A quem interessa a intolerância

24/06/2015
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Há um indisfarçável tom de preconceito nas reportagens da chamada grande imprensa, na quarta-feira (24/6), sobre a solenidade de abertura dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, realizada em Brasília.

 

O discurso de improviso da presidente Dilma Rousseff e o ritual no qual ela foi “abençoada” por um pajé são tratados num clima de malícia e deboche e os jornais perdem a oportunidade para explorar um tema relevante levantado pela chefe do Executivo: a questão da diversidade e da tolerância.

 

O episódio remete à onda reacionária que atinge o campo político, e que se reflete em fatos significativos, como o protagonismo das bancadas mais retrógradas do Congresso.

 

Não se pode dizer que a imprensa esteja interessada em desconstruir o Estatuto da Criança e do Adolescente ou que esteja vendida à indústria de armamentos, cujo lobby se tornou mais ativo nos últimos meses, mas pode-se demonstrar que ela contribui para a ofensiva conservadora, num momento em que o país vive um grande acirramento de confrontação ideológica.

 

A mídia tradicional do Brasil, atuando como um sistema coeso e influente sobre as instituições e a sociedade, contém o debate dos grandes temas num nível superficial e, com isso, estimula o protagonismo dessas tropas reacionárias, que saem de seu costumeiro ostracismo e conquistam adeptos em uma população com pouca educação política.

 

Não foi a mídia, evidentemente, que inventou os porta-vozes do retrocesso político e social, mas ela funciona como uma espécie de aval para aqueles que, até pouco tempo, só se manifestavam nos meios digitais.

 

A disponibilidade de holofotes na chamada grande mídia para os arautos do atraso lhes dá certa aura de credibilidade, e o início desse processo pode ser claramente identificado na campanha eleitoral de 2010, quando a imprensa colocou no centro da cena política alguns líderes de seitas religiosas que desvirtuaram os debates sobre direitos dos homossexuais e a autonomia das mulheres com relação à gravidez indesejada.

 

A cena produzida por dezenas de deputados ditos “evangélicos”, que há duas semanas (quarta, 10/6) interromperam uma votação na Câmara para protestar contra a realização da Parada Gay em São Paulo, é parte desse contexto em que o Congresso se torna palco de manifestações explícitas de intolerância. O chamado “baixo clero”, colocado no centro da cena política pela imprensa, se apresenta como o novo padrão da atividade parlamentar.

 

Anjos e demônios

 

As sucessivas manifestações dessa confraria, invariavelmente associadas a outras representações do retrocesso, como a “bancada da bala”, influenciam o resto da sociedade e estimulam expressões de incivilidade. É no rastro desses exemplos que saltam para o palco das mídias sociais os pregadores da perseguição a adeptos de cultos afro-brasileiros, por exemplo, da mesma forma como, em 2010, a demonização da homossexualidade por parte de líderes religiosos resultou em agressões a homossexuais em muitas cidades brasileiras.

 

A série de ataques a templos e praticantes de cultos espíritas e africanos, na semana passada, teve um episódio grave no Rio de Janeiro, quando uma família que voltava de uma sessão de candomblé foi atacada a pedradas. Na sexta-feira (19/6), um médium foi espancado até a morte, também no Rio (ver aqui).

 

A imprensa noticia esses fatos na crônica policial, mas raramente se dispõe a explorar com profundidade a questão. Na verdade, o material jornalístico mais comum acaba acirrando os ânimos, ao misturar diversos grupos religiosos num mesmo balaio, que é chamado genericamente de “os evangélicos”.

 

Por isso, chama atenção a entrevista do pastor batista Ed René Kivitz, publicada na terça-feira (23/6) pelo site brasileiro da britânica BBC (ver aqui). Nela, o líder religioso observa que o “tom bélico” e o “discurso de confronto” assumido por políticos identificados com igrejas evangélicas e pastores que têm acesso aos meios de comunicação de massa estão criando o clima para que “gente doente, ignorante e mal resolvida dê vazão aos seus impulsos de violência e de rejeição ao próximo”.

 

Ele observa que a mídia não dá destaque a iniciativas de evangélicos em favor da tolerância e acaba estimulando a ação dos radicais, e se queixa de que os movimentos LGBT são pintados sempre como mocinhos, enquanto os evangélicos são genericamente demonizados como homofóbicos. “Para o circo da mídia, não interessa colocar gente moderada dos dois lados conversando”, afirmou.

 

A entrevista foi ignorada pela chamada grande imprensa.

 

- Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 24/6/2015

 

http://observatoriodaimprensa.com.br/radio/a-quem-interessa-a-intolerancia/

https://www.alainet.org/pt/articulo/170639
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