A feminização do mundo do trabalho
18/11/2004
- Opinión
Lançado em meados do ano, o livro de Claudia Mazzei Nogueira, "A
feminização do mundo do trabalho" (Editora Autores Associados), serve
de importante alerta para todos os que atuam na frente sindical ou se
preocupam com o avanço das lutas dos explorados. Além de evidenciar a
crescente inserção da mulher no trabalho, a autora enfrenta algumas
instigantes polêmicas colocadas por essa nova realidade. Discute, por
exemplo, se essa participação representaria a almejada emancipação da
mulher ou se estaria a serviço da precarização do trabalho imposta no
mundo inteiro pelo capitalismo "globalizado". Ela trata, também, da
complexa relação entre a luta contra a opressão de gênero e a luta
contra a exploração do capital.
Na introdução e nos dois primeiros capítulos, o livro aborda a
trajetória da mulher no chamado mundo do trabalho. Conforme
demonstra, nas sociedades pré-capitalistas ainda era bastante
reduzida sua presença e seu espaço pertencia, basicamente, à esfera
doméstica, reproduzindo a divisão social do trabalho com sua opressão
de gênero. Só a partir do século XIX, com o desenvolvimento da
Revolução Industrial Inglesa, é que se verifica a "intensificação da
inserção feminina, já que a maquinaria pode dispensar o uso da força
muscular. O trabalho humano passa então a ser 'apêndice da máquina'
(Marx). E, junto com o advento da maquinaria, deu-se o ingresso
definitivo da mulher no mundo do trabalho".
O modo de produção capitalista leva ao extremo a exploração.
Recorrendo às contribuições dos teóricos marxistas, a autora conclui
que "o capitalismo usa da divisão sexual para incentivar a competição
entre os trabalhadores, rebaixando salários em decorrência do
ingresso da força trabalho feminina... O mundo do trabalho acentuou
profundamente a divisão sexual do trabalho, reservando às mulheres
espaços específicos que, na maioria das vezes, se caracterizavam pela
inferioridade hierárquica, pelos salários menores e por atividades
adaptadas as suas capacidades inatas". Essa segregação preconceituosa
inclusive será reproduzida nos jovens sindicatos operários, que
procuraram afastar as mulheres do espaço fabril.
Após analisar as características centrais do fordismo-taylorismo e do
chamado toyotismo, Claudia Mazzei constata que a atual reestruturação
produtiva tem provocado "aumento significativo do trabalho feminino,
expressão da articulação entre as relações de gênero e de classe,
possibilitando que 40% ou mais da força de trabalho seja composta de
mulheres em diversos países capitalistas ocidentais". As tabelas
expostas no terceiro capítulo ilustram esse aumento vertiginoso e
ininterrupto. Na Europa, por exemplo, as mulheres representavam 30%
da PEA nos anos 60; em 1996, detinham 42,5%. O espetacular aumento da
atividade feminina foi acompanhado da estagnação e declínio do
emprego masculino. O mesmo ocorreu no Brasil!
Precarização desigual
Essa crescente inserção da mulher, entretanto, é ofuscada pela brutal
precarização das suas condições de trabalho. No mundo inteiro, elas
recebem os piores salários, são as maiores vítimas de contratos
parciais e temporários e as mais atingidas pelo subemprego e o
desemprego. A farta documentação apresentada pela autora é
inquestionável e deprimente e comprova sua tese "de que a divisão
social e sexual do trabalho, na configuração assumida pelo
capitalismo contemporâneo, intensifica fortemente a exploração do
trabalho, fazendo-o, entretanto, de modo ainda mais acentuado em
relação ao mundo do trabalho feminino".
Após observar que há uma tendência, no mundo e no Brasil, do trabalho
parcial estar mais reservado às mulheres, ela explica que "essa
situação se dá porque o capital necessita também do tempo de trabalho
das mulheres na esfera reprodutiva já que isso lhe é imprescindível
para o processo de valorização, uma vez que seria impossível para o
capital realizar seu ciclo produtivo sem o trabalho feminino
realizado na esfera doméstica". A autora também constata que as
mulheres têm sido "cobaias" em vários experimentos do capital de
precarização do trabalho, sendo pioneiras em formas de contratação
temporária e parcial.
Com base nesse conjunto de reflexões, Claudio Mazzei enfrenta, com
maestria e instrumental dialético, a polêmica sobre a emancipação ou
precarização da mulher no trabalho. "A conclusão a que cheguei é a de
que as metamorfoses do mundo do trabalho (dentre as quais supomos que
a principal delas talvez seja sua feminização) acabam sendo
positivas, uma vez que permitem constituir e avançar no difícil
processo de emancipação feminina e, desse modo, minimizar as formas
de dominação patriarcal no espaço doméstico. Mas são também
negativas, pois essas transformações vêm agravando significativamente
a precarização da mulher trabalhadora... Trata-se, portanto, de um
movimento contraditório", dentro da lógica do capital.
De forma corajosa, a autora também "recusa a falsa dicotomia que
freqüentemente tem sido estabelecida entre gênero e classe... Na ação
que busca a emancipação do gênero humano, há uma inter-relação entre
as trabalhadoras e os trabalhadores. Esse processo tem no capital e
no seu sistema de metabolismo social a fonte da subordinação e
alienação. E a luta contra esse sistema é, ao mesmo tempo, uma ação
da classe trabalhadora contra o capital e sua dominação (ação esta
que pertence ao conjunto da classe trabalhadora), mas é também uma
luta feminina contra as mais diferenciadas formas de opressão
masculina".
Diante do exposto nesta instigante obra, fica a pergunta: será que o
sindicalismo brasileiro está atento à crescente inserção da mulher no
mundo do trabalho e às formas brutais da sua exploração ou continua
sendo um espaço masculino – fortemente machista – distante dessa nova
e desafiadora realidade?
* Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB,
editor da revista Debate Sindical e organizador do livro "A reforma
sindical e trabalhista no governo Lula" (Editora Anita Garibaldi).
https://www.alainet.org/pt/articulo/110885
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