Fim da espécie e teologia

16/04/2002
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Opinión
-A +A
Sempre que uma cultura entra em crise, como a nosa, faz suscitar mitos de fim do mundo e de destruição da espécie. Usa-se, então, recurso literário conhecido: relatos patéticos de visões e de intervenções de anjos que se comunicam para anunciar mudanças iminentes e preparar a humanidade. No Novo Testamento esse gênero ganhou corpo no livro do Apocalipse e em alguns trechos dos Evangelhos que colocam na boca de Jesus predições de fim do mundo. Hoje prolifera vasta literatura esotérica que usa códigos diferentes como passagem a outro tipo de vibração e comunicação com extraterrestres. Mas a mensagem é idêntica: a viragem é iminente e há que estar preparado. Importante é não deixar-se iludir por esse tipo de linguagem. É linguagem de tempos de crise e não uma reportagem antecipada do que vai ocorrer. Mas há uma diferença entre os antigos e nós hoje. Para os antigos, o fim do mundo estava no imaginário deles e não no processo realmente existente. Para nós está no processo real, pois criamos de fato o princípio de auto-destruição. E se desaparecermos, como se há de interpretar? Chegou a nossa vez no processo de evolução já que há sempre espécies, desparecendo naturalamente? Que diz a reflexão teológica? Rapidamente diria: se o ser humano frustar sua aventura planetária significa, sem dúvida, uma tragédia inominável. Mas não seria tragédia absoluta. Essa, ele já a perpetrou um dia. Quando o Filho de Deus se encarnou em nossa miséria, nós o assassinamos, pregando-o na cruz. Só então se formalizou o pecado original que é um processo histórico de negação da vida. Mas ocorreu outrossim a suprema salvação, crêem os cristãos, pois onde abundou pecado, superabundou também graça. Maior perversidade que matar a criatura é matar o Criador encarnado. Mesmo que a espécie mate a si mesma ela não consegue matar tudo dela. Só mata o que é. Não pode matar aquilo que ainda não é: as virtualidades escondidas e que querem se realizar. E aqui entra a morte em sua função libertadora. A morte não separa corpo e alma, pois, no ser humano não há nada a separar. Ele é um ser unitário com muitas dimensões. O que a morte separa é o tempo da eternidade. Ao morrer, o ser humano deixa o tempo e penetra na eternidade. Caindo as barreiras espácio-temporais, as virtualidades agrilhoadas podem irromper em sua plenitude. Só então acabaremos de nascer como seres humanos plenos. Portanto, mesmo com a liquidação criminosa da espécie, o triunfo da espécie não é frustrado. A espécie sái tragicamente do tempo pela morte, morte esta que lhe concede entrar, gloriosa, na eternidade. Alimentamos otimismo. Assim como o ser humano domesticou outros meios de destruição como o primeiro deles, o fogo, (que originou aos mitos de fim do mundo)assim agora domesticará os meios que nos poderão destruir. Não acaba o mundo, mas acaba este tipo de mundo insensato que ama a guerra e a destruição em massa. Vamos inaugurar um mundo humano que ama a vida, desacraliza a violência, tem cuidado e piedade para com todos os seres, faz a justiça verdadeira, enfim, que nos permite estarmos no monte das benaventuranças e não, degradados, no vale de lágrimas. * Leonardo Boff teólogo e filósofo
https://www.alainet.org/pt/articulo/105786
Subscrever America Latina en Movimiento - RSS