Ciência e amor

14/11/2002
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Temos muito a aprender com Galileu, que jamais dividiu as duas faces de uma mesma moeda. Estava convencido de que o mundo é criação de Deus, que se revela através de dois livros - as Sagradas Escrituras, escritas em linguagem religiosa, e o livro da natureza, escrito em linguagem matemática. Os dois têm o mesmo Autor. Mas não convém inverter as óticas: ler a natureza apenas com categorias teológicas nem a Bíblia apenas com conceitos científicos. A sabedoria consiste em buscar a convergência galileica entre o conteúdo da fé e as descobertas da ciência, resguardando a autonomia e a independência dos teólogos e dos cientistas. Como observa, com certo exagero, o astrônomo inglês John D. Barrow, "os teólogos julgam conhecer as perguntas, mas não conseguem entender as respostas. Os físicos julgam conhecer as respostas, mas não conhecem as perguntas". O diálogo, pois, só trará benefícios a todos. Como dizia Einstein, "ainda que os âmbitos da religião e da ciência sejam em si claramente separados um do outro, existem entre os dois fortes relações recíprocas e dependências". Não se obtém abacate de vaca nem leite de abacateiro. Mas se obtém saúde bebendo o suco que resulta da mescla entre leite e abacate. (Convém acrescentar uma pitada de açúcar e umas gotas de limão. Um é doce, o outro, azedo. Juntos, realçam o sabor do suco). Convém também não duvidar de que, do outro lado da porta, no Ponto Zero, Deus sorri de nossas inquietações e, em Sua infinita paciência, guarda a certeza de que haveremos de aprender a lição tão óbvia quanto inevitável: o percurso da existência levará todos nós, sem exceção, ao fim do enigma. Assim, a morte seria a suprema revelação. Tão simples e evidente, que dispensaria qualquer demonstração. A existência humana já não pode ser considerada fora da dimensão quântica. Também somos seres orbitais. Planetas, vivemos em busca de um sol em torno do qual gravitar. Estamos sedentos de luz. Na cotidiana convivência com os nossos semelhantes, somos todos quais partículas localizadas no espaço; porém, quando amamos, somos onda que se propaga, todo o nosso ser flui e, embora aparentemente estejamos aqui, sentados à mesa, no ponto do ônibus ou de pé no balcão de uma lanchonete, de fato estamos lá onde o nosso coração nos arrebata. Assim, os apaixonados nunca estão onde os vemos e acreditamos que se encontram. No século VI a.C., Empédocles sugeriu que os quatro elementos fundamentais - terra, água, ar e fogo - foram primitivamente reunidos pelo amor. Este daria lugar ao ódio e os elementos seriam parcialmente separados e parcialmente combinados. Quando não houvesse nenhum amor, os elementos estariam completamente dissociados. Porém, no futuro, o amor voltaria a congregar os elementos, erradicando o ódio. Assim, tudo retornaria à unidade original. "Morrer é fechar os olhos para ver melhor", disse José Martí. Então, estaremos livres das contingências deste Universo, em condições de compreender que esta vida passada não consistiu em outra coisa senão no tempo de gestação concedido a cada um de nós para que, dentro deste imenso ventre cósmico, pudéssemos aprender a viver de amor e contemplar a obra do Artista. Talvez Joseph Campbell tenha razão ao afirmar que buscamos "na história da Criação uma maneira de experimentar o mundo capaz de abrir-nos as portas do transcendente". Lao Tsé escreveu que "quanto mais falamos do Universo, menos o compreendemos. O melhor é auscultá- lo em silêncio". * Frei Betto é escritor, autor de "Entre todos os homens" (Ática), entre outros livros.
https://www.alainet.org/pt/articulo/106644?language=en
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