Fome zero
18/03/2003
- Opinión
O projeto Fome Zero, a ser implantado pelo governo Lula, pretende
reduzir significativamente a exclusão social que faz do Brasil um dos
três países mais injustos do mundo. Não tem cabimento centrar o
debate em torno de cartão magnético, cupom ou dinheiro. É discutir a
qualidade da água enquanto a casa pega fogo. O importante é garantir
alimento a quem vive condenado à subnutrição, e fazê-lo de modo a
evitar o assistencialismo, o paternalismo e a dependência do
beneficiado ao poder público.
Ao debater os meios, e não o fim, corre-se o risco de perder de vista
a meta do projeto. É a clareza do objetivo que permitirá uma escolha
criteriosa dos meios, inclusive levando em conta diferenças e
peculiaridades regionais.
O Fome Zero não pretende reinventar a roda. Existem inúmeras
experiências bem-sucedidas de combate à fome no país. É com elas que
devemos aprender. Por isso, a coordenação do projeto estabeleceu um
calendário para conhecer quem faz, o que faz, como faz, e que erros e
acertos foram cometidos. Quatro segmentos da sociedade estão
convidados para, separadamente, apresentarem ao projeto o trabalho
que desenvolvem: as denominações religiosas (que terão seminário, em
S. Paulo, no próximo dia 12); a iniciativa privada (que fará seu
seminário na mesma data); as ONGs; e os órgãos governamentais. Os
dois últimos terão seus seminários após a posse do novo presidente da
República.
O Fome Zero valoriza a autonomia de todas as instituições empenhadas
na seguridade alimentar, com exceção das que estão vinculadas ao
governo federal. Estas deverão passar por uma avaliação e renovação,
já que o caráter do projeto difere qualitativamente das iniciativas
adotadas no governo FHC. O novo projeto permeará todos os
ministérios e empresas públicas, de modo a mobilizar o conjunto da
máquina federal, incluindo as Forças Armadas, no combate à fome.
Quanto às demais instituições, como as ONGs e os órgãos públicos das
esferas estadual e municipal, o princípio norteador é evitar dois
riscos: a cooptação pela estrutura federal, transformando-as em meras
correias-de-transmissão, e a marginalização de iniciativas que não
coincidem com os princípios do Fome Zero. O desafio é promover uma
sinergia, um somatório de esforços rumo à missão comum.
Só quem não conhece o projeto Fome Zero pode julgá-lo
assistencialista. Além de combinar 25 diferentes projetos de
políticas públicas, do Bolsa-Escola à reforma agrária, há o propósito
de promover a educação-cidadã, saciando, assim, não só a fome de pão,
mas também a de beleza. Os beneficiados deverão assegurar a presença
dos filhos na escola e freqüentar cursos profissionalizantes,
tornando-se pessoas produtivas, capazes de obter renda a partir de
seu próprio esforço. Mas é dever do governo garantir-lhes os
recursos, como o crédito agrícola, para que possam dar o passo
decisivo da exclusão à inclusão social.
Pessoas dispostas a trabalhar no projeto e a doar recursos terão
sinalizados os caminhos a percorrer tão logo o novo governo assuma.
Por enquanto, é preparar a sua implantação e criar vínculos com os
parceiros institucionais.
Para quem deseja, ansiosamente, já contribuir para aplacar o drama de
tantos famintos, sugerimos que participe da campanha Natal Sem Fome.
No Ano Novo, a meta será um Brasil Sem Fome.
* Frei Betto é escritor, autor de "Alfabetto - Autobiografia Escolar"
(Ática), entre outros livros, e coordenador de Mobilização Social do
projeto Fome Zero.
https://www.alainet.org/pt/articulo/106788
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