as últimas novidades com gordura trans e a menina sexualmente precoce que até consegue ir à escola sem comer, mas não sem a maquiagem no rosto são, na verdade, presas fáceis de uma mesma armadilha de apelo ao consumo. São reféns de uma situação grave e preocupante que, no Brasil, não foi ainda tratada com a urgência necessária, considerando os impactos negativos que provoca e ainda poderá provocar na formação educacional das futuras gerações.
Público-alvo de uma indústria que movimenta algo em torno de US$ 15 bilhões por ano, as crianças transformaram-se em um mercado altamente lucrativo. Por conseqüência, tornaram-se objeto do desejo de marcas poderosas que vendem tudo, de biscoitos baratos a "games" caros. Seus hábitos, gostos e comportamentos passaram a integrar estudos de marketing. Desenvolver uma mensagem capaz de despertar o impulso de consumir uma roupa, um sanduíche, um brinquedo ou até mesmo produtos que nunca fizeram parte do seu universo, como maquiagem, passou a ser um desafio para criadores de agências de propaganda de todo o mundo.
Você, assim como eu, já deve ter ouvido ou lido que o mercado infantil é um dos mais promissores do mundo. Dizem que as crianças influenciam a compra dos pais, que estão cada vez mais bem informadas para escolher produtos e serviços e, portanto, a publicidade a elas dirigida é uma demanda natural de um novo mundo no qual, assim como os adultos, elas devem ter o direito de consumir. Por trás desse discurso, no entanto, esconde-se o equívoco de tratá-las como adultos em miniatura.
A publicidade dirigida a crianças deve, sim, ter limites. E limites muito claros. Ao contrário dos adultos, as crianças não possuem maturidade cognitiva para compreender uma mensagem comercial em toda a sua amplitude. Não dispõem de mecanismos para fazer a necessária crítica aos apelos para o consumo. Quando pequenas, não conseguem diferenciar um comercial de brinquedo de um programa de entretenimento. Mas, a todo momento, são submetidas a uma bateria de mensagens comerciais cujo objetivo nada disfarçado é estimular o consumo de produtos e serviços de que não necessitam.
Consumir a última novidade passa, portanto, a ser uma necessidade em si. E uma atividade geradora de tensão permanente. Para as crianças cujos pais têm bom poder aquisitivo, a tensão está em adquirir sempre mais. Para aquelas que nascem em famílias de baixa renda, a tensão decorre do fato de não poder ter aquilo que a propaganda vende como uma aspiração natural de toda criança. Os resultados sociais desse quadro são visíveis. Mais visíveis ainda são os estragos causados na saúde, na qualidade de vida, no grau de instrução e na convivência.
Os resultados dessa publicidade também atingem algo muito precioso e caro a uma criança e, conseqüentemente, ao seu comportamento na fase adulta, o universo onírico. Que é, em quaisquer circunstâncias, a maneira única e legítima de ela imaginar e criar um mundo que não pode ser imposto, mas construído por suas próprias regras. É fantástica a capacidade que uma criança tem de transformar as coisas mais simples em algo apropriado para sua diversão - por exemplo, torna um pedaço de madeira ou uma folha seca em um cenário harmonioso, em que pode passear, brincar sem perigo e com alegria.
Portanto, precisamos respeitar e preservar esse universo lírico como um valor que constitui a criança e que a faz, de fato, ser o que é - o que tem de diferente do adulto. É hora de repensar, sob o crivo da ética, a publicidade destinada às crianças. A ética do respeito à sua integridade física e emocional. A ética da proteção dos seus direitos elementares.
Uma análise mais detida da Constituição, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Código de Defesa do Consumidor fornece elementos suficientes para estabelecer regras restritivas à propaganda infantil. Essa não é uma causa apenas dos profissionais que trabalham diretamente com a educação de crianças no Brasil. Mas uma causa de todos nós - pais, mães, educadores, autoridades públicas, publicitários e dirigentes de empresas socialmente responsáveis.
MILÚ VILLELA é presidente do Faça Parte - Instituto Brasil Voluntário, embaixadora da Boa Vontade da Unesco e membro fundador e coordenadora do Comitê de Articulação do Compromisso Todos pela Educação, além de presidente do MAM e do Instituto Itaú Cultural.
Público-alvo de uma indústria que movimenta algo em torno de US$ 15 bilhões por ano, as crianças transformaram-se em um mercado altamente lucrativo. Por conseqüência, tornaram-se objeto do desejo de marcas poderosas que vendem tudo, de biscoitos baratos a "games" caros. Seus hábitos, gostos e comportamentos passaram a integrar estudos de marketing. Desenvolver uma mensagem capaz de despertar o impulso de consumir uma roupa, um sanduíche, um brinquedo ou até mesmo produtos que nunca fizeram parte do seu universo, como maquiagem, passou a ser um desafio para criadores de agências de propaganda de todo o mundo.
Você, assim como eu, já deve ter ouvido ou lido que o mercado infantil é um dos mais promissores do mundo. Dizem que as crianças influenciam a compra dos pais, que estão cada vez mais bem informadas para escolher produtos e serviços e, portanto, a publicidade a elas dirigida é uma demanda natural de um novo mundo no qual, assim como os adultos, elas devem ter o direito de consumir. Por trás desse discurso, no entanto, esconde-se o equívoco de tratá-las como adultos em miniatura.
A publicidade dirigida a crianças deve, sim, ter limites. E limites muito claros. Ao contrário dos adultos, as crianças não possuem maturidade cognitiva para compreender uma mensagem comercial em toda a sua amplitude. Não dispõem de mecanismos para fazer a necessária crítica aos apelos para o consumo. Quando pequenas, não conseguem diferenciar um comercial de brinquedo de um programa de entretenimento. Mas, a todo momento, são submetidas a uma bateria de mensagens comerciais cujo objetivo nada disfarçado é estimular o consumo de produtos e serviços de que não necessitam.
Consumir a última novidade passa, portanto, a ser uma necessidade em si. E uma atividade geradora de tensão permanente. Para as crianças cujos pais têm bom poder aquisitivo, a tensão está em adquirir sempre mais. Para aquelas que nascem em famílias de baixa renda, a tensão decorre do fato de não poder ter aquilo que a propaganda vende como uma aspiração natural de toda criança. Os resultados sociais desse quadro são visíveis. Mais visíveis ainda são os estragos causados na saúde, na qualidade de vida, no grau de instrução e na convivência.
Os resultados dessa publicidade também atingem algo muito precioso e caro a uma criança e, conseqüentemente, ao seu comportamento na fase adulta, o universo onírico. Que é, em quaisquer circunstâncias, a maneira única e legítima de ela imaginar e criar um mundo que não pode ser imposto, mas construído por suas próprias regras. É fantástica a capacidade que uma criança tem de transformar as coisas mais simples em algo apropriado para sua diversão - por exemplo, torna um pedaço de madeira ou uma folha seca em um cenário harmonioso, em que pode passear, brincar sem perigo e com alegria.
Portanto, precisamos respeitar e preservar esse universo lírico como um valor que constitui a criança e que a faz, de fato, ser o que é - o que tem de diferente do adulto. É hora de repensar, sob o crivo da ética, a publicidade destinada às crianças. A ética do respeito à sua integridade física e emocional. A ética da proteção dos seus direitos elementares.
Uma análise mais detida da Constituição, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Código de Defesa do Consumidor fornece elementos suficientes para estabelecer regras restritivas à propaganda infantil. Essa não é uma causa apenas dos profissionais que trabalham diretamente com a educação de crianças no Brasil. Mas uma causa de todos nós - pais, mães, educadores, autoridades públicas, publicitários e dirigentes de empresas socialmente responsáveis.
MILÚ VILLELA é presidente do Faça Parte - Instituto Brasil Voluntário, embaixadora da Boa Vontade da Unesco e membro fundador e coordenadora do Comitê de Articulação do Compromisso Todos pela Educação, além de presidente do MAM e do Instituto Itaú Cultural.
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